João Seabra: O humorista “observacional”

A costela humorística de João Seabra surgiu ainda na escola, quando o comediante começou a perceber que tinha jeito para a “coisa”. E depois de trabalhar com programação de computadores, decidiu fazer da comédia a sua vida.

© Pedro Teixeira

É humorista, ventriloquista e ator, mas gosta “de estar no seu cantinho” fora das suas atuações. Considera o seu humor “observacional” e retrata o quotidiano das pessoas, bem como as suas ações e reações.

Entre a sua vasta presença em projetos, destacam-se o “Levanta-te e Ri”, “Balas e Bolinhos”, “Stand da Comédia” e “A culpa é do macaco”. No futuro, João Seabra quer manter-se no mundo da comédia, mas com vista em projetos diferentes.

Quem é o João Seabra fora do mundo do humor?

Ao contrário do que se possa pensar, não sou uma pessoa que goste muito de falar e de ser social, sou mais quando estou em palco. Mas de resto, gosto de estar no meu cantinho, no meu sossego e a fazer as minhas coisas.

Começaste a destacar-te no humor ainda durante a escola. Foi aí que pensaste que, no futuro, poderias ser comediante?

Nunca fiz projetos para isso, apesar de uma pessoa gostar de mandar as suas piadas e de fazer rir as pessoas enquanto criança e adulto. Isto foi acontecendo naturalmente e, quando dei por mim, pensei que, provavelmente, conseguiria fazer vida disto. E também o facto de as pessoas procurarem, deixou-me continuar.

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Como iniciaste o teu percurso na comédia?

Já lá vão 20 anos, comecei num festival de stand-up em Braga, quando começou toda esta onda. Fui convidado, participei e, a partir daí, foi sempre a continuar. “Apostei na comédia numa perspetiva de curto prazo, apesar de isso passar para médio prazo e agora para longo prazo.”

Em que fase decidiste realmente apostar no mundo da comédia e fazer disto vida?

Foi por volta de 2004/2005, quando começaram a aparecer várias solicitações para atuar em vários locais. Eu trabalhava com computadores, e cheguei à conclusão que tinha de optar pela comédia ou pelo meu trabalho. Apostei na comédia numa perspectiva de curto prazo, apesar de isso passar para médio prazo e agora para longo prazo.

Como caracterizas o teu tipo de humor?

O meu humor é um pouco clean e observacional, ou seja, gosto de falar de coisas do dia a dia, sobre as pessoas, reações e ações.

Há algum tema que gostes mais de abordar?

Falo sobre a vida, as pessoas, os animais, a sociedade e sobre nós.

Durante as atuações, o que gostas mais de transmitir para o público?

Acima de tudo, quero que as pessoas fiquem bem-dispostas e que saiam melhor do que como entraram.

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“Quando olho para a plateia, olho como se fosse um grupo de amigos e que temos de nos divertir todos juntos.”

Há limites no teu humor?

Como disse, gosto que as pessoas saiam melhor do que como entraram nos meus espetáculos. Sei que há pessoas que gostam de humor negro e que falam sobre assuntos um pouco tabus, mas eu não gosto de fazer isso, porque sei que vai chocar algumas pessoas. Não costumo fazer sobre religião e outras coisas, porque sei que algumas pessoas não vão gostar e vão sair pior do que como entraram e não é o meu estilo.

Qual é a tua maior influência dentro do mundo da comédia?

Não tenho, acima de tudo é aquilo que acho que devo fazer, e o que acho que tem piada. Não pego nos assuntos pela forma como os outros humoristas pegam. Abordo pela forma como acho que devo abordar.

Quem é o comediante com quem mais gostaste de trabalhar durante os teus projetos?

Acima de tudo, há alguns humoristas que se tornaram meus amigos e com quem fiz muitos projetos e continuo a ter muitos outros. E provavelmente são as pessoas com quem mais gosto de trabalhar, porque já temos uma dinâmica e relacionamento pessoal fortes, como o caso do Miguel 7 Estacas, Hugo Sousa e Fernando Rocha.

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Se não fosses comediante, o que gostarias de fazer atualmente?

Se não fosse humorista, estaria a trabalhar na minha área. Estaria a programar computadores. Mas gostaria de andar a passear e a escrever sobre viagens, isso seria bom.

