
por Carlos Guimarães
Médico
O outono é uma época de renovação. Renova-se pela caducidade, sem euforia, com a natureza em estágio para enfrentar as agruras do inverno. É um tempo que nos leva à introspeção, nos atrai sensações heterogéneas de amor e ódio, de revolta, de discórdia e de tanta sabedoria parva que julgávamos não existir. Este outono é e será para sempre um outono diferente. Um outono em que a novidade da notícia não passou de uma repetição do luto, dos gritos e das lágrimas, do desespero e da fuga para lado nenhum.
O ser humano é muito atraído pela novidade. O que surge de novo, desperta-nos curiosidade, funciona como uma ignição que nos faz mover na sua direção, que nos faz optar ao invés de rejeitar. Esquecemo-nos de que os sapatos velhos são mais confortáveis e já não causam bolhas nos pés. Ignoramos o casaco coçado, mais macio e conhecedor das formas e deformidades do nosso corpo, que já sofreu os ajustes e deu provas, que já não nos prende os movimentos e nos dá mais liberdade. Porque será que nos preocupamos tanto com a nossa imagem ao espelho e aos olhos dos outros? O que é parecer bem e parecer mal? Onde está a virtude daquilo que é novidade? Até prova em contrário, em lado nenhum. O que não é novo e já deu provas, tem história, o que de novo acontece muitas vezes não fará parte da história e ficará tenuemente escrito no passado.
A vertiginosa evolução da tecnologia é deveras tentadora, mas muitas vezes prova-se que o mais evoluído não passa de um retrocesso, prova-se que nem sempre os passos para a frente nos levam adiante. Só há um método infalível de o provar; esperar, dar tempo para avaliar os verdadeiros resultados. Correr de imediato atrás do novo, é poder cair na tentação e quando nos apercebemos, a corrida não nos levou a lado nenhum. Neste vendaval de grandes saltos tecnológicos, somos levados a pensar que o impossível já não acontece, tudo é possível, não há sonhos irrealizáveis e isso, por si só, é a morte dos sonhos.
Hoje pensamos que o risco é substancialmente menor, que já foi medido, já foi calculado e já foi descoberta a fórmula de prevenir a ocorrência. Já existe solução. Podemos substituir muitas peças no nosso corpo e recauchutar outras tantas, podemos ter uma vida secular, mas seremos sempre renovados por outra vida. Nestes cem anos, os candeeiros de azeite e petróleo deram lugar a lâmpadas Led, a carta do correio foi substituída pelo Email e o telefone público da mercearia transporta-se nos nossos bolsos. Comunicamos em tempo real com quem queremos onde quer que se encontre e ao mesmo tempo estamos agrilhoados a esse poder da comunicação. E se as comunicações falharem?
Falharam, e tudo se converteu num mar de cinzas e num manto de morte. Afinal o risco não está assim tão bem calculado, não há fórmulas certas para frenar a natureza impiedosa, sobretudo quando ela se abraça à imbecilidade humana e o fogo vilão se aproveita das nossas fragilidades.
O novo não é necessariamente melhor, a comunicação celular pode não ser melhor que as ondas de rádio, e aqueles que tudo sabem, mostram que nada sabem. A possibilidade do impossível é uma mentira e por muito longa que seja a nossa vida, ela não existe sem dor.
Nunca haverá um fim se não existir um início e se ainda não começamos, todo o momento pode ser ponto de partida.