Reportagem: Ucranianos vivem o Natal em Guimarães, na “segunda pátria”
“O nosso principal desejo neste natal é paz na Ucrânia porque amamos nosso país”. Olena Besedina, de 40 anos.

Ucrania reportagem
Entre elogios à amabilidade e generosidade dos vimaranenses que “abriram as portas de suas casas e corações, e criaram um novo lar para nós aqui”, a comunidade ucraniana em Guimarães fala de uma adaptação a Portugal, ao clima e às pessoas que tem “corrido muito bem”.

São atualmente cerca de duas centenas de pessoas, sobretudo mulheres e crianças, que em Guimarães encontraram a paz que procuravam, após a invasão russa à Ucrânia a 24 de fevereiro de 2022.
Este foi o primeiro natal longe de casa, num país com uma língua e cultura diferentes. A 24 de dezembro, na Ceia de Natal houve bacalhau, polvo, vinho verde, vinho do Porto, bolo-rei e pão de ló. Mas houve sobretudo partilha.

COM O CORAÇÃO NAS MÃOS, ESPERANDO NOTÍCIAS DA FAMÍLIA QUE FICOU A QUATRO MIL QUILOMETROS, A COMUNIDADE UCRANIANA VIVEU AQUI O SEU PRIMEIRO NATAL.
Yana, com 30 anos, residente em Guimarães há quatro meses, foi apanhada de surpresa pelo despoletar da guerra quando estava de férias com o namorado na Índia.
Neste natal, mantendo a tradição, preparou para os seus “kutya”, um tradicional prato ucraniano que é “a primeira coisa no início do jantar de natal que você deve comer”. Seguindo a receita da sua mãe, que ficou na Ucrânia, cozinhou também o “varenyky”, presente em todas as celebrações da família.

Apesar da chamada com a família na noite de Natal, a dor, pela morte recente do marido da irmã na “luta pela liberdade da Ucrânia”, numa guerra que também também já tirou a vida de “muitos amigos da escola, da universidade e também conhecidos”, não permite grandes celebrações a Yana, que vive em “constante preocupação com seus entes queridos, sendo difícil permanecer como pensamento positivo”.
Este ano ficámos a conhecer as tradições natalícias portuguesas, estamos a estudá-las ao pormenor, e no próximo ano celebraremos com férias em pleno e a vitória da Ucrânia.
Yana, 30 anos.
Na maioria dos casos, sentaram-se à mesa na Ceia de Natal portugueses e ucranianos, famílias que agora se unem pela compaixão e solidariedade. Com a aproximação ao ocidente dos últimos anos, a maioria dos ucranianos celebrou a 25 de dezembro, mas também houve quem mantivesse a tradição do Natal ortodoxo, comemorado a 06 de janeiro.

Oleksandra, de 35 anos, que vive com as duas filhas menores em Ponte, diz-se “apaixonada por Guimarães, uma cidade que “nos recebeu de coração aberto e nos impressionou com sua sinceridade”. No dia 24 de dezembro celebrou o Natal à mesa com uma família portuguesa, que lhes mostrou as tradições natalícias, e as brindou com os pratos tradicionais de bacalhau e “criaram um clima feliz”. Oleksandra deu a conhecer também um pouco das tradições ucranianas preparando a “kutya” de Natal e saladas.
Oleksandra conta que, na Ucrânia, toda a família também se reúne à mesa, “preparando 12 pratos quaresmais, e as crianças cantam canções de natal sobre o nascimento de Cristo”.
“Guimarães é uma cidade incrível, parece a minha Poltava, conta , Tetiana Lehka, que chegou a Guimarães em março, veio sozinha para Guimarães e aqui encontrou novos amigos. Descreve o seu natal como “aconchegante”, passado em casa. À mesa houve “os pratos de sempre”, com carne, puré de batata, saladas e salgadinhos.

Lyudmila tem 72 anos, vivia em Kyev, e tem seis netos. Chegou a Guimarães a convite da Guimagym, a Academia de Ginástica vimaranense. Uma das netas, Sofia, é ginasta. Lyudmila desdobra-se em elogios a Guimarães, a cidade que os acolheu, valorizando o “grande número de monumentos históricos”, o ser “antiga, verde, com belas ruas e catedrais”.
Em Guimarães encontraram habitação, jardim de infância e escola para as crianças e também ajuda com alimentação, roupa, calçado, livros escolares e até computadores.
A família ansiava pelo Natal “uma das festas mais importantes da Ucrânia” e encontraram-no aqui, no dia 24 de dezembro, com uma família portuguesa de origem moldava. “Foi uma noite inesquecível, brilhante, alegre, mas a momentos também triste”, pela distância a que está a família e o país natal.
No dia 6 de janeiro, o Natal também foi comemorado em casa de acordo com o calendário ortodoxo, com canções de natal e o filme “Noites em uma fazenda perto de Dykanka” e houve 12 de nossos pratos nacionais na mesa.

“Quando chegar o dia, a guerra vai acabar”, e a família de Lyudmila sonha regressar à terra natal. Mas não todos, Sofia, a ginasta, vai continuar a treinar e a estudar em Portugal, a “segunda pátria”.
ENTRE A COMUNIDADE UCRANIANA VIVE A ESPERANÇA DE QUE A GUERRA, E O SOFRIMENTO DO POVO UCRANIANO, TERMINE O MAIS RAPIDAMENTE POSSÍVEL.
Oleksandra, de 31 anos, veio encontrar também a paz em Portugal com as suas duas filhas e a mãe. A empresa onde trabalha a mãe deslocalizou a produção para Guimarães, instalando-se em Mesão Frio. E por isso, Guimarães, este “lugar incrível” integrou a sua vida.
Guimarães, uma “cidade de tradições, uma cidade de celebração” já se tornou parte do seu coração, “ou melhor, as pessoas à minha volta criam condições favoráveis para isso”, conta à Mais Guimarães.
O Natal da família de Oleksandra foi vivido com a família que lhes ofereceu alojamento, e que os brindou com o tradicional bacalhau com batatas, e outros petiscos, e no dia seguinte houve “vários tipos de carne, arroz e bolo de Natal”, conta.
Para Oleksandra, a cozinha portuguesa é “radicalmente diferente, mas também muito saborosa.” Mas à mesa houve também saladas tradicionais ucranianas e doces.
Num dos momentos mais aguardados, à meia noite, as crianças esperaram pelo Pai Natal e receberam os presentes.

Olena Besedina, de 40 anos contou com uma “visita especial”. O filho mais velho, estudante na Universidade em Vilnius, capital da Lituânia, veio passar o natal com a família. Olena está em Guimarães com o filho mais novo e com os seus pais.
O Natal foi celebrado apreciando também tradicional ucraniana, as saladas, pato com maçã e houve lugar para os doces portugueses.
“O nosso principal desejo neste natal é paz na Ucrânia porque amamos nosso país”.
Olena Besedina, de 40 anos
Há quem espere regressar “o mais rápido possível” para junto da família que ficou a milhares de quilómetros.
Quem, nesta incerteza, não saiba bem “o que pensar do futuro”, e outros que já “tão apaixonados” pela cidade que pensam em ficar e reconstruir as suas vidas aqui. Vidas novas e aqui viverem outros Natais, mais felizes que este.