Vitor Macedo: O homem do leme do Vitória

Vítor Macedo é treinador do clube do rei em polo aquático e sagrou-se tetracampeão português na temporada passada. Depois de passar por todos os escalões de formação do Vitória, pela equipa sénior e ser capitão, decidiu assumir o cargo de treinador principal aos 27 anos.

© Vitória SC

Vimaranense e vitoriano de raíz, Vitor Macedo praticou outros desportos, mas optou pelo polo aquático. Começou com dez anos a dar as primeiras braçadas na modalidade, percurso que durou até aos 26 anos.

À revista Mais Guimarães, o conquistador falou sobre o seu percurso na modalidade, o projeto do Vitória e o ponto de situação do polo aquático em Portugal e no estrangeiro.

Como começou o teu percurso no desporto e no polo aquático?

O meu percurso no polo aquático começou com o desporto escolar. Na altura, o professor Pedro Magalhães dava aulas na escola Egas Moniz, onde eu andei, e no quinto ano tínhamos o desporto escolar como opção.

Eu gostava muito de água, e depois de ter experimentado várias modalidades, fui experimentar o polo, gostei muito, e desde então cá estou. Comecei como atleta, passei por todos os escalões de formação e pela equipa sénior. Entretanto, depois de deixar de jogar, assumi a equipa principal como treinador.

Tiveste alguma influência antes de praticar desporto profissionalmente?

Sim, sempre tive. Os meus pais sempre me incentivaram a praticar desporto, mas eu sempre fui uma pessoa muito ativa e sempre gostei muito de desporto no geral. Portanto, acabou por ser uma motivação bastante intrínseca na prática deste desporto.

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O que te cativou mais no polo aquático?

Primeiro, foi algo completamente diferente daquilo que eu já tinha experimentado. O facto de gostar muito de água ajudou, desde o primeiro contacto com a modalidade que me cativou imenso. Experimentei, fiquei fã e passaram mais de 20 anos.

“Em Guimarães e no Vitória temos feito um trabalho muito meritório no sentido de evoluir e de dar a conhecer a modalidade.”

Quais foram as razões pelas quais deixaste de jogar e decidiste apostar em ser treinador?

Foi um misto de coisas. Na altura eu tive uma lesão grave no ombro e não consegui debelar muito bem, e nos últimos dois anos a jogar tive sempre desconforto e dor. Quanto a ser treinador, desde muito novo comecei a treinar os miúdos. Com 16 anos era treinador adjunto e aos 19 anos assumi a primeira equipa como treinador principal. Era algo que me motivava imenso.

Entretanto, com a vida profissional que já tinha, mais o facto de treinar os miúdos e da lesão não estar bem debelada, levou-me a tomar a decisão. Foi muito difícil na altura decidir deixar de jogar, porque eu gostava imenso, e até pelo papel que ocupava na equipa. E depois pelo gosto do treino que já existia, era um bichinho muito forte.

Com essa lesão no ombro, tiveste que parar algum tempo provavelmente…

Na altura, o problema foi exatamente esse. Tive a lesão por volta de novembro, estive parado cerca de um ou dois meses e precisava de estar mais tempo parado. A equipa precisava que eu jogasse e eu tinha um papel importante, era o capitão e tinha alguma influência na equipa.

Foi num ano difícil, em que estávamos a lutar para não descer de divisão e eu acelerei um pouco o processo de regresso à prática desportiva. Acho que isso foi um dos motivos pelo qual a lesão não ficou muito bem debelada.

A paragem motivada pela lesão desmotivou-te ou levou-te a pensar que te podia arruinar a carreira?

Não, porque apesar desse tempo parado e de inatividade, estive por aqui e fiz trabalho fora de água. E depois dessa lesão, ainda joguei mais dois anos. A questão é que foi uma lesão que se tornou “crónica” e ainda hoje me provoca algum desconforto.

Como surgiu o teu gosto pelo treino?

A minha opção académica foi Educação Física pelo gosto de ensinar. Sempre gostei muito de ensinar. Depois sempre tive referências de treinadores que foram importantes para mim e que me levaram a ter um gosto ainda maior pelo ensino e pelo treino.

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Quem foram os treinadores que foram uma referência para ti?

