“O 24 de Junho, o Dia UM de Portugal, deve ser reconhecido como feriado nacional”

Discurso do presidente da Câmara de Guimarães, Domingos Bragança, na Sessão Solene dos 897 anos da Batalha de S. Mamede, que teve lugar na noite de 24 de junho.

© CMG

“Neste lugar carregado de história, acendeu-se, há quase nove séculos, a centelha de um novo país. O 24 de Junho de 1128, que celebramos com firmeza e orgulho, é considerado pelos mais reputados historiadores como a primeira tarde portuguesa – a Batalha de São Mamede é o acontecimento inaugural que fez nascer Portugal.

Senhor Ministro, a sua presença aqui hoje reforça a importância desta data para todo o país. Se há um ponto de origem da ideia de Portugal, é este. Guimarães não celebra esta data apenas por memória, mas porque aqui tudo começou. Porque aqui nasceu uma ideia de futuro que ainda hoje nos guia.

Se outrora lutámos com bravura pela conquista, hoje assumimos outra forma de coragem: a de construir uma sociedade decente, fundada na cidadania ativa, no respeito mútuo e na responsabilidade partilhada. Acreditamos que uma comunidade só se realiza e se torna verdadeiramente livre quando é inclusiva, cooperante, participativa e solidária; quando valores como a liberdade, a dignidade humana e a justiça social são vividos no quotidiano. Por isso, escolhemos um caminho claro: o da educação, da cultura e da ciência.

A educação oferece-nos o conhecimento e o sentido crítico com que interpretamos o mundo. A cultura desperta-nos para a sensibilidade e a beleza que nos elevam. A ciência revela-nos as leis que regem a realidade e fornece-nos os instrumentos para a transformar. Juntos, estes pilares moldam cidadãos mais conscientes, mais justos e mais empáticos, capazes de reconhecer no outro não a diferença, mas a partilha de um destino comum. É esse sentido coletivo, enraizado na dignidade e na responsabilidade, que sustenta a nossa visão de futuro.

Mas este futuro exige tempo. Um tempo distinto daquele que o presente impõe – feito de pressa, de ruído e de ilusões instantâneas. Um tempo que rejeita soluções fáceis e efémeras, e que privilegia a profundidade, a coerência e a visão de longo prazo.

Vivemos uma época em que a velocidade da informação antecede a reflexão, em que a forma se sobrepõe ao conteúdo, e em que o discurso do ódio se banaliza, enquanto o saber e a moderação são desvalorizados. É por isso que os nossos investimentos – nas pessoas, no conhecimento, no território – recusam o aplauso fácil. São discretos, mas determinantes. Constroem não o efémero, mas o essencial. Preparam, em silêncio, os alicerces do futuro.

E fazem-no em todo o território, sem exceção. Rejeitamos categorizações implícitas entre cidadãos de primeira e de segunda, entre lugares centrais e periféricos. Guimarães é uma só: uma só comunidade, uma só identidade, coesa na diversidade dos seus lugares. Do centro histórico às freguesias mais recônditas, cada cidadão tem igual direito à dignidade, à realização e à pertença.

É com essa exigência ética que reafirmamos o nosso compromisso: ninguém fica para trás. A justiça social constrói o sentimento de pertença, e o equilíbrio territorial fortalece a coesão. Fiel à sua história, Guimarães projeta-se como uma cidade solidária e íntegra, que constrói o seu futuro com exigência — pedra sobre pedra, pessoa a pessoa.

Escolhemos o caminho mais exigente: investir com consistência, pensando estruturalmente. É nessa lógica que aplicamos todos os recursos disponíveis para gerar transformações estruturais, produzir, formar e transferir conhecimento para todos, e afirmar um futuro onde a dignidade humana e o sentido da vida sejam centrais.

São disso exemplo concreto projetos transformadores: a Escola-Hotel, as novas instalações de Engenharia Aeroespacial, a reconstrução e reabilitação das Escolas Básicas e Secundárias – como a EB 2,3 das Taipas, a EB 2,3 de São Torcato, a de Pevidém –, a reabilitação do Teatro Jordão para as artes performativas, o novo Centro de Saúde da Encosta da Penha como estrutura pré-hospitalar, os alojamentos para estudantes em Santa Luzia (em parceria com a UM) e para estudantes e investigadores no Avepark, entre tantas outras iniciativas em curso. Cada uma destas infraestruturas é mais do que um edifício: é um instrumento de futuro, um espaço de talento, inovação e partilha.

Preparar a nova economia exige ligar o conhecimento à prática, promovendo a transferência da ciência para o tecido produtivo. Em Guimarães, estamos a criar hubs tecnológicos em áreas estratégicas como a saúde, a defesa e o setor aeroespacial – domínios emergentes e de fronteira do conhecimento, com elevado valor acrescentado. Mas não esquecemos os setores tradicionais: investimos na sua transformação, apoiando a inovação, a transição digital e a sustentabilidade. Porque os saberes de ontem podem – e devem – ser a base tecnológica do futuro. Um desenvolvimento com propósito, enraizado no território e centrado nas pessoas.

