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Zul: Uma luz disfarçada

Entrevista publicada na edição de janeiro da revista Mais Guimarães.

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Cláudio Pacheco, Pedro Rompante, Rui Silva e Miguel Machado. Juntos são os Zul. Começaram em 2019, com outros elementos e outro nome. A pandemia veio, de certa forma, fazer a banda crescer e lançaram um EP em 2022. Em dezembro, aventuraram-se e mostraram uma versão da “Vejam bem”, de Zeca Afonso. Não se consideram uma banda de intervenção, mas são várias as mensagens que têm para passar.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Estamos com três elementos dos Zul, três de quatro… Guimarães, Moreira de Cónegos, Vila das Aves e Porto, como é que se juntam pessoas destas zonas?
Cláudio Pacheco (CP):
Sim, a banda foi fundada em 2019, inicialmente com outro nome. Éramos três quando viemos para aqui pela primeira vez. Começamos a ensaiar e, na altura, a nossa procura principal era alguém para cantar, ter uma segunda guitarra na banda com alguém que cantasse. O Gerson disse-nos que conhecia um rapaz que sabia cantar, que dava um jeito. É assim que conhecemos o Kurt [Pedro Rompante] a meio da pandemia, a meio do confinamento da Páscoa. O Kurt começa a fazer as audições de forma remota e instantaneamente achámos que era exatamente aquilo que nós precisávamos, era exatamente aquela pessoa que nós procurávamos. O resto dos membros conhecemo-nos todos em Guimarães, numa jam no Tribuna. Já conhecia o Miguel, porque ele era aluno do mesmo professor que eu. O Rui apareceu, caiu-nos do céu, até porque ele é do Porto, estava a estudar cá e estava à procura de uma banda.

Então juntaram-se já com o objetivo da música…
Miguel Machado (MM):
Sim, o Rui estava à procura de uma banda e o Cláudio também estava à procura de criar uma banda e já estava junto com o Alex. Juntaram-se ao Rui e procuraram um baixista. Arranjaram um que não ia aos ensaios e depois arranjaram um que ia aos ensaios. Portanto a escolha era fácil.
CP: Mal nos juntamos todos, estávamos todos com o mesmo foco. Foi fazer isto com o foco de fazer música, mas também para nos divertirmos um bocado, para sair um bocadinho das nossas zonas de conforto.
Pedro Rompante (PR): Uma pessoa gostar do que está a fazer é o mais importante numa banda. O sucesso é o que poderá vir, poderá nunca chegar. Acho que todos temos esse espírito, todos gostamos do que estamos a fazer.

Até porque vocês têm todos trabalhos extra os Zul. É fácil de conciliar?
CP:
O meu não podia ser mais fácil, porque trabalho em remoto. Tenho que estar muito focado, mas, como estou em casa, tenho sempre aquele tempo para conciliar tudo se tiver que tratar de coisas em casa.
PR: Nós ensaiámos sempre em pós laboral, se vivêssemos disto, se calhar, ensaiávamos o dia todo e começávamos mais cedo. Mas vamo-nos organizando. Também o facto de não sermos todos do mesmo sítio acaba por ser mais difícil, mas quando se gosta arranja-se sempre maneira de ultrapassar essas barreiras.

E porquê Zul? Que, curiosamente, é luz ao contrário…
CP:
O facto de ser luz ao contrário tem muito sentido, porque, inicialmente, nós chamávamo-nos Lamp. Somos uma banda que gosta sempre de dar ênfase de onde viemos. Gostamos sempre de nos lembrar de onde é que viemos. Lamp tem a ver com luz também e nós achamos que uma banda chamada Luz seria algo banal e demasiado direto. Zul veio de uma discussão muito grande neste estúdio e veio exatamente de luz ao contrário. Inicialmente não ficamos logo com o nome…
PR: Até porque há um simbolismo em torno do facto de ser luz ao contrário. É quase como uma luz que está disfarçada. Para trazer luz ao mundo, às vezes, não podemos ser demasiado diretos, há sempre alguém a tentar apagar essa luz.
MM: Eu só acho que Zul é fixe [risos].

Como é que surge depois o vosso primeiro o primeiro EP, “Zul”?
CP:
O EP basicamente já estava meio que em andamento. Começamos a compor o EP no início da banda. Quando veio o covid nós tivemos as primeiras alterações na banda, ficamos sem alguns membros, e foi aí que nos estabelecemos como um trio, na altura. Das músicas que temos no EP, duas delas surgiram à última da hora. Eu e o Rui, depois de ficarmos sem os membros, viemos para aqui ensaiar e compusemos uma música que dividimos em duas e é assim a única que vem um bocadinho antes do início das gravações. O resto foi surgindo, detalhes, sons,… O Kurt entrou e o EP já estava 80% gravado, só faltava gravar os baixos.
PR: A questão da pandemia também atrasou o processo, foi mais demorado por causa disso e, de certa forma, fez com que eu chegasse a tempo.
CP: Foi algo que nós sempre dissemos e mesmo quem nos produziu o EP disse isso. Ainda bem, por um lado, que a pandemia chegou. Porque tivemos tempo para amadurecer como músicos, o que também foi muito importante. Mas também porque o Kurt entrou. Se calhar, se o EP não tivesse as vozes dele não era Zul.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Mas havia havia outra pessoa na voz ou vocês não tinham, de todo, voz?
CP:
Era eu.

