Recordar… o Vitória #60
Por Vasco André Rodrigues.

Por Vasco André Rodrigues, Advogado e fundador do projeto ‘Economia do Golo’Poucos jogadores terão tido passagem tão meteórica pelo Vitória e deixado um legado tão vincado, uma imagem de tanta saudade.
Ademir Bernardes Alcântara terá sido um desses.
Um talento com a bola nos pés… um artista que se tivesse escolhido outra arte teria, igualmente, atingido o Olimpo dos predestinados, a distinção dos fora de série, a eternidade de quem se distingue de todos os outros.
Estávamos na temporada de 1986/87, como tantas vezes já referimos, aquele ano que todos os vitorianos que o viveram não conseguirão jamais esquecer.
O Vitória apresentava o melhor futebol do país…enfrentava de peito feito os tubarões europeus… humilhava o eterno rival fora e em casa em tornados de bom futebol… arrastava multidões em peregrinações que tanto as fazia estar em Elvas ao Sábado como em Monchengladbch na Quarta-feira seguinte, passando do calor tórrido alentejano para a neve e temperaturas negativas germânicas.
A contribuir para esse clima quimérico, de ilusão, para além das defesas de Jesus, do pulmão de N’Dinga, dos golos de Cascavel e das faculdades de todos os demais jogadores do plantel, a qualidade técnica superlativa de um brasileiro contratado ao Internacional de Porto Alegre.
No Colorado Gaúcho, Ademir, já se houvera assumido como um médio ofensivo de boa qualidade. Um dez, ainda, que no futebol moderno pudesse assumir o papel, muito, em voga, do nove e meio. Um organizador de jogo capaz de fintar no meio campo, criar o desequilíbrio com uma variação de flanco para Roldão à esquerda, ou Adão ou Costeado à direita e aparecer na área a apoiar Cascavel no massacre das defesas adversárias.
Um Dybala de outros tempos, se nos é permitida a comparação, com as devidas distâncias, mas que ajudavam a entender a ideia de futebol daquela fantástica equipa. Ademir era o “joker” inesperado, quando todos olhavam para Cascavel, a surpresa dos elementos na equação mais óbvio, o toque pausado de “souplesse artística” numa equipa frenética, em alta rotação, em movimentos acelerados empurrados pela paixão das multidões fiéis à causa do Rei.
Fruto disso, na sua primeira temporada marcaria sete golos, mas permitindo que Cascavel se tornasse no melhor marcador do campeonato. Quantas assistências o genial brasileiro possibilitou ao goleador vitoriano? Quantos espaços abriu?
Além disso, o espírito de sacrifício. Como esquecer aquele jogo, com a camisola alva manchada de sangue, subjugou o Leão, numa segunda parte capaz de entrar na história vitoriana? Aquela assistência, depois de jogada de estirpe maradoniana, a possibilitar um improvável golo a Costeado?
Ademir apaixonava os vitorianos nesses momentos… nessa ilusão de aproximar os Conquistadores do topo!
A segunda temporada, sem o seu companheiro, Cascavel, seria diferente. O brasileiro até marcou mais golos (19), mas o rendimento colectivo diminuto terá ofuscado a magia. Porém, momentos houve inolvidáveis… como o hat-trick em casa ao Rio Ave, numa gorda vitória por quatro bolas a uma, ou o bis frente ao Varzim, num jogo disputado em… Braga, fruto da interdição do, então, Municipal, pelos acontecimentos desencadeados pela atitude do guardião Alfredo do Boavista!
Com tamanhas credenciais não estranhou que fosse cobiçado…Porto, Benfica. Antes, teria um sonho… jogar a final da Taça de Portugal pelo Vitória, já que o clube estava nas meias finais da prova. Porém, em Portimão, apesar do êxito branquinho, o sonho esfumou-se…um inoportuno amarelo e o castigo automático: o artista não se despediria da sua mais bela obra de arte em campo…ficaria arredado do desafio que os seus colegas haveriam de perder por uma bola a zero, quiçá órfãos da sua imprevisibilidade!
Partiria, em bom negócio, rumo ao Benfica…para daí continuar a sua carreira. Mas quem o viu jogar, jamais esquecerá um dos maiores artistas que envergou a camisola do Rei… a nossa pele!





