Um cão no meio da estrada

Os dias de solidariedade gratuita são raros. A solidariedade benévola e sentida é tão invulgar que obriga o esforço a entrar em fadiga. Vivemos tempos da imagem, do fitness, da exibição pública, do burnout, das dívidas a crescer de quem não pode pagar, das notas abafadas no cofre de quem não sabe gastar.

© Carlos Guimarães

Vivemos tempos de carros a pilhas com gigantes ecrãs e luxos que não se compadecem com a obediência minimalista. Os mercados assim ditam (dizem) e assim crescem os falsos ecologistas que o estado (des)moralizador incentiva.

Os registos da imbecilidade humana escrevem-se na incapacidade de aprender com os sinais do passado, só o presente conta e embala o irracional na onda do momento sem a questionar, uma onda que cresce ao acreditar nela sob uma cegueira nunca antes ensaiada.

A rara solidariedade benévola escreve-se em muitas histórias, umas longas e outras breves como a que vos vou contar.

Maria é uma cadela de raça indeterminada (vulgo rafeiro) que foi recolhida há cerca de meio ano no canil municipal. Nada se conhece do seu passado, sendo impossível aprender com ele. À pouca fortuna do bicho somava-se um enorme estado depressivo que os seus olhos e postura não deixavam enganar.

Ali criou a aura de ser uma velhinha que se exibia pelos seus bigodes brancos e por se recusar em caminhar sempre que algum voluntário da SPAG a estimulava para um passeio. As curtas passeatas aconteciam ao colo das pessoas com o seu semblante tristonho que dilacerava a alma dos mais sensíveis. Em contraponto com esta postura, os seus primos do albergue desfrutavam de passeios e corridas vigorosas aos sábados de manhã.

Apesar ser muito dócil e meiga, ninguém se posicionava para a adoção pelo facto de ser velhinha.

Numa dessas manhãs de sábado, alguém se deixou contagiar pela ternura e velhice de Maria e decidiu que a cadelinha seria um novo membro da família com direito aos carinhos e aos bons tratos de um animal em fim de vida. Os cães são sérios e leais (fossem todos os humanos como eles), sentem como as pessoas e entregam-se genuinamente a quem lhes quer bem.

Em pouco tempo, Maria revelou-se e mostrou-se não uma velhinha, mas um animal cheio de energia, carente de afetos e com muita gratidão.

Tal como os humanos em depressão profunda, os cães também morrem em vida e ressuscitam a troco de quase nada.

Em pouco tempo Maria voltou a sorrir, a saltar e a correr com a energia de uma de uma gazela; os olhos voltaram a brilhar e a cauda deixou de se entalar entre as pernas para se exibir curva e hirta.

Maria voltou a ser feliz e jovem por direito e a partilhar essa felicidade nas expressões de euforia sempre que os seus parceiros para a vida abrem a porta onde ela aguarda o grande momento para os receber. Receber e dar, aquilo que muitos humanos já esqueceram.

A solidariedade genuína e gratuita dos membros e voluntários da SPAG fazem-nos felizes, fazem pessoas felizes e criam oportunidades para que os animais sejam felizes. Longe dos influencers, das dietas de quinoa, das estrelas Michelin e das praias de areia branca, a imagem também pode ser esta.

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