Qual é o segredo para atrair o público nas atuações?

Se as pessoas gostarem do que estiveram a ver, vão pensar: “para a próxima vou, porque gostei da última vez que fui.” E temos que ter uma boa relação com o público. Quando olho para a plateia, olho como se fosse um grupo de amigos e que temos de nos divertir todos juntos.

O humor é uma escapatória na vida das pessoas?

Sim, há muita gente que tem um mau dia, uma semana ou mesmo até o mês. Depois decidem ver um espetáculo ou um vídeo na internet e soltam duas gargalhadas, e isso faz muito bem, é psicologia.

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Preferes os palcos maiores, ou os palcos mais pequenos, onde o público está mais próximo?

Gosto de todos os palcos e já fiz atuações em todos os palcos possíveis. Desde carrinhas de caixa aberta até atuar para 30 mil pessoas. Mais do que o palco, é o público que temos à frente. Por vezes temos dez pessoas que são espetaculares, outras vezes temos três mil pessoas que são piores. Por isso, depende do público que temos à frente. Claro, para o público ser bom, o humorista tem
de trabalhar o público, mas gosto dos dois.

Qual foi a atuação que mais gostaste e qual consideras que foi para esquecer?

Já tive muitas atuações más. Mas aprendemos sempre, seja com as boas, ou más. Felizmente também tive várias atuações boas.

Mas qual a razão dessas diferenças nas atuações?

São muitas coisas. Já tive atuações em que as condições eram horríveis, onde as pessoas não ouviam o som, assim é difícil. Umas vezes temos todas as condições e não conseguimos passar o que queremos passar, outras vezes são mesmo as más condições, mas passa por várias razões.

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Quais são os teus planos para o futuro?

Para já é continuar a fazer isto e ver se aparecem projetos diferentes, mas sempre dentro do humor, para eu não me cansar a mim e ao público. Continuar a fazer stand-up, mas se aparecer outros projetos…

Vês o teu percurso no humor durar muitos mais anos?

Há algum tempo estive a falar com alguns colegas e perguntámos isso. Até quando se pode fazer isto? Não sei, porque somos a primeira vaga do stand-up em Portugal, que começou há 20 anos atrás, e não sabemos até que idade podemos andar a fazer isto.

Quando tens as ditas “brancas”, durante as atuações, de que forma dás a volta a essa situação?

Isso já foi um problema, no início da carreira. Agora não tenho esse problema. Se surgir uma branca, falo com as pessoas e há de surgir outra coisa. Eu também gosto que as coisas sejam fluidas, que seja uma conversa com o público.

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“Aceito e procuro todos os desafios dentro do humor, porque é para nos enriquecermos a nós próprios e para não cairmos numa monotonia e num ciclo repetitivo.”

Além de humorista, também és ator no mundo da comédia. Procuras diversificar os teus projetos e não só focar nas atuações?

Sim, aceito e procuro todos os desafios dentro do humor, porque é para nos enriquecermos a nós próprios e para não cairmos numa monotonia e num ciclo repetitivo. Assim, todas as experiências que tenho fora do stand-up e ventriloquismo, como um filme, uma série ou outra coisa, aquilo enriquece, de forma a que use mais cedo ou mais tarde noutras áreas.

Começaste o teu caminho na comédia há 20 anos. Como está o humor em Portugal neste momento?

Acho que está muito forte, apareceu muita gente nova. Houve um boom há 20 anos atrás em que apareceram muitas pessoas. Alguns permanecem, outros foram fazendo outras coisas. Nos últimos anos, tem surgido malta nova, alguns com muita qualidade, o que é bom, porque quantos mais surgirem, mais enriquece o panorama humorístico português.

Qual foi o ponto de explosão da comédia em Portugal?

Foi o Levanta-te e Ri, não haja dúvidas que fez uma revolução muito grande na comédia portuguesa.

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Qual é o futuro do humor?

Eu acho que deve haver humoristas a falar de todos os temas. Acho bem que haja humoristas de humor negro. Claro, não é o meu estilo, por isso não vou explorar alguns temas, mas acho muito bem que os explorem. Temos no panorama político-televisivo mais humoristas, porque é mais fácil haver humoristas a falar sobre política e procurar o ridículo de muitas coisas políticas.