Tive vários, desde logo o professor João Neves, que é, ainda hoje, o nosso treinador dos sub-12. Foi uma pessoa muito importante no meu início, que ainda hoje incute aos miúdos o gosto pela prática de uma forma muito particular.

Depois, já na fase juvenil/ júnior, mas em que já estava a jogar pelos séniores, tivemos um treinador sérvio, o Ranko Malic, que foi uma pessoa muito importante para mim e uma referência no que diz respeito ao rigor e à exigência. Claro que foram todos importantes, mas desses penso que retirei as qualidades mais importantes para o que eu entendo ser a tarefa do treinador.

Tiveste algumas passagens pela seleção nacional. Como foram essas experiências para ti?

Sim, passei pelas seleções jovens, regionais e nacionais. São sempre experiências gratificantes e que nos fazem crescer enquanto indivíduos e atletas.

“Nós assumimo-nos como candidatos ao título. Não nos escondemos daquilo que são os nossos objetivos.”

A conquista do pentacampeonato é um dos objetivos para esta época?

Sim, sem dúvida. Nós assumimo-nos como candidatos ao título. Não nos escondemos daquilo que são os nossos objetivos. O núcleo da equipa é essencialmente o mesmo e pretendemos lutar pelo campeonato.

E até fazer o triplete?

Sim, nós estamos à procura disso. Já é a terceira época que vamos ter essa oportunidade de juntar a Supertaça ao Campeonato e à Taça de Portugal. No ano passado, correu mal na Supertaça e na Taça de Portugal, no ano anterior tinha sido na final da Taça de Portugal. Esperemos que este ano consigamos estar consistentes o suficiente para juntarmos os três troféus.

O apoio é cada vez maior numa modalidade que não é tão praticada e conhecida em Portugal?

Eu acho que o polo aquático é uma modalidade pouco conhecida em Portugal, mas que em Guimarães e no Vitória temos feito um trabalho muito meritório no sentido de evoluir e de dar a conhecer a modalidade. Óbvio que, com os resultados, também há mais pessoas a querer acompanhar-nos e a estar por perto. Os vitorianos, principalmente nos momentos de decisões, nos play-offs do ano passado, tiveram uma presença massiva e é sempre bom jogar com a bancada cheia de gente a puxar por nós.

“Urge a necessidade de uma piscina com outras dimensões e condições.”

Como é que vês o projeto do Vitória no polo aquático?

O projeto de polo aquático no Vitória está de boa saúde. Acho que, como todas as modalidades amadoras, debatemo-nos com problemas estruturais, nomeadamente no que diz respeito ao espaço de treino. Nós partilhamos uma piscina, que é a única com condições de praticar polo aquático em Guimarães. Já há muitos anos que é a única.

Urge a necessidade de uma piscina com outras dimensões e condições. Há essa promessa por parte da autarquia, já por várias vezes que lá estivemos, de que isso vai efetivamente acontecer. Agora estamos muito limitados em termos de espaço. E depois do fecho da piscina dos bombeiros, que o Vitória explorava, temos que partilhar o espaço da água com a natação pura, os utentes e os escalões de formação.

Isso torna-se complicado em termos de condições de espaço, e é isso que precisamos para dar o nosso salto. Tivemos também alguma dificuldade na pandemia, com a perda de atletas, sobretudo nas camadas jovens, e estamos agora num trabalho de recuperação que tem sido bem feito.

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De que forma um espaço que seja utilizado apenas pelo Vitória pode beneficiar a modalidade?

De várias formas, desde logo, em horários de treino. A equipa principal treina em horários que são verdadeiramente horríveis para quem quer ter uma vida compatível com ser atleta. Estamos a falar de uma equipa amadora, que, apesar de ter um compromisso profissional e treinarmos todos os dias, os atletas têm uma atividade paralela, estudam ou trabalham.

Sair daqui às 23h00 e alguns ainda vão para o Porto ou Póvoa de Varzim, para no dia a seguir terem um dia normal, é difícil. E nos nossos escalões de formação, porque temos miúdos que não conseguem ter o campo inteiro para treinar. Miúdos de 12 anos saem daqui às 21h30. Não são horários apropriados para o fazermos.

É uma dificuldade grande os atletas terem de conciliar o trabalho com o polo aquático?

