O PAÍS A ARDER EM COSTUMES BRANDOS

ANTÓNIO ROCHA E COSTA Analista clínico

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por ANTÓNIO ROCHA E COSTA
Analista clínico

A crónica que escrevi há um mês atrás neste mesmo espaço começava assim: “Estamos a chegar ao fim de um estio implacável e ainda não se dissipou completamente o cheiro a floresta queimada”. Quando escrevi estas palavras iniciais, estava longe de pensar que um mês depois, estaria a escrever estas linhas precisamente no dia em que se regista o maior número de incêndios do ano, contabilizando-se já um número elevado de mortos e de feridos, de casas destruídas, de povoações dizimadas e de sonhos desfeitos.

O país está a arder, não em lume brando, mas numa pira de brandos costumes, em que o fogo nos confronta com as nossas incapacidades, com o nosso atávico laxismo, com o “ deixa andar que logo se vê”, pois entretanto pode ser que chova…

Comparando com o que acontece noutros países, com vento, temperatura e floresta, iguais aos que cá temos, é caso para perguntar se os Deuses resolveram castigar-nos ou se existe uma conspiração incendiária, que visa reduzir o País a cinzas.

Mas o que é ainda mais deprimente, é quando estamos precisamente naquela fase de tentar saber “o que fazer quando tudo arde” (glosando o título de um romance de António Lobo Antunes) e nos entram pela casa adentro, via ecrã da T.V., os comentadores encartados a debitar e a sentenciar chorrilhos de asneiras. Já não nos bastava aguentar com os opinadores-doutores do chamado desporto rei, que com o seu léxico de futebolês ocupam grande parte do espaço televisivo, ou com os pseudo-juristas de pacotilha que não se eximem de lançar “doutos” palpites sobre o parto tardio da acusação dos arguidos da “Operação Marquês” pelo Ministério Público. Como se isso não bastasse, temos ainda que ouvir, sobrepondo-se aos directos desde os infernos espalhados pelo território nacional, esses sapientes comentadores, arvorados em bombeiros, técnicos florestais, advogados do diabo e sei lá o que mais, que usam e abusam da paciência do telespectador mais masoquista, que já nem se dá ao trabalho de pegar no comando e mudar de canal, pois o mais certo é que no canal ao lado esteja outro comentador igual ou ainda pior que o anterior.

No momento em que “transpiro” estas palavras frente a um televisor em chamas, ou antes, com chamas, tenho à minha frente um comentador que costuma ser dos assuntos económicos, que disserta fluentemente sobre os fogos, as medidas preventivas e as “ferramentas” indispensáveis para um eficaz e vitorioso combate aos mesmos. Não fora o respeito pelas vítimas, que me faz recolher a um contido e púdico silêncio e estaria aqui a ironizar com o caricato da situação. Mas quando tudo está a arder, só nos resta pedir a Deus para que chova, pois o homem, leia-se “o estado”, há muito nos abandonou à nossa sorte. Ou talvez a culpa seja dos elementos da natureza, que se enfurecem cada vez mais face à provocação dos humanos.

Seja como for, um país altamente inflamável, com mais de 500 ignições num só dia, está à distância de um fósforo de se transformar num deserto.

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