RACISMO: ERA BOM QUE TROCÁSSEMOS UMAS IDEIAS SOBRE O ASSUNTO!

A opinião de Esser Jorge Silva.

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por Esser Jorge Silva
Sociólogo

Entendamo-nos: Afirmar que Guimarães não é uma cidade racista anima o espírito de quem não é racista. Mas não ajuda a melhorar os que não se predispõem a questionar a sua atitude racista. O racismo não é uma categoria para cidades, para empresas ou grupos alargados. Aceita-se que os vitorianos, tal como os vimaranenses, não são racistas. Mas é forçoso aceitar-se que, em Guimarães há pessoas racistas. Algumas estavam no Estádio D.Afonso Henriques e promoveram a destruição, à escala mundial, da imagem do Vitória e da cidade de Guimarães.

O caso de racismo ocorrido no Estádio do Vitória só é uma novidade para quem anda desatento. Em 2018, sob o título “Sobre Konan, o racismo e a infâmia no desabafo: ‘o F. da P. do preto falhou mais um golo” publiquei, aqui neste jornal, um artigo a denunciar o racismo que anda por aí, nomeadamente nas bancadas do Vitória. Como se fosse uma antecipação, tudo o que nele escrevi aconteceu nesse fatídico fim de tarde, início de noite, de domingo. Em 14 de fevereiro de 2018, escrevia então:

“Uma das configurações mais hediondas que já se viu e da qual poucos se manifestam é o ulular de macaco que algumas pessoas, por mais incrível que pareça brancos, se servem para rebaixar um jogador preto, geralmente um adversário. Quando tal ocorre ninguém se manifesta contra. Pelo contrário, esse som do ulular de macaco, geralmente realizado por pessoas brancas é, regra geral, motivo de sorrisos e divertimentos. É certo que nunca se viu um indivíduo preto ulular, assim divertindo-se. Mas tal não tributa nenhuma coloração de superioridade. Ulular para diminuir é, assim, um ato de manifestação superior com vista ao rebaixar. Trata-se de pessoas, aglomeradas uma maioria que, sentindo-se protegida entre si, vêm num ‘outro’, geralmente um indivíduo isolado, um objeto menor do que o ser humano que ali está.

A vítima mais habitual e visível do racismo nos estádios europeus ocorre com os jogadores. Mas, excluindo algumas manifestações – como os de Samuel Eto’o e Mário Balotelli, em Itália e o de Daniel Alves, em Espanha – os jogadores tendem a fazer de conta que não se apercebem de tal malvadez. Existe, por isso, uma clara responsabilidade dos jogadores quando escondem um problema que, também a eles, diz respeito. Há uns anos, num encontro público no Centro Cultural Vila Flor moderado por Carlos Daniel, questionei Vítor Baía sobre esta realidade. Embasbacado, incomodado, respondeu qualquer coisa como que os jogadores não se metiam nesses temas; estavam ali para jogar. Achei ridícula a resposta. No final alguém indagou porque havia colocado tal questão, “não era lugar para isso”.

O problema é esse, quando se trata de denunciar o racismo nunca é lugar. Jamais é um problema para aquele espaço. Para quele momento. Para aquelas pessoas. Aliás, o racismo tem essa faculdade de não ser de ninguém. Ninguém é racista. Vários estudos, repetidamente demonstram que a quase totalidade das pessoas se afirma não racista. Mas quando se pergunta como se pronunciam na hipótese de ver uma filha ou um filho casar com um preto, um chinês ou um cigano, as respostas positivas descem assustadoramente. Percebe-se que princípio é: não se é racista desde que não toque ao próprio. Ora, na realidade o que expressa a natureza racista não é a afirmação esperada do que se sabe ser socialmente correto. O racista mostra-se no momento em que se aparta e cria uma divisão entre o seu fenótipo e a tez diferente do ‘outro’, tendo-se, a todo o tempo, como alguém superior.

No futebol poucos falam de racismo mas, sem dúvida, é um dos desportos onde mais vezes se consegue apontar atos de puro racismo. A todo o momento, no estádio, é possível ouvir o desabafo “o filho da puta do preto falhou outra vez”. Se alguém se dirigir ao imbecil que profere tal projétil verbal, este desvaloriza o seu dito, deslocando-o do ato racista como se, só a ele, racista, coubesse a capacidade de decidir o que é ou não racismo. Engana-se. Um racista não se dá conta de que o é. Por isso, a única forma de o fazer sentir é confrontando-o com o seu crime.

É nesse sentido que o ignóbil racista que ofendeu o futebolista Niclomande Konan, em forma que aqui se não reproduz, deve ser expulso de sócio e proibido de entrar no estádio do Vitória Sport Club para todo o sempre.
Tudo isto, sem prejuízo da ação do Ministério Público vimaranense que não pode deixar de tomar conhecimento da prática efetiva de um crime público. As ofensas rácicas nos estádios e/ou derivadas do futebol, não são propriamente uma novidade. A coberto de um esdrúxulo princípio segundo o qual o futebol suspende as leis civis – é ver as viaturas estacionadas nos passeios sem punição –, permitem-se barbaridades desajustadas da realidade e um certo atravessamento de impunidade. Aparentemente, um crime cometido à volta do futebol, não tem o mesmo valor do que o mesmo crime praticado noutro espaço da sociedade.

Ninguém nasce racista. A pessoa torna-se racista. Muito naturalmente crianças aparecem cantando “preto da Guiné lava a cara com café”. Quem lhes ensina isto? Quem introduz no interior de um indivíduo este indigno ensinamento? Resposta: o exterior! Pais, avós, tios, irmãos, vizinhos, amigos. Como impedi-lo? Expurgando-o do exterior. De que forma? Avançando para além da afirmação de que “o racismo é um crime” até à prática de justiça, assim punindo os repetidos criminosos.

Na realidade, sobre o racismo, aos costumes judiciais faz-se nada. E como é bem sabido, toda a punição judicial “ajuda” muito os indivíduos a trabalharem o seu interior e a mudarem o seu comportamento exterior.”

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