No setor das diversões, o cancelamento de festas e romarias pode “cancelar vidas”

A situação é já "dramática" para alguns dos empresários do setor itinerante. Adivinham-se 18 meses sem rendimentos e haverá mais de mil agregados familiares afetados. É "a única forma de sustento" para muitos.

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A situação é já “dramática” para alguns dos empresários do setor itinerante. Adivinham-se 18 meses sem rendimentos e haverá mais de mil agregados familiares afetados. É “a única forma de sustento” para muitos.

© João Bastos/ Mais Guimarães

Com o anúncio de que, este ano, as Gualterianas não teriam espaço destinado aos divertimentos (para além de também não haver marcha), os empresários deste setor riscaram mais uma festa popular do seu calendário. As festas vimaranenses não foram canceladas, mas juntam-se a uma série de eventos em que não haverá trabalho, devido à pandemia, para estes trabalhadores. E, para muitos, é mesmo “a única forma de sustento”.

É o caso da vimaranense Cláudia Lima, que se vê agora “sem rendimentos” após seis meses do chamado período de carência. Entre outubro e março, os empresários deste setor itinerante não têm rendimentos: não há romarias, não há trabalho. “Íamos arrancar em março, o que não aconteceu. Se tudo for cancelado, são mais seis meses de paragem. E depois vem o período de carência, sem festas, que são mais seis meses”, explica a empresária. Ou seja: ao todo, estes trabalhadores terão de parar durante 18 meses. Como se aguenta um ano e meio em suspenso? “Há já famílias com dificuldades. É o sustento dos nossos filhos. É assim que metemos a comida na mesa.”

Haverá mais de mil agregados familiares afetados pelo cancelamento destas festas. Porque este é “um setor familiar”. Os avós ensinam aos pais e estes ensinam aos netos. O nome da família fixa-se, não raras vezes, num letreiro iluminado. Seja nos carrinhos de choque, na banca das pipocas, nas farturas. “Já descrevemos a situação como dramática”, diz Francisco Bernardo, presidente da Associação Portuguesa de Empresas de Diversão (ADEP), também ele herdeiro de um negócio que começou com o avô.

O presidente da ADEP fala em revolta: “O pessoal sente-se revoltado com cancelamentos com tanta antecedência. Para quê cancelar com três meses de antecedência?”, questiona. Cláudia Lima é da mesma opinião. Para a vimaranense, o mais certo seria “esperar pelo desenvolvimento da pandemia e não tomar nenhuma atitude precipitada”. Diz compreender as decisões dos organizadores e ressalva que, em Guimarães, a decisão não é assim tão definitiva: “Deram abertura. E que, se houver condições, não iriam esquecer-se de nós.” Porque, alerta, “cancelar festas” pode traduzir-se, em alguns casos, “em cancelar vidas”.

Pagar para trabalhar

Francisco Bernardo frisa que este setor “paga para trabalhar”. “Estas organizações, se não fosse o dinheiro que os empresários deste setor pagam para participar nas festas, não teriam capacidade para contratar artistas e espetáculos pirotécnicos. Se não fosse o nosso dinheiro, se calhar não existiam”, aponta. O presidente da ADEP pede “mais respeito” pelos trabalhadores do setor das diversões, que são “muitas vezes esquecidos” e “abandonados”. Nem que seja para ter “uma réstia de esperança”: “Nós queremos é trabalhar”, garante.

© João Bastos/ Mais Guimarães

É que para além de não lucrarem com as festas e terem, quase garantidamente, 18 meses sem rendimentos, os trabalhadores continuarão a pagar um bom número de contas para além da luz ou da água. “Os apoios são insuficientes e o lay-off não resulta”, diz Cláudia Lima. Porque, levantado o estado de emergência, o setor continua parado. E as despesas continuam a existir. “Fiz a inspeção ao meu equipamento em fevereiro para arrancar, mas não arranquei. A 30 de dezembro está caducada, não nos foram suspensas. Temos os selos dos camiões, seguros dos divertimentos, de circulação, de multirriscos e de responsabilidade civil”, indica a vimaranense.

E, no caso dos seguros, Francisco Bernardo aponta outro problema: “Se formos a ver, os nossos seguros são liquidados por um ano. Nos períodos de carência, já nem usufruímos da cobertura das apólices porque estamos parados, mas liquidamos. Vamos parar um ano e meio e em agosto ninguém vai ter a capacidade para pagar. Serão canceladas apólices e, depois, não vamos ter dinheiro para voltar a pôr a máquina a funcionar.”

Vida de sacrifício

Junte-se ainda o IVA, que continua a ser, para o setor, de 23% — porque não é reconhecido como atividade cultural, mas sim turística. “Toda a vida contribuímos para a dinamização das festas e romarias do país que fazem parte da cultura do país. Somos parte disso, também. Porque é que não somos considerados atividade cultural? A nível de poder central e local, não somos reconhecidos da maneira que deveríamos ser”, aponta o presidente da ADEP. Francisco lembra ainda que, segundo o Orçamento do Estado para 2020, as entradas nos jardins zoológicos, jardins botânicos e aquários públicos passam a pagar a taxa reduzida (6%), bem como espetáculos de canto, dança, música, teatro, cinema e circo. “Essas foram reduzidas. E nós continuamos na mesma”, lamenta. A ADEP também propôs, ao Governo, a equiparação dos empresários aos trabalhadores independentes, bem como a suspensão das obrigações contributivas à Segurança Social e Finanças e dos empréstimos bancários”. Os empresários do setor pediram uma reunião de urgência, mas ainda não obtiveram uma resposta conclusiva.

© João Bastos/ Mais Guimarães

Sem garantias e fechada em casa, Cláudia Lima já não vê o seu equipamento há mais de um mês. “O reboque parado num quintal, material abandonado”, diz, acrescentado: “Não sei se está tudo bem, isto é uma preocupação. Tem sido muito complicado.” E a isso soma-se ainda o aluguer de um espaço para albergar os grandes equipamentos. Felizmente, para Cláudia Lima, essa não é mais uma despesa. “Mas diria que 99% pagam aluguer”, conta. A vimaranense apela a que se repensem as decisões tomadas e garante que o setor seria responsável no regresso das festas e romarias: “Nós também podemos trabalhar com medidas de segurança, limitar lotação, desinfetar quando for necessário, seguir as medidas. Se os outros comércios conseguem, nós também conseguimos.”

“Isto é mesmo por gosto. É um trabalho de sacrifício. Chegamos a terras onde não temos luz ou água, estamos até tarde a ver se arranjamos as melhores condições para a nossa família. Transportamos equipamentos, família e casa. Onde vai um, vão todos”, conta Francisco Bernardo, que não vê “a tal luz ao fundo do túnel”: “Algumas empresas já terão desaparecido, outras vão desaparecer. Há muitas medidas, muitas conversas, mas não para nós. Não olharam para nós nos últimos anos, em que reivindicamos tanto. Não vai ser agora, com tantos setores em crise, que vão olhar”, lamenta.

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