S. Torcato: Datas que não devem (nem podem) ficar olvidadas no tempo

850 da Carta de Couto do Mosteiro de São Torcato 750 anos da primeira referência histórica à Irmandade de São Torcato

© Paulo Novais

A Irmandade de São Torcato ciente da importância de São Torcato, da sua história, do seu papel definidor no território do Vale de São Torcato, e da influência na comunidade ao longo dos séculos, empenhou-se na preservação desse património e na sua divulgação. A publicação, em 2023, de duas importantes obras, sobre a história, devoção e património do Santo do Povo – São Torcato, materializados em “São Torcato: Romaria a um Vale Infindável” e “São Torcato: História, Devoção e Património” num trabalho de investigação histórica e científica, coordenado pelos Dr. Raul Pereira e Dr. Francisco Brito, são um marco neste caminho. De realçar que esta iniciativa contou com o apoio do Município de Guimarães e da CIM do Ave.

Ao longo de 2023 e 2024 várias iniciativas foram agendadas para apresentar e discutir este legado. Em particular duas datas estão a servir de mote para as conferências “Olhares sobre São Torcato”, os 850 da Carta de Couto do Mosteiro de São Torcato e os 750 anos da primeira referência (escrita) histórica à Irmandade de São Torcato.

Antes de mais, importa salientar que uma carta de couto se refere a um documento histórico que concedia o estatuto de couto. Um couto, especialmente na tradição medieval, era uma área ou localidade onde os habitantes tinham privilégios especiais e isenções, muitas vezes concedidos por autoridades eclesiásticas ou régias. Esses privilégios podiam incluir isenção de certos impostos, autonomia administrativa, liberdade para caçar e pescar, entre outros benefícios. A carta de couto funcionava como uma escritura ou um documento oficial que formalizava esses privilégios e direitos concedidos a uma determinada comunidade, vila ou localidade, e tinha o objetivo de estabelecer e confirmar os termos sob os quais os habitantes locais podiam desfrutar de certos privilégios.

Em Carta de Couto de 26 de abril de 1173 o primeiro Rei de Portugal, Dom Afonso Henriques, concedeu ao prior Dom Paio e ao mosteiro de São Torcato o couto da região. O documento estabelece que a Igreja de Santa Maria e São Torcato, juntamente com suas vilas associadas, é doada à Igreja, conforme a Regra canónica do beato Santo Agostinho. A demarcação precisa dos territórios, como Vila de Rei e Reboreda, é detalhadamente delineada, seguindo marcos geográficos específicos, como Segade, Mogege, Espinhal, Portela, Letanias, Peneda, Vilar, Ortal, Gominhães, Ugilde, Trasariz e Lobeira. A carta é assinada por Dom Afonso Henriques, Dom Sancho e a Rainha Dona Teresa, e confirmada por várias figuras eclesiásticas e nobres presentes. O documento destaca a importância religiosa, territorial e a presença de relíquias no mosteiro de São Torcato, estabelecendo proteções e privilégios sob a autoridade régia.

Este reconhecimento pelo primeiro Rei de Portugal vem na linha de anteriores referências a São Torcato pela Condessa Mumadona, em Cartas de Couto de Reis Leones e foram seguidos da renovação de proteção régia pelos Reis sucessores de Dom Afonso Henriques. De referir, a este propósito, que a povoação terá adotando o nome de São Torcato no século XII.

Nas publicações, acima referidas, foi ainda identificada a primeira referência datada de 1273 à Irmandade de São Torcato, então designada confraria, que tinha então um papel importante na difusão do culto de São Torcato e em toda a logística da peregrinação ao Santo do Povo. Simbolicamente, mantendo acesa uma lâmpada (de azeite) para perpetuar o culto e honra do Santo. Honra-se, ainda hoje, essa tradição conservando uma ininterrupta e singela luz junto a urna do Santo.

Estas duas datas são, acima de tudo, simbólicas, sem dúvida! São marcas emblemáticas da afirmação de uma Terra e da sua cultura daquilo que é definidor do ser! A sua identidade.

O que daqui se infere é o papel principal que a Irmandade sempre teve ao longo dos séculos no desenvolvimento dessa identidade. Uma identidade que ao longo dos tempos foi sempre capaz de seduzir e atrair novos devotos, de um exemplo de vida e de serviço aos outros.

A modernidade de São Torcato, não se explica como uma qualquer moda recente, mas sim como um sentimento forte que vem da profundeza dos tempos, que passa de geração em geração, que não se explica. Nem tal seria necessário, porque mais que explicar, se sente, como bem explanou Pessoa “Às vezes ouço passar o vento; e só de ouvir o vento passar, vale a pena ter nascido”. Está entranhado no ADN, no nosso ser porque lhe dá uma razão para ser(!) é uma “cola” que une e dá significado à vida.

A irmandade de São Torcato foi criada pela mão de Homens e Mulheres de boa vontade, que tinham uma ambição, um sonho e uma fé inabalável em São Torcato. Indubitavelmente, é muito mais do que uma instituição, representa a essência do que é ser Devoto de São Torcato, servir.

Em meados de século VIII, um homem corajoso e destemido partiu com os seus companheiros (em número de vinte sete) ao encontro do exército de Muça, invasor da Península Ibérica, sendo martirizado em São Torcato, onde o seu santo corpo veio a ser encontrado. Movido de uma fé inabalável, este bispo enfrentou o inimigo proferindo as seguintes palavras “Irei ao encontro do inimigo ou para o vencer com a persuasão, ou para morrer com o rebanho de Jesus Cristo”.

O invasor Muça, enfurecido, com tais palavras, descarrega sobre o Mártir e seus fiéis companheiros um golpe de morte. Este homem corajoso, este Bispo de Braga movido de uma fé inabalável, este Mártir é São Torcato e… há mais de 750 anos que a Irmandade de São Torcato, serve o Santo do Povo.

 

Paulo Novais

(Na qualidade de Juiz da Irmandade de São Torcato)

 

Nota: Agradecimento ao Doutor Aires Fernandes, pela tradução da Carta de Couto, e a todos os Homens e Mulheres de boa vontade que servindo, perpetuam este sentir, esta identidade…

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