Sim, sem dúvida. Acho que o maior mérito de todo o atleta amador em Portugal, mas sobretudo os nossos atletas que cá estão todos os dias, é exatamente esse. Digo os nossos e nas outras equipas os cenários não são muito diferentes, apesar de haver outro tipo de condições noutros sítios.

Mas conseguir conciliar a exigência da vida profissional, seja os estudos ou atividade profissional com a vida pessoal, vida familiar e desporto de alta competição, é extremamente difícil, e acho que os atletas são verdadeiros heróis por conseguirem fazê-lo da forma que fazem.

A conquista das competições europeias era um objetivo?

Nos dois anos anteriores em que participamos na Liga dos Campeões e na Eurocup, as equipas são de outro nível e o nosso objetivo era ganhar experiência, ter contacto com outras realidades e evoluir. Esta Challenger Cup era uma competição feita mais à nossa medida, tanto que os jogos foram bastante equilibrados.

Ficamos um pouco aquém do que penso que poderíamos ter feito. Não posso dizer que o objetivo era vencer a competição, porque íamos apanhar equipas de patamares superiores, mas penso que podíamos ter ido mais longe. Foi por um golo, podíamos ter feito mais, mas o desporto, como na vida, é assim. Às vezes ganhamos, outras vezes perdemos.

O Vitória foi eliminado por um golo. Qual foi o sentimento da equipa?

O sentimento foi de frustração, de desilusão, alguma revolta por situações que aconteceram durante a competição, mas temos que seguir e continuar. Temos que ser capazes de dar a volta e retirar a parte boa, e mais uma vez, ver o copo meio cheio.

Como é a base de treinos de polo aquático?

Em termos de volume, treinamos por volta de 12 horas por semana. Treinamos todos os dias, de segunda a sexta-feira, cerca de duas horas e meia a três. Nos dias antes do jogo treinamos menos um bocado e temos o jogo ao sábado. É uma modalidade que exige muita capacidade física e daí as horas de treino. A questão do meio ser diferente, aquático e não um meio terrestre, exige um treino específico. Por isso, entroncando na questão de conseguir conciliar tudo, com esta exigência, torna-se ainda mais difícil. Mas é isto que torna o polo aquático uma modalidade verdadeiramente apaixonante e fascinante.

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“O polo aquático foi apontado por várias vezes como a modalidade mais completa do mundo.”

Que parte tentas focar mais nos treinos?

O polo aquático foi apontado por várias vezes como a modalidade mais completa do mundo. Muitas vezes falou-se da natação, mas é meter em cima da natação a bola, técnica, tática e contacto físico. Acho que a questão física é, sem dúvida, a base, mas o atleta de polo aquático tem de ser extremamente evoluído e equilibrado em todos estes fatores: a questão física, a questão técnica, tática e mental também.

O QI do atleta e a inteligência emocional são fundamentais. Por isso tentamos trabalhar todas estas questões que são importantes para um atleta se apresentar a um bom nível.

O Vitória tem dois atletas estrangeiros. Trazem algo de diferente para a equipa?

Nós aqui já fomos lidando com atletas estrangeiros, já tivemos sérvios, húngaros e croatas, e esses países são efetivamente referências na modalidade. A Sérvia, Hungria, Croácia, Montenegro, Itália, Grécia e Espanha são realmente referências. Este ano temos um jogador búlgaro e um canadiano, sendo que a Bulgária é um país que há 40 anos tinha muita tradição, e neste momento está num nível abaixo do nosso.

Mas são jogadores jovens, com potencial e que nós decidimos adicionar ao nosso plantel. Temos um canadiano, que vem de um país que está bem acima do nosso ranking, mas não está junto das potências que falei antes. Portanto, são jogadores que vieram aportar coisas diferentes, são jovens, têm potencial, mas se calhar não estão enquadrados naquele jogador estrangeiro que tivemos há uns anos, como sérvios e húngaros, que vinham de uma realidade diferente.

“Estou na minha cadeira de sonho, porque é o meu clube e onde fui formado.”

No Vitória és tetracampeão. Vias-te no futuro a pisar outros palcos, como a seleção nacional ou equipas estrangeiras?

