SOS SNS

Por César Teixeira.

cesar teixeira

Por César Teixeira.

Os últimos tempos têm permitido revelar problemas que há muito estavam latentes no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Que influenciam a respetiva capacidade de resposta na satisfação das necessidades de saúde. Problemas que têm sido mais visíveis seja por deficiências nos serviços de urgência, seja pelo encerramento de serviços hospitalares. Mas também dos elevados tempos de espera para cirurgias ou para consultas de especialidade. Isto sem esquecer o agravamento da falta de cobertura da população por médicos de família.

A saúde é um bem essencial que tudo condiciona. Por isso mesmo, tem de ser um eixo central na atuação política. A atual onda de encerramentos e deficiências são o sintoma que permite percecionar uma doença mais profunda. Sendo ainda causa imediata de um sentimento de insegurança na população que urge corrigir.

Não deixa de ser um paradoxo que a atual crise na saúde se reflita após 6 orçamentos dos partidos de esquerda. Um facto. Sendo os encerramentos a face mais visível. A ponta do icebergue de problemas verdadeiramente profundos que o Governo não só não conseguiu resolver como acentuou o seu agravamento.

É sintomático que, desde o início do corrente ano, todos os meses morram mais de 10 mil pessoas em Portugal. Várias hipóteses podem explicar. As consequências de um menor acesso a cuidados médicos durante a pandemia será uma das hipóteses. Dificuldade que não foi minorada com planos de emergência efetivos após o levantamento dos constrangimentos.

Durante estes seis orçamentos verificou-se uma diferença nunca vista entre a narrativa política e a realidade. Que se reflete em termos estatísticos na gritante diferença entre o que está previsto no orçamento e o que dele foi efetivamente executado. Em 2017, em plena lua de mel da geringonça, foi executado 48% do orçamentado. Em 2020 foi executado 53% do previsto. Estes números são o algodão do estado do SNS. Desmascaram a propaganda e expõem a hipocrisia da geringonça. Que apenas vendeu sonhos e ilusões. Que esbarram de frente com a triste realidade dos factos.

A narrativa na saúde alimenta-se ainda de uma alegada oposição entre o público e o privado. Para enganar incautos. Típico de quem fomenta falsos antagonismos para justificar evidentes insucessos. A luta de classes sempre foi um tópico dos movimentos extremistas e radicais. Uma boa liderança não fomenta divisões, nem divergências. A pedra angular de qualquer sistema de saúde é a promoção do acesso de todos aos cuidados de saúde. Quem o concretiza, se público, se privado, é acessório. Basta verificarmos que no nosso dia a dia vários serviços e bens essenciais são produzidos e distribuídos por privados. O leite, o pão ou os cereais apenas têm a chancela do Estado nos impostos que cobram. Mas são os privados que fazem chegar às nossas mesas esses bens essenciais. Nestes setores a propriedade dos meios de produção e distribuição é irrelevante. O que interessa é assegurar que todos tenham o acesso aos serviços e bens. O mesmo deveria passar-se na saúde. Mais do que promover divergências, deveremos acentuar convergências, de modo a que todos os agentes, públicos ou privados, possam em rede melhorar o sistema nacional de saúde.

Aponta-se aos privados por apenas se preocuparem com o lucro. Que depois, em caso grave, as pessoas têm de se socorrer dos serviços públicos. Mas pergunto: não é suposto ser assim mesmo? Não é suposto que o Estado se preocupe em intervir precisamente onde os outros não intervêm? Na saúde, como em qualquer outra atividade. Gastando o Estado os recursos onde eles são efetivamente precisos e deixando que outras preocupações sejam asseguradas por quem esteja no setor. Parece elementar.

Na verdade, há outro paradoxo dos seis anos de geringonça que cumpre apontar. Foi acentuado o recurso aos serviços de saúde detidos por privados. Aqueles que mais verberam a privatização da saúde, são aqueles que pela sua incapacidade, estão a contribuir para reforçar o peso dos privados no setor da saúde. Apesar de a maioria da população, para efeitos de cuidados de saúde, continuar a depender diretamente do SNS, a sua percentagem tem vindo a descer ao longo do tempo. No limite, corre-se o risco de o modelo político subjacente ao SNS começar a falhar e de este ser visto como dos grupos de rendimentos mais baixos e de mais baixa qualidade.

Tem sido notável o serviço que os profissionais de saúde prestam nestes tempos. Mas o facto é que o Ministério da Saúde tem de centrar a sua atuação no doente e não tanto na gestão das corporações e interesses que gravitam no setor da saúde. Sem esquecer as alterações ao nível da gestão hospitalar, com maior autonomização e responsabilização. Da motivação dos médicos e enfermeiros através também da revisão de tabelas salariais ajustadas à respetiva importância profissional. Da necessidade de serem encontrados mecanismos que premeiem o mérito profissional.

O SNS está estruturalmente doente. No tratamento de qualquer doença um bom diagnóstico é essencial para a aplicação da terapia adequada. Mas para que possamos diagnosticar e curar é necessário que se fale do problema. Hoje em dia grassa o maniqueísmo na política portuguesa: quem critica o SNS é qualificando como estando contra o SNS; como querendo destruir o SNS. Como se alguém, à direita ou à esquerda, pense ou queira isso. É necessário que fique claro: criticar o estado do SNS não é estar contra o SNS. É precisamente o contrário. Retificar o que tiver de ser retificado para valorizar. Só um bom diagnóstico permite a melhor terapia. Evitar o problema vai também evitar o diagnóstico precoce e agravar os problemas futuros. Fugir do problema apenas serve quem os quer esconder. Para assim esconder as respetivas responsabilidades.

PUBLICIDADE

Arcol

Partilhar

PUBLICIDADE

Ribeiro & Ribeiro
Instagram

JORNAL

Tem alguma ideia ou projeto?

Websites - Lojas Online - Marketing Digital - Gestão de Redes Sociais

MAIS EM GUIMARÃES