O PRESENTE ENVENENADO E O POBRE MAL AGRADECIDO

Por António Rocha e Costa.

por ANTÓNIO ROCHA E COSTA
Analista clínico

Há anos circulava por aí uma estória que no essencial se resumia ao seguinte: na ex-União Soviética, dois jovens pioneiros, que podemos de certo modo equiparar aos nossos escuteiros, resolveram praticar uma boa acção e vai daí agarraram cada qual no braço de uma velhinha e ajudaram-na a atravessar a rua. Enquanto o faziam, a anciã esperneava, barafustava e proferia impropérios do mais vernáculo que havia na língua dos czares. Alguém que assistia à cena terá perguntado o que estavam a fazer à velhinha, tendo eles respondido que estavam a ajudá-la a atravessar a rua, ao que o observador retorquiu: “Então, se é assim, porque é que a velhinha está tão irritada?” “É que ela não queria atravessar a rua”, remataram os jovens pioneiros.

Esta estória faz-me lembrar uma outra que tem circulado recentemente na imprensa local e nacional e que tem como mote o Laboratório de Hemodinâmica do Serviço de Cardiologia do Hospital de Guimarães.

Vamos aos factos: consta por aí que alguém se lembrou de que seria interessante e extremamente útil, o Hospital de Guimarães possuir uma Unidade de Cardiologia de intervenção e diagnóstico, como as que existem – para citar os mais próximos – nos Hospitais de Braga, Porto e Gaia, evitando assim deslocações dispendiosas para o SNS e transtorno para os doentes da vasta região servida pelo nosso Hospital.

Lançado o desafio, logo apareceram diversos mecenas, pessoas de bom coração, uns, de mau coração, outros, porquanto utilizadores prováveis do serviço em causa.

Depressa foi reunida a módica quantia, rezam os jornais, de 2,5 milhões de euros para equipamento e obras de adaptação.

Com a anuência da anterior Administração do Hospital e com o conhecimento de pelo menos uma Secretária de Estado da Saúde que chegou a visitar as obras de adaptação, como consta nos meios geralmente bem informados, o projecto depressa se concretizou, ficando as obras concluídas em outubro de 2018.

Assim sendo, porque é que não abre o serviço, já que é mais ou menos consensual a sua importância e utilidade? Porque, ainda segundo a imprensa, faltam os pareceres favoráveis da ARS Norte e da Administração Central do Sistema de Saúde.

Perante isto, têm-se levantado vozes que, em uníssono, clamam pela abertura imediata de “uma sala fundamental para a resposta às necessidades dos cidadãos”.

É evidente que um tal serviço, para além da componente física, necessita de toda uma logística especializada que garanta o seu funcionamento e isso os mecenas não estarão certamente dispostos a suportar, argumentando que aquilo que se obtém em poupança nas deslocações, dará para as despesas inerentes.

Não restam dúvidas de que este novo equipamento é de grande importância para os doentes da região servida pelo Hospital de Guimarães, mas não deixa de ser controversa a atitude dos mecenas e dos seus “cúmplices”, ao avançarem com uma iniciativa que põe em causa o planeamento e a carta hospitalar, traçados pelo Ministério da Saúde.

Estamos, pois, perante uma situação em que “o carro andou à frente dos bois”, dando azo a que o Governo encare a oferta como um presente envenenado e os mecenas vejam no Governo o pobre mal-agradecido.

 

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