Vasyl Bundzyak: “Isto não é um conflito, é a verdadeira guerra”

Em entrevista à Mais Guimarães, Vasyl Bundzyak diz que lhe faltam as palavras para descrever a barbaridade desta guerra.

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Vasyl Bundzyak é padre da Igreja Ortodoxa da Ucrânia e está em Portugal há 20 anos. Em entrevista à Mais Guimarães, diz que lhe faltam as palavras para descrever esta guerra. “Nem gosto de dizer a palavra conflito porque isto não é um conflito, é a verdadeira guerra”, afirma o representante da Igreja a viver em Braga.

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Como vê este conflito?

Este conflito armado já começou em 2014 quando a Rússia anexou a Crimeia. Depois, foi anexado o centro de Donbass e Lugansk, onde tropas russas foram escondidas sem número de identificação. Estes separatistas foram apoiados com armamento da Rússia. A partir daí, durante este tempo, a Rússia fez propaganda, dizendo que tem que defender aqueles que falam russo. Durante estes oito anos, a Rússia preparou-se para invadir a Ucrânia e todos nós ficamos chocados no dia 24 de fevereiro quando as tropas russas invadiram a Ucrânia, começando a bombardear cidades, aeroportos e outras estruturas. É um choque para todos os ucranianos.

Atravessamos um momento triste na nossa história…

Sim, até porque sabemos também que durante alguns séculos os russos quiseram transmitir o seu grande império e tentaram apagar o nosso povo, a nossa cultura, a nossa história e a nossa língua. Apesar de já ter começado há alguns séculos, isto está a acontecer agora, no século XXI, começou um período trágico para o nosso povo em que Rússia está a levar a cabo um genocídio, tal com vemos, por exemplo, em Bucha, em Mariupol e noutras cidades. Não tenho palavras, é muito chocante.

Em que consiste essa a propaganda russa?

Por exemplo, a Rússia dizia que o povo ucraniano que falava russo sempre foi discriminado. Isso não é de todo verdade. Claro que a Ucrânia tem a sua língua oficial, e que claro que, pelo menos nos espaços públicos, eles têm de compreender a língua ucraniana, mas na sua vida particular ninguém os pode proibir de falarem russo. Esta situação foi alimentada pela propaganda Russa. Não só na Ucrânia, mas em todo o lado, eles veicularam estas mentiras e fake news sobre a Ucrânia e os ucranianos. Nós não temos este poder de financiamento de propaganda que a Rússia tem nas redes sociais e na televisão. Nós sabemos muito bem como funciona, por exemplo, a Sputnik, na Europa. Eles fazem um grande investimento na propaganda.

“Emocionei-me várias vezes pela grandeza destes atos solidários”

Sabemos que tem tido um papel bastante importante na integração dos refugiados ucranianos…

No início de março, quando começaram a chegar os primeiros refugiados da guerra, mulheres e crianças sobretudo. Quanto ao acolhimento, acho que o Estado português demonstrou grande abertura porque eles fizeram um documento, que permite a estas pessoas terem proteção temporária para que depois tenham a documentação necessária de outras entidades com o SEF, a Segurança Social, número de utente e NIF. Assim, conseguem integrar-se na sociedade portuguesa e procurar trabalho. Quero ressalvar uma coisa muito importante que é o facto destas famílias que chegaram a Portugal foram integradas casas de famílias portuguesas, o que me deixou muito surpreendido pela positiva pelos atos solidários que estão a fazer ao acolhê-los. Emocionei-me várias vezes pela grandeza destes atos solidários. Tocou-me muito e nunca deixo de agradecer ao povo e Estado português.

Estas pessoas que cá chegam trazem certamente muitas preocupações, quer por abandonarem as suas vidas e entes queridos, mas também porque sabem que têm pela frente um recomeço…

Sim, conheço muitas pessoas e famílias que acompanho de perto a sua integração. Muitas vezes eu e outros compatriotas que falamos ucranianos somos chamados a acompanhá-los, por exemplo, à Segurança Social, onde ajudamos na tradução e no preenchimento de formulários de documentação.

A maioria das pessoas quer voltar para a Ucrânia porque o trabalho deles é lá. Uns são funcionários públicos, outros arquitetos ou professores. De repente a vida deles mudou e têm de se adaptar, mas todos com quem já falei querem voltar para a Ucrânia assim que possível.

Os primeiros refugiados chegaram há pouco mais de um mês. Como tem sido a integração até agora?