Isso tem a ver essencialmente com o aquilo é a minha vida pessoal e familiar e estou muito bem cá, porque como toda a gente sabe eu sou vimaranense e vitoriano. Sem querer ser clichê, e já o disse antes, posso dizer que estou na minha cadeira de sonho, porque é o meu clube e onde fui formado, onde ganhamos títulos. Portanto, não podia estar mais satisfeito.

É óbvio que fica sempre aquela questão, já houveram oportunidades de ir para outros clubes nacionais e internacionais, mas não sendo uma atividade única e exclusiva, a parte pessoal e familiar também pesa. Portanto, talvez, se me perguntasses isto há dez anos, mas neste momento é muito importante a minha estabilidade familiar. Fui pai há dois anos e isso também é uma parte muito importante da minha vida.

A nível nacional, como vês o polo aquático?

O polo aquático nacional foi passando, ao longo do tempo, por várias fases de desenvolvimento. Nos últimos anos, assistimos a desaparecimento de equipas, sobretudo em zonas onde há menos. Neste momento, as equipas estão muito mais concentradas a norte. Assistiu-se ao desaparecimento de equipas em Lisboa, Alentejo, Algarve, que eram referências nacionais.

Lembro-me da equipa da Portinado, de Portimão, que foi campeão nacional mais que uma vez e jogou as competições europeias. O desaparecimento dessas equipas fruto de falta de apoio e de condições financeiras é muito triste e faz com que a modalidade não evolua de uma forma progressiva.

Acho que os clubes estão a fazer o seu trabalho, estão a procurar apostar mais na formação e nos treinadores, sejam estrangeiros ou nacionais. Portanto, o trabalho está a ser feito, agora estruturalmente não é fácil. E temos assistido a alguns avanços e recuos nesse sentido.

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Como vês o futuro da modalidade em Portugal?

Eu gosto sempre de ver o copo meio cheio, ser otimista e acreditar que dias melhores virão. Vejo com alguma apreensão no sentido da quebra de atletas na altura da pandemia. Isso foi notório e acho que todas as modalidades sentiram isso. Portanto, agora é o trabalho de os clubes e as equipas se reorganizarem, reagruparem e voltarem a recrutar jovens atletas que gostem do polo aquático e que o queiram praticar para as suas fileiras.

“Depois temos a questão da monocultura desportiva no nosso país, que é futebol, futebol e futebol.”

Qual é a razão pela qual os miúdos, hoje em dia, optem mais por começar a sua formação noutras modalidades e não tanto nas que são menos praticadas, como o polo aquático?

Desde logo porque é menos conhecida e é menos dada a conhecer. Costuma-se dizer “quem não é visto não é lembrado” e o que é certo é que nós não somos vistos muitas vezes nos órgãos de comunicação social nem na televisão. Acho que é um trabalho que as estruturas têm de fazer melhor, desde as federações às instituições e aos clubes.

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Mas depois temos a questão da monocultura desportiva no nosso país, que é futebol, futebol e futebol. E sem dúvida que também é uma modalidade apaixonante, eu também gosto, mas acho que parte essencialmente de ser aquilo que conhecem. Outras modalidades padecem das mesmas dificuldades, se calhar de outra forma que nós.

Os miúdos, de uma forma geral, primeiro querem experimentar o futebol, e depois é que dão oportunidade ao resto. São raras as exceções, quando há influência de um amigo, de um pai, de um familiar ou por acaso de andarem na natação e gostar. Portanto, acho que é um trabalho que temos de continuar a fazer, de dar visibilidade, dar mediatismo, mostrar o quão apaixonante e espetacular é e continuar nesse caminho.

Achas que há uma cultura intrínseca nos portugueses de verem só futebol e poucas outras modalidades?

Sem querer ser repetitivo, se olharmos para um jornal desportivo, conseguimos ter uma página para uma mulher com pouca roupa, três páginas para as modalidades todas e o resto é futebol. E não culpo os jornais, isso tem a ver com a questão do consumo. O consumidor procura aquilo e quem vende, vende aquilo.

Acho que aí, as estruturas organizativas, quem tutela e o próprio Governo devem fazer um trabalho junto das associações de apostar, de mediatizar, de dinamizar, divulgar para que as modalidades cresçam. E também as condições. Já tivemos essa discussão internamente, estamos praticamente no nosso limite daquilo que é o número de atletas em termos de formação.

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