Tradição em tempo de pandemia
Por Mariana Silva.
Por Mariana Silva, Deputada na Assembleia da República (Os Verdes) Dois acontecimentos, à partida desligados motivam hoje a minha crónica.
A epidemia que vivemos e que nos traz confusos e desorientados, impõe-se como uma entidade omnipresente que nos tolhe os gestos mais naturais e que mal nos deixa respirar. Gostaria muito de não voltar a falar sobre este assunto, mas permanece no nosso dia-a-dia e exige que tomemos medidas mais concretas para nos protegermos e protegermos os outros.
Esta semana dezenas de empresários e profissionais da restauração manifestaram-se nas ruas de Guimarães clamando por mais apoios para assegurar a sua sobrevivência.
Compreendemos bem as suas razões. Acompanhamos as suas angústias. Mesmo que a epidemia não seja culpa de ninguém, os atrasos nas respostas para quem vive, como tantas vezes dissemos antes, do dinheiro da caixa do dia para pagar as contas do dia seguinte, e de um momento para o outro as medidas restritivas que lhes tiram o pão da boca não podem deixar de gerar indignação.
É que, ao contrário do que alguns nos queriam fazer acreditar no mês de março, e confirmando o que até aqui fomos dizendo, nem estamos todos no mesmo barco, nem vamos ficar todos bem.
Os pequenos restaurantes não têm a capacidade das grandes cadeias para aguentar um embate tão violento. Já viram os seus negócios ameaçados pelas grandes cadeias internacionais e pela entrada nesta área de grandes grupos económicos que tudo sugam.
E, apesar de muitas vezes não se aperceberem, são também vítimas da política de baixos salários e das pressões dos grandes grupos para que o Governo não determine um vigoroso aumento do Salário Mínimo Nacional, que empurraria todos os outros salários para cima.
Quando começarmos a confiar e pudermos “dar folga à mola”, será essencial que as pessoas possam consumir, possam ir aos restaurantes, possam viajar e para isso precisam de ter mais dinheiro.
No entanto, alguns destes empresários, hoje, percebem melhor as razões daqueles que em abril e maio continuaram a lutar para que se garantissem os salários, os direitos e que fosse possível acreditar numa outra política de desenvolvimento.
E como consequência da pandemia, outro assunto nos traz as almas apertadas.
Este ano não se festejará o Pinheiro da forma que sempre conhecemos e que sempre o fizemos. As Nicolinas serão assinaladas neste ano de 2020 tão atípico. Com distanciamento. Sem os rojões e as castanhas assadas. Sem o mais importante, sem o encontro e reencontro daqueles que conhecemos há anos e que na noite do Pinheiro reencontramos e partilhamos a tradição.
Mas não haver aquele momento de grande partilha, com milhares de jovens que enchem a cidade de partilha, convívio e de camisas brancas e lenços vermelhos. A noite será fria como são as noites de novembro, os amigos estarão ligados em chamadas de vídeo, o coração vai ficar apertado, mas ficará a certeza de que para o próximo ano poderemos festejar tudo o que ficou interrompido em 2020.
Porque é necessário preencher os nossos dias da normalidade possível, não permitir que se adensam os problemas e acreditar sempre que não será através do medo que nos querem impor que seremos capazes de superar a pandemia e as suas consequências.
É necessário não nos deixarmos vencer. Nem pela doença. Nem pelo medo.
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