Nómadas não digitais

Por Carlos Guimarães.

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por Carlos Guimarães
Médico urologistaLiga-se a televisão e o pregão aparece. Somos os maiores, somos os melhores. Não sei se o dizem para enganar o tolo ou se são tolos que se enganam com aquilo que dizem. Também acontecem histórias reais, verdadeiras, surreais, histórias que parecem mentira, que deviam ser mentira, mas são relatos de verdade. Professores arremessados para longe, de algibeira vazia, que vivem entre a escola e o carro onde pernoitam porque é cara a cama lá no sítio para onde vão. Os professores são uma espécie de refugiados esquecidos que nunca entraram na balsa nem de lá saíram, vítimas de uma guerra sem bombas orquestrada há décadas pelos mesmos que apregoam que somos os melhores do mundo. Nómadas pré-analógicos escorraçados para bem longe dos queridos nómadas digitais.

Desde que me conheço sempre nutri a paixão pelo conhecimento nas suas duas grandes vertentes, adquirindo-o e transmitindo-o. Quando acabei o curso de medicina a primeira profissão que abracei foi a de professor, ser médico veio depois, e mantive a minha ligação ao ensino durante muitos anos. Ser professor era uma espécie de órgão interno não vital que vertia alegria nos meus humores, por isso, ainda hoje aproveito todas as oportunidades para comunicar com os alunos. Confesso que, atualmente, uma manhã na escola me cansa mais do que uma manhã no bloco operatório. É difícil ser professor em Portugal, é difícil suportar uma profissão exigente e crivada de maus-tratos a todos os níveis. Vejo um país sádico e cínico que cultiva uma legião de nómadas, um país insensível que os explora para lhes dar em troca o difícil sustento, muita ansiedade e algumas lágrimas. Vejo um país que arremessa os professores para a grande nuvem do sofrimento e da depressão. São poucos os que transportam o bem-estar, uma espécie de heróis que inventam a alegria e a distribuem mesmo que não a tenham.

A luta a que hoje assistimos na rua é bem mais fácil do que a luta agreste que travam no dia a dia. A luta contra a insubordinação, o desrespeito, o vandalismo, a incompreensão, os grupos de WhatsApp, a insensibilidade das direções, o ópio dos smartphones na posse dos alunos, o contraditório das autarquias e o desprezo dos governos. Lutam pela sobrevivência dos próprios e das escolas, mas lutam sobretudo pela sobrevivência do amor à sua causa maior, a missão de construírem melhores seres humanos. Lutam e sofrem, vejo-o todos os dias à minha frente nas palavras que proferem e nas que ficam por dizer.

A educação, o conhecimento e a criatividade são os pilares da sociedade, uma sociedade de futuro incerto e cada vez mais exigente, mas que se desagrega progressivamente no meu país. Portugal existe, mas é uma realidade que cada vez mais se assemelha a um verdadeiro milagre.

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