Falar de futuro é, inevitavelmente, falar de sustentabilidade. Não como moda passageira, mas como desígnio estruturante. O nosso Compromisso Verde não é apenas ambiental: é ético, é civilizacional, é uma expressão concreta da responsabilidade que assumimos perante as gerações vindouras. Em Guimarães, acreditamos que é possível – e necessário – ser “Uma Cidade, um Território de Um Só Planeta”.

A distinção de Guimarães como Capital Verde Europeia em 2026 é, antes de mais, uma responsabilidade que assumimos com coerência, exigência e continuidade. Não basta a ambição nem a celebração do título: é preciso a integridade da ação.

A mobilidade urbana sustentável constitui um dos grandes desafios do nosso tempo. Estamos a enfrentá-lo com soluções estruturantes, como o MetroBus, que ligará a cidade à futura estação de alta velocidade, com paragens nas diversas freguesias atravessadas por este canal dedicado de transporte público. Esta infraestrutura não é apenas uma alternativa de transporte fiável e descarbonizada: é uma mudança de paradigma, que valoriza o tempo coletivo, o ambiente partilhado e a prioridade do bem comum sobre a pressa individual.

Também no domínio da habitação, acreditamos que viver com dignidade é um direito fundamental. Por esse motivo, o novo Plano Diretor Municipal, os Contratos de Planeamento e a Estratégia Local de Habitação refletem uma prioridade inequívoca e irreversível: garantir habitação a preços acessíveis em Guimarães.

E quando falamos de justiça e de futuro, falamos também do reconhecimento devido àqueles que contribuíram, com talento e generosidade, para o progresso de Guimarães e para a afirmação dos valores que sustentam a nossa identidade coletiva.

A Medalha de Honra, mais elevada distinção que o Município pode conferir, será atribuída a quatro personalidades cujo percurso se inscreve no território do excecional:

Ao homenagearmos Alberto Martins, celebramos a política como expressão nobre do serviço público, onde o compromisso cívico se alia à integridade do caráter. Ao distinguirmos Maria José Fernandes, reconhecemos uma liderança sólida e discreta, cuja ação transformadora se afirma pelo que se constrói.

Ao atribuirmos esta honra a Rui Vieira de Castro, valorizamos a visão esclarecida com que dirige uma das mais relevantes instituições de ensino superior do país, referência incontornável na produção de conhecimento e pilar estratégico do nosso desenvolvimento local. E ao distinguirmos Mohan Munasinghe, Prémio Nobel da Paz em 2007, prestamos tributo a uma das vozes mais influentes da luta global pela sustentabilidade. A sua presença entre nós honra o caminho exigente que Guimarães traça como “Cidade de Um Só Planeta”.

Reconhecemos ainda o mérito de cidadãos que, com o seu exemplo e ação, dignificam Guimarães e engrandecem a nossa identidade comum:

António Lourenço, com a Medalha de Mérito Social, cuja prática médica e dedicação cívica se revelam profundamente transformadoras. Fernando Capela Miguel e Luís Mendes Almeida, com a Medalha de Mérito Cultural, pelo valioso contributo para a preservação da nossa memória coletiva e identidade vimaranense. Noé Diniz, com a Medalha de Mérito Profissional, pelo incansável trabalho em defesa da Montanha da Penha, símbolo do nosso património natural.

A todos, a expressão da nossa mais profunda gratidão e o reconhecimento sincero de toda a comunidade. Com cada um deles, Guimarães torna-se maior, mais justo, mais consciente de si.

Celebrar o futuro é, também, um exercício de fidelidade à nossa identidade. Honramos o legado que nos foi confiado, tratando o património não como vestígio imóvel, mas como matéria viva da nossa memória coletiva, fonte de sentido e pertença.

Foi com esse espírito que preservámos e valorizámos a zona histórica da cidade, alargando a classificação patrimonial à Zona de Couros – outrora coração do labor artesanal, hoje território de saber, criatividade e reinvenção. Guimarães soube, com inteligência e respeito, dialogar com a sua própria história, fazendo dela alicerce de futuro.

É com essa mesma responsabilidade que preparamos, para 2028, a celebração dos 900 anos da Batalha de São Mamede. Um momento inaugural da identidade nacional, que assinalaremos com o rigor da historiografia e a dignidade da cidadania. A presidência da Comissão de Honra, assumida pelo Presidente da Assembleia da República, é reflexo do reconhecimento nacional deste marco fundador.

