Literacia Financeira – Portugueses em Penúltimo Lugar na União Europeia
Quando analisamos o desenvolvimento socioeconómico de um país, o posicionamento nos rankings de literacia financeira, revela muito do estado da sua economia, mas também de outros indicadores, como a educação, a pobreza ou o grau de digitalização da sociedade.
Quando o tema é literacia financeira, os Portugueses estão mesmo na cauda da Europa, acompanhando muito do que são os indicadores económicos e financeiros do país, nomeadamente no que diz respeito ao medíocre crescimento, modernização e diversificação da nossa economia e aos elevados rácios de endividamento, quer do estado, quer das famílias.
Os dados, constam de um estudo do grupo de reflexão Bruegel publicado no dia 23 de Fevereiro deste ano, baseado num Eurobarómetro sobre literacia financeira, feito para a Comissão Europeia em 2023. Este estudo, é extremamente interessante e desafiante, colocando dúvidas sobre o nosso modelo de desenvolvimento, quer económico, quer social. Permite-nos ainda, retirar diversas conclusões e refletir sobre mudanças estratégicas a adotar no plano Europeu, mas que podem e devem ter um cunho próprio para cada estado membro, atendendo às especificidades de cada um.
Analisando o Eurobarómetro, percebemos que apenas 42% dos portugueses inquiridos foram capazes de responder corretamente a pelo menos três questões, sendo que na média dos estados membros da união europeia a 27, a percentagem sobe para os 52%. No geral e em toda a EU, apenas um em cada dois indivíduos tem “conhecimento financeiro”, revelando pois e de forma até surpreendente, um nível de literacia financeira muito baixa, com consequências diretas nas economias, confirmando aliás os números que a EU tem apresentado de forma sustentada e reiterada nas últimas décadas.
Outro dado muito interessante, mas simultaneamente preocupante, que os dados do Eurobarómetro, analisados pelo grupo Bruegel revelam, prende-se com a discrepância de género, isto é, os homens revelam mais literacia financeira que as mulheres (+18%), respondendo corretamente, a pelo menos três perguntas em cinco. Mais um sinal que também aqui, na igualdade de oportunidades entre mulheres e homens ainda há um grande caminho a percorrer.
Os números como habitualmente não enganam e consolidam as referências que atrás mencionei, os países que lideram na União Europeia, em matéria de literacia financeira são os países nórdicos, encabeçados pela Finlândia com 73%, seguida da Estónia com 67% e da Dinamarca com 66%. Para a cauda da tabela estão reservados os países do sul/leste da Europa, sendo a lanterna vermelha ocupada pela Roménia com apenas 36%, Portugal com 42% e a nossa habitual companheira Grécia com 43%.
A inflação, os juros, a relação entre taxas de juro e preços das obrigações, o risco e rendimento e a diversificação dos juros, foram os temas que deram suporte às cinco perguntas deste estudo. Apesar da questão, com mais respostas certas, ter sido a relacionada com a inflação, ainda assim 35% dos cidadãos da EU não percebe que, a um aumento da inflação, corresponde uma diminuição do poder de compra. “Com a inflação a estar invulgarmente elevada desde 2022, estes resultados apontam a dificuldade de muitas famílias em adaptar o comportamento de consumo e poupança perante estes aumentos de preços”, refere o estudo da Bruegel.
Como referi no início, a literacia financeira está diretamente relacionada com o sucesso socioeconómico do País e naturalmente, com o sucesso financeiro individual, de cada cidadão. Foi possível extrair dos dados do Eurobarómetro, que os países com maiores níveis de literacia financeira, produzem mais cidadãos capazes de criar poupança e de relacionar-se comercialmente com instituições financeiras.
Assim, podemos inferir que um maior conhecimento financeiro está ligado a uma maior inclusão e independência financeira. Esta capacidade, permite ainda aos cidadãos com maior literacia financeira, preparar o seu futuro, mitigando imprevistos ao longo da vida (sobretudo devido à poupança) e criando instrumentos e estratégias tendentes à independência financeira, sobretudo na idade da reforma.
Estes resultados obtidos do Eurobarómetro , terão de impelir estados e comissão europeia a tomar medidas o mais brevemente possível. Existem já algumas premissas sugeridas pelo grupo estudo da Bruegel, entre as quais:
“Acelerar os esforços para promover a literacia financeira, sobretudo para as mulheres e para os jovens”.
“Promover a literacia financeira nas escolas, da educação primária ao ensino superior, mas também como tema de formação contínua ao longo da vida”;
“A literacia financeira deve ser considerada um complemento da regulação financeira”;
“Continuar os esforços de monitorização regular dos níveis de literacia financeira dos europeus (depois do Eurobarómetro de 2023 ser o primeiro inquérito com dados comparáveis para todos os Estado-Membros), como forma de identificar as melhores práticas e promover a troca de ideias e experiências”;
“Todas as estratégias nacionais de literacia financeira na UE devem prosseguir (e com apoio financeiro adequado por parte da UE). O seu progresso deve ser monitorizado e deve existir um esforço de identificação das melhores práticas”;
“Os esforços de melhoria da literacia financeira na UE devem ter em conta a digitalização – e que novos conhecimentos podem ser necessários para compreender diferentes produtos e serviços financeiros digitais”.
Entendo que todas estas medidas vão no caminho certo, contudo e atendendo ao atraso significativo que países como Portugal apresentam neste contexto, em relação à média europeia, deverão ser adotadas outras estratégias visando a alteração de paradigmas e como consequência, a melhoria da literacia financeira dos Portugueses:
• Reforço da ligação e da proximidade das instituições financeiras aos estabelecimentos de ensino, com sessões de esclarecimento e simplificação financeira;
• Utilização das autarquias, sobretudo das de maior proximidade (Juntas de Freguesia) para informação, sessões de sensibilização e esclarecimento financeiro;
• Utilização da IA ao serviço da literacia financeira e da proteção da qualidade da informação que é disponibilizada;
• Integração obrigatória de módulos de literacia financeira na formação contínua dos trabalhadores em contexto de trabalho;
• Desburocratização do estado, da informação financeira, das declarações fiscais e do acesso a informação de confiança;
• Alteração do critério de escolha para cargos de topo da administração pública, permitindo maior equidade de género e privilegiando a meritocracia.
Estas medidas tem naturalmente um melhor enquadramento, quando a economia é robusta e o equilíbrio social é maior. Uma coisa é certa, existe um paralelismo entre os atrasos socioeconómicos dos países e a baixa taxa de literacia financeira e que ambos estão interligados. Uma sociedade baseada no conhecimento, onde a educação financeira seja devidamente promovida, as assimetrias sociais e de género esbatidas, será por certo, mais funcional e flexível, para os diversos e constantes desafios a que é sujeita. Urge portanto, tomar medidas, algumas muito simples e sem qualquer custo orçamental e que irão por certo, a medio/longo prazo produzir efeitos extremamente benéficos nas carteiras dos portugueses e na economia de Portugal.
Nota: O estudo da Bruegel “O estado do conhecimento financeiro na União Europeia” foi publicado a 23 de fevereiro de 2024, da autoria de Maria Demertzis, Luca Léry Moffat, Annamaria Lusardi e Juan Mejino Lopez. O estudo foi pedido pela presidência belga do Conselho da União Europeia.
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