Uma peça para pensar um espaço e, simultaneamente, pensar uma sociedade adaptada à individualidade de cada pessoa
Vencedor do projeto CASA e em estreia absoluta em Guimarães, o coletivo silentparty quer "lidar com a arquitetura de cada espaço" e perceber como pode adaptar o seu espetáculo, "Um Quarto Só Para Si" a cada local por onde passa.
Vencedor do projeto CASA e em estreia absoluta no Centro Cultural Vila Flor (CCVF), o coletivo silentparty quer “lidar com a arquitetura de cada espaço” e perceber como pode adaptar o seu espetáculo, “Um Quarto Só Para Si”, a cada local por onde passa.
É em Guimarães que Emanuel Santos, Mafalda Banquart, Tiago Araújo, Tiago Jácome sobem pela primeira vez a palco com um espetáculo assinado pelas quatro. Apesar de estarem juntas desde 2018, foi apenas no ano passado que formalizaram o coletivo. Quiseram “resistir quase à obrigatoriedade de formalizar a pessoa jurídica”, mas a verdade é que “sempre que havia uma oportunidade nova, fazia sentido que as quatro fizessem parte”.
Em “Um Quarto Só Para Si”, porém, não estão sozinhas em palco. Porque peça nenhuma se faz só das pessoas que nos habituamos a ver. Aqui fazem questão de o mostrar, porque também não se pensa um espaço a solo. E querem levantar possibilidades que geram novas possibilidades.
“Podemos não ter a certeza de qual é o estágio final, nem nos interessa. Mas o preciso é começar por algum lado e fazer este levantamento”. É mais ao menos assim que se apresentam e é sem certeza alguma que chegam às cidades onde apresentam este espetáculo. “Vamos daqui para Loulé e, mais do que uma reposição, fazemos o estudo do espaço, percebemos de que forma podemos construir este espetáculo lá e não adaptar todas as decisões que já tomamos aqui a um espaço novo como se ele não fosse diferente”, explicam.
É por isso importante que este projeto tenha uma residência artístisca. Porque nenhum espetáculo vai ser igual a outro e a relação com os edifícios vai moldá-lo. No caso do pequeno auditório do CCVF, por exemplo, em termos de acessibilidade, há sempre três degraus para subir a palco e “uma pessoa cadeirante nunca podia transpor o palco”. E é aqui que entra a chamada “pluraridade de medida”, que vem “substituir uma unidade de medida precisamente porque as coisas são feitas a partir de um determinado padrão ou norma, que é uma homogeneização” e, de repente. “há determinados corpos que acabam por ficar de fora”.
Facilmente podemos pensar em modelos de sociedade, nos quais “acontece a mesma coisa com essa ideia de padrão e norma”. E talvez, a certas alturas, o espetáculo pode parecer biográfico, mas, esclarecem, “sempre que a biografia é trazida é para fazer um curto circuito político e não para ficar numa questão nostálgica”.
“Isto gera problemas”, alertam as atrizes conscientes de que estão a trazer estas questões à tona. “As coisas estão feitas para nós habitarmos e disfrutarmos de alguma qualidade de vida. De repente, adaptar todos os edifícios e todos os espaços e contextos onde estamos à individualidade de cada pessoa que passa, ou eventualmente vai passar por eles, levanta problemas”, dizem.
Tal e qual como na arquitetura, porque a realidade é que, se pensarmos, “estamos a experimentar arquitetura desde o momento em que nos levantamos da cama (…) e parece que os edifícios estão construídos de uma forma com um mapa invisível. Parece que já sabemos como funcionam e há uma forma mais ou menos acrítica e meia hipnotizada”. Esse é, aliás, “um dos próprios objetivos da arquitetura: que a experiência seja mais empírica para experimentarmos sem pensarmos muito”.
Sem respostas para os problemas que levantam, e sabendo que “há pessoas mais preparadas para pensar sobre isto e chegar a conclusões”, querem desafiar-se a si próprias e desafiar as instituições que também se desafiam a elas mesmas.
O caso do CCVF
Na cidade berço encontraram uma instituição que já vinha a pensar todas estas questões. “Há, por exemplo, uma quinta intérprete neste espetáculo, de língua gestual”, lembram.
O coletivo propôs-se a construir a rampa que anteriormente referimos, ao vivo, para as pessoas circularem para o palco. Perceberam que tal não era possível e quiseram perceber o porquê. Esta era, aliás, uma conversa que já estava a decorrer internamente n’A Oficina, sobre que problemas existem na sala e com que a equipa já se deparava diariamente. “A rampa, aqui, tem um problema que precede a construção do espaço. Mesmo que houvesse uma rampa, a inclinação não permitiria autonomia. E há uma cena deste espetáculo que foi escrita em discussão com uma pessoa da casa”, contam afirmando que “há uma possibilidade, mas não é possível para este espetáculo, porque exige uma série de intervenções no espaço”.
Quando os espaços foram construídos, talvez não se levantassem as respostas que hoje se levantam. É o caso de o “palco não ser só para os artistas e a plateia para os espectadores”. “E isto não tem a ver com quartas paredes narrativas, tem a ver com paredes ideológicas e muros que são intransponíveis”, refletem a terminar.
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