A presidência honorária da Comissão Científica foi atribuída, a título póstumo, a José Mattoso, mestre maior da nossa memória medieval, cuja obra iluminou a complexidade e a beleza do tempo que nos deu origem. Foi ele quem conferiu nome – e profundidade simbólica – à expressão “a primeira tarde portuguesa”, uma legenda feliz com que Acácio Lino descreveu o quadro que traduz o pensamento de Alexandre Herculano sobre a Batalha de São Mamede. Essa expressão, que não nos cansamos de usar, evoca o 24 de Junho de 1128. A sua erudição, o seu pensamento e o seu exemplo permanecerão como guia nesta travessia entre a memória e a construção do porvir.

O 24 de Junho, o Dia UM de Portugal, deve ser reconhecido como feriado nacional, pois é nesta data que ocorre a primeira e decisiva batalha da independência: o início da formação de Portugal. O reconhecimento do 24 de Junho como feriado nacional é, por isso, um ato de justiça histórica – mas também uma ideia de origem, de identidade e de pertença, que não exclui, mas inclui. Que não divide, mas une. Que não pertence a um lugar apenas, mas a todos os portugueses.

Eis-nos chegados a este momento. O caminho que percorremos foi guiado por uma visão clara e um compromisso inabalável com o desenvolvimento de Guimarães. A aposta firme na Educação, na Ciência e na Cultura não foi um acaso de governação, mas uma escolha estratégica, enraizada na convicção de que só uma cidade e uma comunidade — a nossa comunidade vimaranense — sábia e mais sustentável, poderá ser verdadeiramente livre e preparada para o futuro.

Neste dia em que celebramos quem somos e de onde vimos, renovo a minha convicção profunda no potencial de Guimarães. Os desafios que nos esperam são exigentes, mas acredito firmemente que a nossa capacidade coletiva os transcende. Sei que quem me suceder saberá manter viva esta bússola de princípios: trabalhar com proximidade, empenho e sentido de missão para que Guimarães continue a afirmar-se como território de progresso partilhado, de cultura viva e de inclusão verdadeira.

Guimarães segue um caminho excecional, construído, camada após camada, por diferentes sensibilidades, diferentes tempos, diferentes vozes. Sempre soubemos ouvir o clamor das maiorias sem esquecer as vozes mais discretas; amparar os mais frágeis sem negligenciar os que lideram; promover a inovação sem abdicar da memória. Este equilíbrio entre a modernidade e a raiz, entre o ímpeto e a cautela, entre o sonho e o chão, forjou a alma coesa e resiliente da nossa gente.

É esse espírito de pertença, apaixonado e profundo, que deve continuar a guiar o rumo de Guimarães. Porque esta cidade nunca se construiu de cima para baixo, mas de dentro para fora. Com todos, e para todos.

E como construímos Guimarães de dentro para fora, gostaria de agradecer, com especial reconhecimento, a presença dos representantes das cidades geminadas com Guimarães: Mé-zóchi, em São Tomé e Príncipe, Ribeira Grande, em Cabo Verde, Igualada, em Espanha, que nos presentearam com um espetáculo muito típico da Catalunha, uma torre humana, Montluçon e Tourcoing, em França, Kaiserslautern, na Alemanha, e Varaždin, na Croácia. A vossa presença honra-nos e simboliza o compromisso que partilhamos com a cooperação internacional, o intercâmbio cultural e o desenvolvimento económico partilhado. Estas parcerias são expressão concreta da abertura de Guimarães ao mundo e do seu papel como cidade global com raízes firmes e horizontes largos.

Durante doze anos, tive a honra de servir Guimarães como Presidente da Câmara Municipal. Cada decisão tomada, cada passo dado, foi inspirado por uma ideia maior do que eu: a de retribuir à nossa terra tudo o que ela nos dá, todos os dias. Nunca me moveu qualquer ambição pessoal. Apenas — e inteiramente — o amor profundo por esta cidade. Foi esse amor que me fez resistir nas horas difíceis, celebrar nas conquistas coletivas e entregar-me, de corpo inteiro, ao serviço público.

Parto com o coração pleno: de gratidão, de memórias, de esperança. Acredito, com toda a convicção, que deixamos um caminho sólido, justo e promissor. Não por obra de um só, mas de todos os que acreditam que Guimarães merece sempre mais e melhor. Porque amar Guimarães é nunca desistir dela. E eu jamais o farei.

Que o espírito fundador do 24 de Junho de 1128 — esse instante inaugural da nossa identidade coletiva — continue a ser farol e bússola no caminho que temos pela frente. Que Guimarães se mantenha como exemplo inspirador de como é possível conciliar tradição e vanguarda, identidade e abertura, memória e futuro.
Muito obrigado a todos.

Viva o 24 de Junho de 1128.
Viva Guimarães.
Viva Portugal”.

PUBLICIDADE
Arcol

NOTÍCIAS RELACIONADAS