Não sei se isso é bom ou não… [risos]
CP:
É terrível… Eu detestava cantar e ainda não é uma coisa em que me sinta 100% confortável. Gosto mas não é algo que me queira focar. Foi por isso que procuramos alguém.

Voltando ao EP, ia perguntar-vos precisamente como é que é o vosso processo de criação.
PR:
Música em primeiro. A letra surge depois. Se bem que às vezes posso aproveitar coisas que escrevi, nem que seja para inspirar.
CP: O Rui [baterista] vai de acordo com aquilo que nós vamos tendo. Eu por norma trago a linha para nós explorarmos e ver o que é que conseguimos fazer. Vamos fazendo cada um a sua parte, como é lógico, juntámos tudo e vemos o que é que é preciso.
PR: No fundo, alguém traz uma ideia e tentamos trabalhar e construir sobre essa ideia. Outras vezes fazemos uma jam e às vezes surgem ideias daí também. As letras vêm depois, até por questões de métrica.

Há bocado falaram na questão do nome da banda não ser direto. Como é que são as letras?
PR:
Há sempre um cariz muito social, crítica social. Existe sempre um lado muito existencial, a condição do que é ser humano, estar aqui, para onde queremos levar isto. Estamos a responder por nós próprios, mas, no fundo, para a humanidade no geral. As letras, no fundo, têm a ver com isso: depressão, frustração, crises, uma certa crítica a alguns preconceitos e algumas ideias que consideramos erradas…
CP: Gostamos de tocar nas feridas. Mas gostamos de tocar nas feridas disfarçadas. É tal como o nome… não gostamos de ser completamente diretos, mas gostamos que as pessoas percebam que estamos a tocar em certa ferida. Se estamos a falar de depressão não queremos falar diretamente, mas quando a pessoa lê a letra e ouve a música percebe. Pessoalmente, acho que é uma forma de nós nos inspirarmos e vem da forma de nós compormos. Gostamos de compor de acordo com aquilo que estamos a falar. Se estamos a falar de guerra não podemos, por exemplo, tocar músicas calmas. Pode ter uma passagem mais calma, sim. Também gostamos de dar sempre uma parte de esperança.
PR: Existe sempre um lado de esperança, até no sentido de tentar mudar alguma coisa que esteja errada. Não somos uma banda de intervenção, não nos apresentamos como tal, mas há sempre um lado que acaba por ser interventivo. Em relação ao óbvio, há um artista que diz que o óbvio é aborrecido e velho. Eu acredito um bocado nisso, no sentido em que se for demasiado óbvio as pessoas acabam, se calhar, por não pensar tanto sobre. Se tiveres que pensar sobre aquilo, vais ser obrigado a digerir mais aquilo.
CP: Houve uma coisa que me disseram sobre o EP que me ficou na mente porque é exatamente isto que nós queremos. Na última música, o que começa é uma linha de baixo do Miguel. Quem ouvir a linha pode achar que a linha é um bocado dissonante. A pessoa disse-me isto, mas quando cai na música em si, quando abre tudo, é como se estivéssemos a cair num conforto. É exatamente isso que nós queremos transmitir, é que, no meio disto tudo, há sempre conforto, há sempre alguma coisa que vale a pena agarrar. E se as coisas estão estranhas ou se são diferentes, só temos que nos ambientar a essa coisa porque pode correr bem.

Como é que vocês se definem enquanto banda?
Rui Silva (RS):
Nós tentamos fazer aquilo que nós gostamos e não necessariamente aquilo que queremos que as outras pessoas ouçam. Tentamos ao máximo expressar-nos e utilizar a música como veículo daquilo que nos vai na alma ao invés de fazer entretenimento. Usar também o poder da música como mensagem social e como algo que possa impactar quem ouça de outra forma que não só “olha que música gira”.

Finalmente com o quarto elemento presente, podemos dizer que passaste no teste. Foi coerente com o que foi dito até agora…
CP: Se for para falar em rótulos, somos os Zul. Somos uma mistura de muita coisa diferente. Não podemos dizer que somos uma banda de rock ou metal progressivo. Hoje estamos a tocar coisas mais pesadas e amanhã podemos decidir lançar um álbum acústico.

