O CONVÍVIO E A CIDADE
Por Francisco Teixeira

Por Francisco TeixeiraSe a economia e o turismo natural têm de ser ambientalmente sustentáveis, o turismo cultural tem que ser socialmente sustentável. Escrevia aqui mesmo, há três anos, que “questão é a de saber se o turismo é, então, conciliável com a habitação própria e a cidade onde vivo”. Do que se trata é de regular o turismo, não lhe permitindo a destruição da paisagem social e, particularmente, da paisagem doméstica, das redes de casas e sítios onde vivem as pessoas por onde os turistas passam.
Os efeitos da desregulação turística, e também em Guimarães, estão à vista. Anuncia-se que um conhecido especulador imobiliário local comprou a sede do Convívio (no Largo da Misericórdia) e que a direção da Associação Comercial e Industrial de Guimarães quer vender a sua (na Rua da Rainha). As situações são diferentes, mas estão ligadas. Fico-me pelo Convívio.
O Convívio é, há 57 anos, parte integrante da paisagem social e cultural de Guimarães, e particularmente do centro histórico. A sua sede, um magnífico edifício do seculo XVIII, no Largo da Misericórdia, é parte essencial da sua identidade e, sem essa pele externa, muito provavelmente seria outra coisa. Independentemente das vicissitudes da sua história, o Convívio ajudou a construir a rede de relações sociais, culturais e identidades que constitui Guimarães. Para mim o Convívio tem uma importância particular. Foi lá que no fim dos anos setenta vi “O Joelho e Claire”, de Éric Rohmer, no espantoso “Festival de Cinema Amador de Guimarães”, que ajudou a construir a história local e a minha história pessoal, e onde dezenas (centenas?) de filmes, dos mais estranhos, eruditos e esdrúxulos eram dados a conhecer, em Super8 e 16mm, vindos de todo o mundo. “Le genou de Claire” sintetizava o erotismo e a sofreguidão que atravessava aquele fim dos anos setenta e aqueles dias em que centenas de pessoas ficavam silenciosas, horas a fio, a ouvir o matraquear de máquinas de projeção hiperanalógicas a desenhar imagens.
Naqueles dias vivíamos quase todos ali. Eu vivia na Rua D. João I e ir ao Convívio era como ir ao quintal de casa. A Praça da Oliveira e o Café do Sr. Manuel (o atual Coconuts) eram salas de estar coletivas e a Rua Nova ainda era um recanto proibido. Entre proibições e passeatas permanentes, na verdade nunca saíamos de casa, a não ser pelo martelar das máquinas de projetar.
O Convívio, e o CAR e o Cineclube, a Biblioteca Fixa 127, da FCG, os Vinte Arautos, a ACIG, a ASMAV, a SMS, o CICP, a SCM, o Povo de Guimarães, o Notícias de Guimarães, o Patronato da Nossa Senhora da Oliveira, a AAELG, o CCD da CMG ou o Grupo Desportivo da Cruz de Pedra, entre outras associações, e já na altura uma dúzia de tascos (a começar pelo Carramão), teciam, e em parte ainda tecem, o tecido, cultural, social e político da Cidade, e do centro histórico em particular. Umas instituições eram pequeno-burguesas, outras populares, outras alto-burguesas, outras supostamente aristocráticas, todas a constituir um tecido que nos cobria de possibilidades.
Quanto ao Convívio, pelo menos para mim, o mais marcante a seguir ao “Festival de Cinema Amador” foram os “Encontros de Primavera”, ampliando, ainda mais, o espaço doméstico do centro histórico. A partir daí foi natural que tivesse convidado o Convívio, em 1992, para, com a Câmara de Guimarães, organizar o Guimarães Jazz, quando não havia em Guimarães um piano de meia cauda (meus deus, o que passamos para o comprar!) e o Cascais Jazz era o mais próximo que havia, de jazz tocado ao vivo.
O que quero dizer é simples. A Cidade de Guimarães e o seu centro histórico em particular não são sobretudo as suas ruas e pormenores de desenho urbano. Sem pessoas, instituições e relações sociais e culturais, tensões, debates, cruzamentos, encontros e desencontros, de que o Convívio foi um dos atores maiores nos últimos sessenta anos, o centro histórico tornar-se-á um museu a céu aberto, uma exibição de virtuosismo arquitetural sem nada por de trás que não seja o insuportável bruaá dos turistas.
O que este grave episódio de vampiragem especulativa à volta do Convívio mostra à saciedade é que se o turismo pode ser bom, também pode ser altamente destrutivo das relações sociais e que, para que as cidades não morram para que o turismo viva, se exige a mais profunda e minuciosa atenção à sustentabilidade das relações sociais, do tecido cultural e relacional que se tece nas cidades. Ora, o centro de histórico de Guimarães, como em Lisboa e no Porto, está a ser destruído pelo turismo. Já sei que alguns dirão que exagero. Mas a expulsão do Convívio da sua casa, e depois do Cineclube, e depois da ACIG, e das pessoas em geral e sobretudo das mais pobres, constitui um processo de necrose que come a Cidade e as suas relações sociais. E isto não tem nada de exagerado. Está a acontecer à frente dos nossos olhos.
Como muitas vezes, a pergunta é: e agora, que fazer? A resposta é que basta a Câmara de Guimarães garantir que jamais permitirá que a “casa” do Convívio seja transformada num hostel ou num centro de escritórios e, mais amplamente, que proibirá (como o fez, ainda que tardiamente, Lisboa em alguns bairros históricos) a instalação de mais “alojamento local” e alteração de função de casas de habitação para comércio e escritórios no centro e na zona tampão do centro histórico de Guimarães, que veem esvaziando a Cidade, fazendo subir os preços do imobiliário de modo especulativo e expulsando as pessoas da cidade.
O Centro Histórico de Guimarães é pequeno e frágil e não podemos, postumamente, enjeitando todos os ensinamentos do turismo destrutivo das grandes e pequenas cidades por essa Europa fora, permitir que Fernando Távora tenha razão quando chamava ao Centro Histórico de Guimarães “múmia embrulhada em sacos de plástico”. É que cá ainda vive gente. Mesmo que pouca. É que nem tudo ainda está perdido e o Convívio ainda não caiu.
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