“O setor viveu momentos de grande instabilidade”

Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), revela ao Mais Guimarães as dificuldades do setor.

mario jorge machado atp textil barra

Mário Jorge Machado, presidente da Associação Têxtil e Vestuário de Portugal (ATP), revela ao Mais Guimarães as dificuldades do setor. Quebras de atividade, volume de negócios, faturação e desinteresse por parte da geração mais jovem.

© João Bastos / Mais Guimarães

Que impacto teve a pandemia no setor têxtil?

Ao longo deste ano de pandemia, o setor viveu momentos de grande instabilidade, com uma quebra abruta da sua atividade em março, abril (-42% do valor exportado), maio, seguida de uma ligeira recuperação até agosto, voltando de novo a deteriorar-se de forma mais negativa em outubro e novembro do ano passado. Considerando o barómetro das exportações (que representam em média cerca de 70% do volume de negócios desta indústria), no último ano, o setor perdeu 11% no valor exportado (equivalente a menos 572 milhões de euros), tendo alcançado os 4.643 milhões de euros.

“Estimativas apontam para uma quebra na mesma ordem no volume de negócios, o que significará menos 850 milhões de euros em termos de faturação do setor”

Mário Jorge Machado, presidente da ATP

Apesar de não termos indicadores oficiais, as estimativas apontam para uma quebra na mesma ordem no volume de negócios, o que significará menos 850 milhões de euros em termos de faturação do setor. Ainda termos de atividade, medida pelas exportações, há a assinalar que dentro do setor, o vestuário, foi a atividade mais penalizada, com uma quebra de 17% face ao ano anterior (menos 542 milhões de euros exportados). Apesar das medidas de apoio às empresas limitarem o despedimento em determinadas condições, de acordo com o IEFP, o desemprego registado em janeiro de 2021 (últimos dados disponíveis) aumentou no sector, com mais 2.534 desempregados do que o verificado em janeiro de 2020. A indústria de vestuário encontra-se no ranking das 10 atividades que registaram maior número de desempregados neste período.




A adaptação de algumas unidades à produção de máscaras e outros materiais de proteção, até que ponto serviu para diminuir o impacto da pandemia?

Conseguiu amenizar em determinada medida. Por exemplo, as exportações de equipamentos de proteção individual para o combate à COVID 19 foram avaliadas em cerca de 189 milhões de euros. Caso não tivéssemos este valor, as exportações do setor teriam sido de 4.453 milhões de euros, ou seja, menos 761 milhões de euros, e a queda teria sido de quase 15%, comparando com 2019. Naturalmente, o impacto fez-se igualmente sentir nos restantes indicadores de atividade.

Registaram alguma alteração dos mercados dos têxteis portugueses?

Espanha e Itália foram os mercados que registaram maior impacto em termos das exportações de têxteis de vestuário. Para Espanha exportámos menos 25% (menos 392 milhões de euros) e para Itália menos 13% (menos 43 milhões de euros), valores que não foram compensados por exemplo com os aumentos registados em França (acréscimo de 34 milhões de euros), na Dinamarca (mais 6 milhões de euros) ou na Alemanha (mais 4,9 milhões de euros), apenas para dar alguns exemplos. Por outro lado, registámos alguns bons desempenhos em mercados não comunitários, como por exemplo a Austrália (mais 2,4 milhões de euros, +15%), a Nicarágua (mais 2,3 milhões de euros, + 67%) ou a Suíça (mais 1,8 milhões de euros, +3%). Desta forma, as exportações para destinos extracomunitários aumentaram 26% e para países comunitários caíram 19%. Respetivamente, agora representam 26% e 74% do total das exportações do setor.

© João Bastos / Mais Guimarães

Que avaliação faz dos apoios do governo, dos que podem ser assumidos pelos empresários do setor?

Os apoios do Governo foram e são manifestamente insuficientes face às necessidades da economia e das empresas.

“Mais apoios, simplificação das regras, ajuste às necessidades, menor burocracia, mais agilidade e mais justiça”

MÁRIO JORGE MACHADO, PRESIDENTE DA ATP

As medidas de apoio foram chegando tarde, desajustadas das necessidades e criando injustiças entre as atividades e as empresas. É por isso que a ATP tem vindo a reivindicar junto do Governo mais apoios, simplificação das regras, ajuste às necessidades, menor burocracia, mais agilidade e mais justiça. Por exemplo, desde o início do ano, altura em que a situação voltou a agravar-se e as medidas de confinamento foram reforçadas, teria sido fundamental que o Lay off Simplificado, medida que vigorou na primeira vaga, estivesse disponível a todas as empresas, de todas as atividades. No nosso caso, não faz qualquer sentido, apenas as atividades encerradas por regulamentação, neste caso, as lojas, poderem aceder à medida, quando todas as atividades que estão a montante e igualmente afetadas não o poderem fazer. É uma tremenda injustiça. Outra medida que tem sido fortemente criticada pelas empresas e que a ATP tem feito uma enorme pressão para mudar, infelizmente sem resultados, está relacionada com o encerramento das escolas, e o facto de o apoio para assistência à família ter de ser suportado em parte pelas empresas, que ficam sem os trabalhadores, sem geração de valor por parte destes e ainda têm de suportar parte do seu custo. É outra situação de enorme injustiça e verdadeiramente incompreensível.




O setor têxtil é atrativo para os trabalhadores? Há problemas na captação de mão-de-obra?

É verdade que a indústria em geral tem uma conotação mais negativa do que os serviços e isso tem algum impacto sobretudo quando falamos de jovens. É uma questão de cultura da nossa sociedade e não está relacionada apenas com questões salariais, quando por exemplo um jovem prefere trabalhar numa loja, num centro comercial, por turnos, com o salário mínimo base, em detrimento de uma qualquer profissão na indústria, por vezes, com melhores condições salariais e sem trabalhar ao fim de semana. Antes desta crise, vivíamos um período de expansão e na altura algumas atividades tiveram algumas dificuldades de recrutamento para algumas profissões. No entanto, a indústria tem estado a sofrer uma enorme mudança, muito mais orientada para a inovação, I&D, design, sustentabilidade, digitalização e isso é um fator de enorme atratividade e vai com certeza ajudar a melhorar a imagem e perceção que os jovens e as famílias têm de uma forma geral da indústria. A ATP tem vindo a desenvolver várias iniciativas para promover a imagem do setor quer em termos nacionais, quer em termos internacionais, sendo fundamental que os vários agentes, entre os quais, a própria comunicação social, sejam envolvidos neste processo. 

© João Bastos / Mais Guimarães

Qual o caminho para o futuro do setor têxtil?

A Indústria Têxtil e Vestuário Portuguesa já demonstrou várias vezes que é uma indústria resiliente e que tem as capacidades necessárias para se reinventar e conseguir aproveitar as oportunidades que surgem. O facto de estarmos próximos dos grandes mercados de consumo, a relação de confiança que temos com os clientes, o conhecimento que temos no desenvolvimento de produtos e serviços, que vão desde o design à logística e entrega dos produtos nas lojas, passando pelo desenvolvimento e produção, respondendo e superando as necessidades dos clientes, a flexibilidade e a capacidade de resposta rápida, a capacidade de inovação, investigação e desenvolvimento e as boas práticas em termos de responsabilidade social e sustentabilidade, entre outros atributos, continuarão a ser determinantes na retoma e no sucesso deste setor no futuro.

PUBLICIDADE
Arcol

NOTÍCIAS RELACIONADAS