© Cláudia Crespo / Mais Guimarães

Um bocadinho nesse sentido, lançaram recentemente “Vejam bem”. Porquê Zeca Afonso, porquê português?
PR:
Eu gosto muito de cantar em português e tínhamos um set de músicas para tocar. Pensamos em fazer uma versão de alguma música e eu sugeri a “Vejam bem”. É improvável e o pessoal na altura ficou: “Zeca Afonso? Vejam bem?”. Mas aceitaram o desafio e acho que resultou bem.
CP: Posso dizer que, inicialmente, eu era contra [risos].
PR: Acho que podemos dizer que, entretanto, já temos algumas músicas novas e, se calhar, vai haver alguma que é em português.
RS: Às vezes discutimos um bocadinho isto. O que seria, sei lá, do Rui Veloso se ele tivesse nascido do outro lado? Se calhar era muito maior do que aquilo que é. E nós, como somos pessoas que sonham baixinho, utilizamos se calhar o inglês, numa fase inicial, como “queremos chegar a mais pessoas, queremos que toda a gente entenda aquilo que nós estamos a tentar dizer”. Contudo, nós somos portugueses e a nossa língua é a língua portuguesa e temos muito orgulho naquilo que nós somos e fazemos. Encontrámos agora, nesta nova fase, uma nova sonoridade, digamos. Isto também foi discutido há pouco tempo, é um bocado recente. Foi discutido há pouco tempo a questão de nós, até agora, estarmos em construção e agora termos chegado a uma base que somos nós, que soa a nós, finalmente. Claro que temos outras coisas no baú e claro que eventualmente vão sair outras coisas que mostrarão outros facetas nossas, mas julgo que é isto a nossa base. E o facto da própria música ter esse cariz social, ainda dá mais força a essa nossa face.

Indo por aí, pelos sonhos que inevitavelmente toda a gente tem, perguntava se é fácil chegar longe vindos desde cidades que não Lisboa ou o Porto, os habituais grandes centros.
PR:
O circuito em Portugal é pequeno e o caminho é penoso. Existem poucos espaços para tocar, muita malta a tocar e a tocar muito bem. Então temos que ir batalhando e chegando cada vez mais longe. A questão da da pandemia acabou por tirar um bocado a rotina dos concertos nos bares. Os bares demoraram até quererem ter concertos outra vez, porque as pessoas não aderiam. Acho que isto ainda não está a 100% e ainda se está a adaptar ao pós pandemia. Há cada vez mais espaços e acho que também estamos a conseguir mais facilmente, agora, arranjar mais espaços. Mas não é fácil, porque o circuito é pequeno e há muitos sítios que, como não nos conhecem, não querem arriscar.
RS: Depois também temos aquela questão do estado artístico em Portugal que está pela hora da morte, como todos sabemos. Está “pela hora da morte desde 1143, desde o Condado Portucalense que está em crise”. É muito complicado furar, é muito complicado existir e viver disto, sobretudo. A questão de ser um meio pequeno, chega-se a um ponto em que tu já conheces toda a gente, são sempre os mesmos cromos. O que diz muito sobre a forma como as coisas são tratadas, as oportunidades a quem são dadas… e não é por falta de qualidade. Isso acaba por ser frustrante e, na música, acaba por também acontecer isso. É uma luta constante. Uma pessoa quer chegar e dizer “estamos aqui, fazemos isto”, mas muito pouca gente quer ouvir porque têm outras pessoas, têm outras entrevistas para dar, têm outros palcos para dar.
PR: E também temos a questão do investimento em relação à cultura e à arte. Toda a gente sabe que é um investimento baixo e isso depois reflete-se, lá está, na oportunidade dos artistas para terem espaço, para terem palco… É uma bola de neve. Em Portugal não há falta de artistas de qualidade, acho que Portugal é um país que produz muitos artistas, até. Tem que se mudar o paradigma em Portugal e investir mais na cultura e na arte.
CP: Não, não é fácil. Mas temos que chegar a um ponto em que a qualidade também vai ter que falar por ela própria. E se a banda tem qualidade e se a banda não desiste, porque a maior parte das bandas têm qualidade mas desistem… Às vezes recebemos o sim e é nesse sentido que temos que nos focar.

E focando-nos em Guimarães, que foi um dos vossos primeiros palcos, no Café Concerto… Acreditam que Guimarães tem espaço para toda a gente?
CP:
Há certos sítios que sim, que arriscam. Há outros que não, mas, nos últimos anos, os sítios que não arriscavam antes começaram a abrir portas. O Café Concerto é um deles. Disseram-me uma coisa, estes dias – não querendo dizer que foi o nosso caso -, que Guimarães é uma madrasta muito boa e uma mãe muito má. Temos excelentes músicos em Guimarães, sem dúvida alguma. O problema é que, como o Rui disse, muitas das vezes as ofertas são oferecidas àqueles. Se calhar está na altura de começar a abrir mais as portas. E a verdade é que Guimarães tem muitos sítios, portanto não há razão nenhuma para, se nós temos 50 bandas em Guimarães, porque é que essas 50 não aparecem uma vez por ano?

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