Sónia Ribeiro: “Saibamos levantar bem alto os cravos neste dia, clamando por justiça”

Sónia Ribeiro discursou na sessão solena da Assembleia Municipal de Guimarães, comemorativa dos 50 anos do 25 de abril de 1974, representando a bancada parlamentar do Bloco de Esquerda.

© Eliseu Sampaio / Mais Guimarães

Leia a intervenção na íntegra:

Este ano celebramos os 50 anos do 25 de abril de 1974 e do início da Revolução Portuguesa.
Na prática, o aniversário não é mais relevante do que foi no ano anterior ou do que será no próximo.

No entanto, dita o calendário gregoriano que neste ano recordemos este marco da História de Portugal em data redonda, ainda por cima traduzindo-se em meio século.
Assim sendo, o volume, a intensidade e o fervor das celebrações aparecem em doses redobradas.

Aproveitemos então para refletir também de forma particularmente entusiasta sobre o papel de Abril na atualidade do nosso sistema político e da nossa sociedade.

A memória coletiva, conduzida ou não pelos agentes político-sociais, tem o poder de moldar o significado da História e daquilo que ela representa para um povo.
Abril não é imune a este processo. A data é valorizada pelas gerações mais jovens, mostram-nos os estudos, mas a sua valorização é diferente do que era há vinte ou quarenta anos atrás, ou durante o próprio processo revolucionário.

A deturpação da História por parte de quem nunca se conformou com a vontade popular em 1974 e a sua simplificação plastificada e propagada na sociedade, fomenta alguns equívocos, que vão grassando sem contraditório em meios propagandísticos de maior ou menor descaramento.

Há disto exemplos claros, e a cada vez mais forte campanha de equiparação desta data à do 25 de novembro é talvez o mais flagrante, contrariando a própria literatura académica para benefícios políticos – criando-se a ideia de que Portugal viveu duas ditaduras, uma de Direita que operou entre 1928 e 1974 e uma de Esquerda que, supostamente tão brutal como a primeira, se estabeleceu até 1975.

Coloca-se no mesmo patamar quem efetivamente condenou o país à miséria social e económica, prendeu, torturou e prendeu opositores políticos ou atirou Portugal para uma Guerra Colonial anacrónica, com quem lutou pelo fim de tudo isto.

O 25 de novembro constituiu sim um momento de contenção revolucionária pactuada, em que o regime e as forças dominantes que o compunham, da Direita à Esquerda, adotaram o modelo democrata liberal pluralista para o país. Não terminou uma ditadura, mas um Processo Revolucionário, com os seus defeitos, problemas e excessos, como nenhum é imune, mas com imensas virtudes ao nível do aumento da participação política.

© Eliseu Sampaio / Mais Guimarães

Um Processo Revolucionário que respondia à vontade popular, aos seus anseios, construído pela soberania do povo português, numa época em que o caminho rumo ao socialismo (nas suas diversas morfologias) era um dado adquirido.

Optou-se por sacrificar essa dimensão de participação popular, de democratização económica, de democracia direta, para celebrarmos Abril como a garantia do fim do autoritarismo, da positivação da liberdade conquistada, do triunfo do liberalismo como matriz política do regime.

E isto não é coisa pouca – Abril trouxe-nos não só o anseio de uma sociedade mais justa, fraterna e equitativa mas também tudo isso.
O que não devíamos ter desprezado de forma tão taxativa era essa dimensão mais exigente, de transformação estrutural da sociedade. E por o termos feito, sofremos hoje com problemas muito concretos.

Ao associarmos Abril, ao projeto, aos valores e o espírito de Abril ao panorama atual conspurcamos o seu significado, o seu legado e a sua aceitação.
Possibilitamos que se culpe Abril pela promiscuidade entre o poder económico e político. Que se culpe Abril pela crise habitacional. Que se culpe Abril pela inflação.
Que se culpe Abril pelo descalabro dos serviços públicos. Que se culpe Abril pela estagnação económica. Que se culpe Abril pelo desalento de uma população que vê cada vez mais o rendimento ser insuficiente para as despesas, enquanto sacrificamos a vida pessoal e familiar pela sobrevivência.

Por muito que isso não seja Abril, a distorção histórica faz muita gente acreditar que sim, voltando-se para projetos que rejeitam Abril e copiam as paragonas do regime anterior.

O sucesso desses projetos é um aviso para todos nós – um alerta para que lembremos o espírito de 74, na exigência da dignificação da vida e do trabalho, do envolvimento cidadão para lá dos sufrágios de 4 em 4 anos, de uma política ao serviço das reais necessidades da população.

Só relembrando a matriz original do regime podemos proteger o legado da Revolução Portuguesa. Enquanto não percebermos isso e continuarmos a desprezar a sua memória, mais os seus inimigos se alimentarão do desânimo, da angústia, da desilusão, sentimentos justos perante a constatação da destruição da nossa vida coletiva e da pauperização de quem trabalha em Portugal.

Sem esta reflexão, os cravos na nossa lapela serão enfeite hipócrita, fachada para democrata ver, flores para o funeral da nossa República.
Saibamos levantar bem alto os cravos neste dia, clamando por justiça.

Viva o 25 de Abril de 1974, viva a Revolução Portuguesa!
25 de Abril sempre, fascismo nunca mais!

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