O humor aí pode ser diferente? Na procura pela televisão ou por abordar temas da atualidade?

Sim, acho que há muitos humoristas que fazem comédia sobre pequenas coisas que eles reparam. E se formos procurar humoristas que falam de coisas que nos passam ao lado, e se aplicarem isso à política, vamos ver pontos de vista bastante diferentes e
engraçados.

Como está o humor em Portugal em relação ao estrangeiro?

É o nosso, não vou dizer que é melhor ou pior. É um caminho que se está a fazer e neste momento, acho que há bons humoristas e bom humor. Não vou comparar com outros países, porque acho que é incomparável.

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“O nosso mercado é uma cidade no estrangeiro”

Mas é mais fácil ser humorista no estrangeiro? Há melhores condições, seja a nível monetário ou de público?

Isso é diferente, nós somos dez milhões, e o nosso mercado é uma cidade no estrangeiro. No Brasil, são 200 milhões de pessoas. Um humorista brasileiro com o mesmo texto, é capaz de andar três anos a fazer uma digressão pelo país e todos os dias com um público diferente. Aqui não é bem assim. Temos de trabalhar mais, porque estamos num país mais pequeno e com menos pessoas.

Como vês a entrada de cada vez mais jovens no mundo da comédia em Portugal?

Eu acho que é bom, quantos mais aparecerem melhor. Claro que, aparecendo muitos, há sempre os muito bons, os bons e os fracos.  Mas quantos mais aparecerem, maior é a probabilidade de surgirem humoristas muito bons. Isso enriquece o humor.

Quais são os principais obstáculos no panorama atual do humor?

Neste momento, se calhar até há menos obstáculos. Antigamente, quando queríamos ser conhecidos ou fazer coisas, tínhamos que ir à televisão. Mas isso é sempre um mercado fechado. Às vezes havia problemas em entrar nesse mercado. Agora temos a internet, e cada vez mais os jovens não ligam à televisão. Com a internet, qualquer pessoa, seja em casa ou noutro lado, transmite o seu trabalho. Ou seja, agora há mais facilidade nesse aspeto. É uma questão de gravar e colocar na internet, e as pessoas vêem ou não vêem, mas isso é outra coisa. É muito fácil agora partilhar o nosso trabalho.

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Como é que o ventriloquismo entrou na tua vida?

Quando era pequeno, achava o ventriloquismo uma coisa mágica, como o Donaltim e outras coisas estrangeiras. Mas nunca fui por aí. Depois, por volta de 2006, tive um desafio. Disseram-me: “olha tenho um boneco, achas que consegues fazer alguma coisa com isto?” Fui para casa, comecei a experimentar e aceitei o desafio. Decidi fazer um texto com aquele boneco. A partir daí, achei piada, fui adquirindo bonecos e fui inserindo momentos de ventriloquismo nos meus espetáculos.

Qual é para ti a magia do ventriloquismo? O que tem de diferente?

É espetacular porque, com os bonecos, posso dizer coisas que eu não posso. Se fosse eu, não vou falar de algo, porque sou eu a dizer. Mas se for o boneco, já não sou eu. Eles já podem fazer humor negro, ou o humor que quiserem. Não fui eu que fiz, foi o boneco. É uma escapatória e uma ajuda grande.

Quanto tempo demoraste a elaborar os processos do ventriloquismo?

Fui fazendo e experimentando em casa e no carro a falar de boca fechada, como se estivesse a falar com alguém ou com um boneco. Depois  foi uma questão do manuseamento do boneco. Não consigo quantificar o tempo que demorei, mas foi algum. Foi muito
natural.

Uma das tuas atuações de ventriloquismo mais conhecidas é feita com o Sidónio. Como surgiu o Sidónio?

O Sidónio surgiu porque ligaram-me do Portugal Got Talent, em 2016, e perguntaram-me se queria ir lá. Eu disse que sim, mas que não iria fazer stand-up, porque já faço há muitos anos, mas podia ir como ventríloquo, porque é uma arte diferente. Eles aceitaram, levei o Sidónio e correu muito bem, as pessoas gostaram muito. Foi uma aposta que podia ter sido furada, mas resultou bem.

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