ODISSEIAS QUE NOS FAZEM PENSAR
PAULO NOVAIS Professor de Inteligência Artificial
por PAULO NOVAIS
Professor de Inteligência Artificial
Os 50 anos da 2001 Odisseia no Espaço, obra prima do cinema, foram o mote para uma recente participação no programa das manhãs da Rádio Renascença. Esta minha participação revestiu-se de uma grande responsabilidade, o filme pertence à minha short list dos filmes que marcaram e iluminaram de uma certa forma o meu caminho. Naturalmente, revi o filme na noite anterior à entrevista.
O filme, de 1968, de Stanley Kubrick, coescrito em parceria por Kubrick e Arthur C. Clarke e baseado no livro homónimo do Arthur C. Clarke, aborda questões relacionadas com a evolução humana, a tecnologia, a inteligência artificial e, ainda, a vida alienígena.
Caraterizado por uma narrativa essencialmente visual, em que não existe mais do que quarenta minutos de diálogos em pouco mais de duas horas de duração, e pela invulgar liberdade e subjetividade das perceções e interpretações que induz nos espectadores.
O enredo está divido, em grosso modo, por três grandes partes. A primeira, designada a Aurora do Homem, transporta nos para a génese da humanidade, em que o homem não passava de um primata que lutava para sobreviver numa terra árida e adversa. O surgimento de um objeto não identificado (monólito) que lhes incute “algo” (eventualmente a curiosidade), e que se transforma no élan inicial para a civilização moderna (deixamos de só Ser, passamos a Pensar e a ter consciência do Ser). Rapidamente, passamos do uso do osso como ferramenta e arma para a conquista espacial, dando um salto temporal de vários milhões de anos e chegados a uma base lunar no século XXI, onde novamente encontramos um outro monólito que, uma vez mais, aguça a curiosidade humana e nos transporta a Missão Júpiter (2ª parte). A bordo da nave espacial Discovery One encontramos cinco astronautas e o HAL, um computador que comanda todas as operações da nave. O enredo joga-se à volta da evolução do homem, num cenário em que a máquina, por si criada, o controla e o usa como uma ferramenta. Este cenário é enfatizado com um HAL com características humanas (expressando sentimentos como a hesitação, a vaidade e o medo) em contraste com humanos com ausência de expressividade. De algum modo, a máquina é mais humana do que os próprios humanos, que esqueceram (perderam), na sua evolução enquanto espécie, a capacidade de expressar emoções e sentimentos. Temos novamente, aqui, uma luta pela sobrevivência entre espécies (muito em linha com as teorias da evolução de Charles Darwin), em que HAL demonstra o seu medo diante da possível morte (novamente o problema da consciência do Ser). Na última parte (Júpiter e Além do Infinito) o ser humano, que se liberta da dependência da ferramenta, passa para o seguinte passo (e derradeiro) na sua evolução, surgindo como um novo ser, um ser-estrela que se liberta das dimensões do tempo e do espaço.
Obra de carácter universal e de certa forma intemporal, pelo realismo e rigor científico com que foi produzido e em que a ausência de ruído no espaço é um dos factos mais marcantes e o uso de tecnologia “futurista” muito realista.
O cerne do filme aborda as intermináveis questões, que desde sempre, assolam a humanidade: “o que somos?”, “de onde viemos?” e “para onde vamos?”, questionando a nossa essência e existência.
Questões cada vez mais pertinentes nos tempos que correm, em que a humanidade está em passo acelerado em busca de uma perfeição, a imagem e semelhança dos Deuses, quando o que nos torna tão especiais é na verdade a beleza das nossas imperfeições.
Até porque, como seriamos nós capazes de nos deleitar com o Danúbio Azul de Strauss, sem essa imperfeição?
Por estes dias cinzentos recomendo-vos a sua visualização.
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