A integração tem sido boa. Ainda ontem (6 de abril), acompanhei uma senhora, que chegou cá há cerca de quinze dias, e já começou a trabalhar nesse dia num restaurante. Ela ficou disponível porque não quer ficar em casa e esperar que alguém lhe dê o que comer. Falei com muitas famílias e eles não têm este hábito de esperar que alguém tenha que os ajudar. Eles querem trabalhar, ganhar a vida e sair de casa de quem os acolhe. Quando as famílias portuguesas lhes põem comida na mesa para o almoço ou jantar, eles têm até vergonha porque eles sabem que podem e querem trabalhar. As pessoas querem integra-se e aprender o português para fazerem a sua vida autónoma.

Como tem sido essa aprendizagem da língua?

Claro que nas primeiras semanas é complicado. Ainda hoje estive (7 de abril) com um grupo de 25 a 30 ucranianos na Segurança Social para o preenchimento de documentos e ouvi um colaborador português a dizer algumas frases em ucraniano, como por exemplo “bom dia”. Foi um momento muito especial para mim e para quem estava comigo.

“A Rússia não tem direito de invadir a Ucrânia e matar o seu povo”.

Tem conseguido manter contacto com os seus familiares e amigos na Ucrânia? O que lhe têm dito sobre os crimes de guerra de que tanto ouvimos falar?

Nos últimos dias tenho falado com os meus amigos. Nós sabemos dos crimes das tropas russas contra os Ucranianos. É um genocídio ao nosso posso, nestes últimos dias. Eles queriam esconder e diziam que tudo isto era uma simulação das tropas ucranianos. Novamente, é uma mentira, é propaganda para esconder aquilo que eles realmente fazem ao nosso povo. Isto não está só a acontecer nas grandes cidades, mas também nas cidades mais pequenas.

Acredita que esta guerra possa ter alguma motivação religiosa?

Sabemos que na Ucrânia existe a Igreja Ortodoxa da Ucrânia e essa igreja é como o seu povo, que está a defender a nossa terra e a nossa história. Mas existe também propaganda russa através da Igreja Ortodoxa Ucraniana patriarcado de Moscovo, que durante muitos anos faziam propaganda russa com a Igreja Ortodoxa russa. Isto também foi um momento muito triste porque também alimentou esta guerra. Nem gosto de dizer a palavra conflito porque isto não é um conflito, é a verdadeira guerra.

O nome é Igreja Ortodoxa da Ucrânia Patriarcado de Moscovo. Mas, durante este tempo, para esconder o patriarcado de Moscovo, ele dizia que era a Igreja Ucraniana de forma a abençoar o que as tropas russas estão a fazer na Ucrânia. Como se fosse a coisa certa a fazer.  A Igreja Ortodoxa Russa seguiu a posição de Putin e das tropas russas.

Durante muitos anos, a Igreja Ortodoxa da Ucrânia Patriarcado de Moscovo sempre seguiu o Putin e a Igreja Ortodoxa Russa. Eles queriam chamar-lhe Russkiy Mir e diziam que não existe língua ucraniana. Isso também é propaganda.

Acha que as igrejas podem ser determinantes na resolução deste conflito?

Sim, porque o nosso Parlamento já tem uma proposta de lei para proibir na Ucrânia a Igreja Ortodoxa da Ucrânia Patriarcado de Moscovo, para que eles não façam propaganda a dizer que aquilo que está a acontecer, russos matarem ucranianos, é certo. É um completo absurdo pessoas que vivam na Ucrânia acreditarem nisso. Essa propaganda Russkiy Mir defende que os russos têm mais voz, têm mais poder e têm que mandar no nosso território, nas nossas casas e no nosso povo. A Rússia não tem direito de invadir a Ucrânia e matar o seu povo.

O que pode reservar o futuro?

A Europa e todo o mundo viu e aprendeu. Eles pensavam que as tropas russas até 48 horas chegariam a Kiev. Mas isso não aconteceu porque as forças armadas ucranianas demonstraram a sua capacidade e força, que conseguem defender o seu território, as suas casas e o seu país. No futuro, se a Europa continuar as sanções contra a Rússia e puder ajudar a Ucrânia com armamento pesado, porque sabemos que a Ucrânia tem menos aviões e menos tanques, nós podemos continuar a defender. O povo ucraniano também acredita em Deus e esperamos que as orações e essa fé permita acabar com esta guerra o mais rápido possível.

O Putin é incerto e todos os acordos que a Ucrânia e os vários países queriam fazer para acabar com esta guerra não são confiáveis. Ele não é a pessoa certa e não se pode confiar nele.

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