O estranho caso da falência da Coelima
Empresa tem 30 dias para apresentar plano de recuperação.
O grupo Moretextil foi criado há dez anos, supostamente, para salvar três das maiores empresas têxteis do Vale do Ave. Na altura, a JMA, a António Almeida e Filhos (AMF, conhecida por Fábrica do Outeirinho) e a Coelima, apresentavam dívidas tão elevadas que não interessava aos bancos que estas fossem deixadas cair, ao Governo também não interessava ter, de um momento para o outro, mais 2.500 desempregados a engrossar a estatística. Assim se explica, de uma forma mais convincente, o a formação da Moretextil, com envolvimento do próprio Estado, para “salvar” as empresas.
As três empresas, ou as sociedades que as detinham, foram adquiridas pelo fundo Fundo de Recuperação, gerido pela ECS. A ECS é uma empresa de capital de risco criada pelo antigo governador do Banco de Portugal, António Sousa e Fernando Esmeraldo e tem participação direta do Estado Português, do banco público, a CGD, e dos principais bancos privados.
Em 2011, a Autoridade da Concorrência apreciou a operação de concentração, neste grupo participado pelo Estado, e deu o parecer positivo. A Autoridade da Concorrência determinou “adotar uma decisão de não oposição à presente operação de concentração (…), uma vez que a mesma não é suscetível de criar ou reforçar uma posição dominante da qual possam resultar entraves significativos à concorrência efetiva (…)
Percebe-se que inicialmente houve planos de fusão entre as três empresas que, no entanto, se mantiveram como entidades jurídicas distintas, por forma a facilitar a venda de cada uma das unidades. Assim se explica que a Moretextil venha agora propor a Coelima à insolvência, deixando intocada a AMF que ainda controla.
Unidas para uma coisas separadas para outras
Apesar de juridicamente as empresas se terem mantido separadas, o facto é que a junção destas unidades sobre um mesmo chapéu foi apresentado como uma forma de ganhar dimensão para competir à escala global.
A apresentação da Coelima à insolvência apanhou o setor de surpresa, até porque os têxteis-lar vivem um bom momento. Depois do primeiro impacto da pandemia, no ano passado, as empresas têm encomendas como nunca, algumas estão com dificuldades para satisfazer as encomendas e quase todas estão a contratar.
A Coelima, fundada em 1922, já foi uma das maiores empresas do mundo na fileira dos têxteis-lar, com mais de 3.000 trabalhadores. Agora são cerca de 250, também eles apanhados de surpresa por este pedido de insolvência, até porque não há salários em atraso, como é habitual nestas situações. “Por que razão apenas a Coelima e não as empresas do grupo Moretextil? Qual a razão de sermos nós os escolhidos para ser sacrificados? – Questiona um trabalhador da Coelima.
Trabalhadores surpreendidos
O mesmo trabalhador acusa o antigo administrador Artur Soutinho de ter preparado esta situação, de ter sacrificado a capacidade produtiva da Coelima em favor de outras empresas do grupo. “Foram retiradas máquinas da empresa, supostamente a título de empréstimo. Essas máquinas nunca voltaram. Destruiu-se a empresa peça por peça, para agora virem dizer que a empresa está falida. Claro que, se a Coelima deixou de concorrer porque fazia parte do mesmo grupo, seria natural que esse grupo fosse solidário com a Coelima”, afirma o mesmo trabalhador.
A Moretextil está a vender o grupo por peças. Em 2009, foi vendida a Tearfil, uma empresa do universo da AMF, à empresária Maria de Belém Machado, da SMBM. Sabe-se que há um pré-acordo para a venda da JMA ao empresário Rui Teixeira, proprietário da Felpinter.
A própria Coelima esteve a ponto de ser vendida e, ao que parece, terão sido as complicações causadas pela pandemia que obstaram a conclusão do negócio.
A Câmara Municipal procura intermediar negociações para salvar a empresa
Ricardo Costa, vereador da Câmara de Guimarães com responsabilidade do Desenvolvimento Económico, afirma que há empresários vimaranenses interessados na aquisição da Coelima, ou até do grupo Moretextil. Para o vereador este é um problema financeiro e não económico, já que a empresa tem clientes e encomendas. “É preciso resolver uma questão financeira que tem 20 ou 30 anos”, frisa Ricardo Costa.
Domingos Bragança e Ricardo Costa já reuniram com o novo administrador do grupo Moretextil e, segundo o vereador, a Câmara está a trabalhar de forma intermediar as negociações entre a administração do grupo Moretextil, o ministro da Economia, o secretário de Estado da Economia e os empresários potencialmente interessados em assumir o grupo.
“Pior seria se se tratasse de uma empresa que não tivesse encomendas. Não é este o caso. Há empresários com poder financeiro para levar a bom porto esta situação”, afirma Ricardo Costa.
A Moretextil afirma que apresenta a Coelima à insolvência devido a quebras de vendas superiores a 60% e por não ter visto aprovadas linhas de crédito à covid-19. A empresa “procurou diferentes alternativas para prosseguir a atividade, entre elas as candidaturas apresentadas às várias linhas de crédito Covid-19, mas que até à data não foram aprovadas”, afirmou a administração à Lusa. Contudo, o Ministério da Economia desmente: “não deu entrada qualquer operação da Coelima no grupo Banco Português de Fomento no âmbito das linhas Covid-19. A apresentação à insolvência foi feita pela própria empresa”.
Ainda de acordo com a administração da empresa, esta é uma “forma a minimizar os impactos nos vários stakeholders, nomeadamente dos colaboradores (…)”
Os 250 trabalhadores da Coelima têm uma média de idade de 51 anos e uma antiguidade de 27. Apesar de haver empresas interessadas na compra da Coelima, Ricardo Costa não se compromete em tranquilizar os trabalhadores e reconhece que não existe ainda nenhum memorando de entendimento.
A empresa tem agora 30 dias para apresentar um plano de recuperação aos credores e já anunciou que o pretende fazer. Esta pode ter sido uma forma de criar pressão sobre alguns credores, uma vez que a dívida da empresa continua a ser muito elevada para que a deixem simplesmente cair. Recorde-se que, em 2011, quando da formação da Moretextil, a CGD era o maior credor das empresas do grupo.
Para o Sindicato Têxtil do Minho e Trás-os-Montes, esta insolvência é um risco: “é colocar a empresa nas mãos dos credores”.
“O Fundo de Recuperação da ECS realiza investimentos em empresas em dificuldades financeiras, cujos créditos junto do Estado Português ou de instituições financeiras já tenham sido objeto de imparidade ou se antecipe que o venham a ser no curto prazo”, lê-se na página de internet da ECS Capital.
Trata-se de tornar as empresas mais apetecíveis ao mercado para as vender de forma a recuperar a dívida do Estado e da banca. O processo passa normalmente para uma restruturação que, invariavelmente recorre a despedimentos, para emagrecer as empresas, reduzindo os custos. Não parece, portanto, provável que a real intenção da Moretextil seja conduzir a Coelima à falência, a menos que se tenha provado impossível fazer ali um negócio em que seja possível recuperar alguma da dívida ao Estado e aos bancos.
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