O Sonho e a Saudade (Uma história de verdade)

Por Carlos Guimarães.

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por Carlos Guimarães
Médico urologistaOs problemas não vivem sempre problemas e as oportunidades muitas vezes nascem na vida dos problemas.

O Mendes é um homem mais novo que eu, terá cerca de meio século de vida. É dono de um pequeno negócio que lhe permite gerir a vida com alguma folga financeira. Trabalha, gasta e amealha, foi assim que o falecido pai o ensinou. Já foi tramado por vigarista encartado que quase o levou à ruina, como ele diz – Portugal é uma terra de vigaristas (alguém duvida?), mas levantou-se, contornou todas as dificuldades, noites de insónia e impulsos de matar. As preocupações e as hormonas foram-lhe roubando paulatinamente os cabelos, estava a ficar careca, uma coisa que lhe roubava a vontade de sorrir sempre que se olhava ao espelho (manias a que todos temos direito). Procurou soluções em prodigiosos champôs, loções e ampolas miraculosas, mas os cabelos lá iam voando e o couro cabeludo despindo. A nudez anunciava-se com o decorrer do tempo e o Mendes não queria aceitar ver-se naquela figura. Foi construindo um sonho, o sonho de voltar a ter cabelo, de poder meter a mão e dobrar a cabeleira da testa até à nuca. O dinheiro era um obstáculo, mas o trabalho era uma barreira maior. Os consultores de folículos pilosos estimavam a necessidade de transplantar cerca de seis mil cabelos, uma pipa de massa, seis mil euros! De repente a oportunidade surgiu, a pandemia abrandou o seu negócio, o tempo cresceu e a boa nova anunciou-se. Por muito fortuitas que sejam as conversas, há sempre algo que delas se pode extrair. Soube que na Turquia, um país que nem localizava no mapa, o transplante dos seis mil folículos ficavam orçamentados em dois mil e quinhentos euros, uma pechincha! Não podia deixar passar a oportunidade. Pediu que lhe agendassem a empreitada e partiu. Confessou que nunca saiu das redondezas de Guimarães, nem disso sentiu necessidade, nunca entrou num avião nem pronunciou palavra fora do idioma luso, é avesso a a tecnologias como smartphones, computadores e internet, mas o sonho, o sonho comanda mesmo a vida e por isso partiu para satisfazer o seu sonho. Voou ao encontro do sonho que se escondia por detrás de uma farta cabeleira.

De Guimarães para Istambul, uma epopeia gravada na saudade. Mal poisou os pés em solo turco já sentia saudades da sua terra mãe, quando entrou no hotel sentiu saudades do seu restaurante e quando enfrentou o quarto sentiu saudades da sua cama. O pior estava ainda para acontecer e aconteceu quando se sentou à mesa para comer. Que saudades de comida de gente. Aquelas mistelas de cheiros estranhos e sabores esquisitos quase o faziam regressar de imediato, mas o sonho, o sonho era mais forte que tudo e tudo era confuso e barulhento na cidade grande, que diziam ser uma cidade bonita, mas bonito mesmo é Guimarães onde dizem que o transito é caótico (gargalhadas). Questionei-o acerca das mesquitas e palácios, respondeu-me com a Igreja de S. Francisco e o Paço dos Duques. Ele só queria o seu cabelo no sítio e zarpar para a sua eterna e amada cidade.

Depois de ter ficado com a cabeça como uma pinha, uma espécie de galinha na muda da pena, voltou. Cumpriu escrupulosamente com as regras estipuladas porque os sonhos conquistados não são para serem destruídos. Apercebeu-se que o tempo por vezes corre lento e que a saudade é sempre maior do que se pode imaginar.

Quanto ao cabelo, lá está, forte e viçoso, a bom preço, com juros de saudades e baldes de decepções, arquitetado no sonho, o tal que comanda a vida.

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