ACIG: RETRATO DE UMA INSOLVÊNCIA ANUNCIADA

Em março de 1865, vários comerciantes vimaranenses reuniram-se na residência do comerciante António Espírito Santo com o fim de criar uma estrutura associativa. 154 anos depois, a associação vive o período mais conturbado da sua história.

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Reconhecido pelo seu carácter industrial e exportador, o concelho de Guimarães viu, no passado dia 30 de outubro, o Tribunal de Comércio de Guimarães a declarar a insolvência da Associação Comercial Industrial de Guimarães (ACIG). Concretizou-se, assim, o desfecho apontado pelo presidente da direção demissionário, Filipe Vilas Boas. Em maio, a ACIG formalizou um Processo Especial de Revitalização (PER), na sequência de dívidas na ordem dos três milhões de euros. Esta é só a história mais recente da ACIG, cujo início remonta a 1865. Uma associação que representa o tecido empresarial vimaranense e que foi responsável, por exemplo, pela criação da originalmente designada Escola Francisco de Holanda e pela CISAVE .

Guimarães é um concelho marcadamente industrial, no qual, de acordo com dados de 2015 do Instituto Nacional de Estatística (INE), 36.095 dos habitantes trabalham no setor secundário, ocupando o primeiro lugar a nível nacional. A isto junta-se um centro histórico qualificado pela UNESCO, com espaços comerciais espalhados pelas várias artérias, que acolhem milhares de turistas – especificamente 10.398 no primeiro trimestre de 2019, segundo a autarquia vimaranense. Apesar da sua forte componente comercial e industrial, Guimarães ocupa o 79º lugar a nível nacional em termos de Índice de Poder de Compra, segundo dados do INE de 2015. Tais fatores contribuíram e refletiram-se na história da ACIG, segundo Manuel Martins, atual presidente da Assembleia Geral e anterior presidente da direção. “Uma associação empresarial, do ponto de vista formal, representa a economia da região onde está inserida e a economia deste concelho é extraordinária. Porém, há aqui uma diferença muito grande entre a importância económica de Guimarães e o poder económico dos vimaranenses” explica.

Segundo Manuel Martins, as dificuldades da associação “aplicam-se a muito mais de 50% das associações empresariais do país. Umas estão menos mal que outras”. Prova disso, defende, foi a criação do Conselho Empresarial do Ave e do Cávado (CEDRAC), um organismo privado sem fins lucrativos que agrega nove associações empresariais representativas do tecido empresarial das sub-regiões do Ave e do Cávado. “Procurou ser uma resposta a essas dificuldades e necessidades que todas sentiam”, conta. Manuel Martins dá ainda o exemplo da Associação Comercial de Braga (ACB), que esteve “numa posição tão grave com está a ACIG”. “A ACB também tem uma sede no centro histórico e teve que a vender para pagar as dívidas e ainda não acabou de as pagar. A solução foi vender a sede a um fundo de investimento e realizar um contrato de arrendamento, e, portanto, são inquilinos do fundo a quem venderam a sede. Simultaneamente, fizeram um contrato-programa com a Câmara Municipal de Braga e, nesse âmbito, estão a receber cerca de 200 mil euros anualmente, que evidentemente responde à grande maioria das despesas que têm”, explica.

Olhando para o tecido industrial do concelho, Manuel Martins explica que cada setor tem uma associação correspondente e, sendo a ACIG uma associação “generalista”, “as empresas ou têm uma ligação histórica e emotiva com a associação do concelho a que pertencem, acumulando as duas, ou não optam pela ACIG”, aponta.

Um comércio local que ainda não recuperou da crise

Por outro lado, Manuel Martins defende que o comércio local ainda não recuperou da crise de 2008/2009. “Não há nenhuma comparação entre a vitalidade do comércio em Braga e a vitalidade do comércio em Guimarães, porque o poder de compra é muito superior em Braga. Não é a única razão, mas será a principal”, afirma. O presidente da Assembleia Geral da ACIG recorda que 2012 foi um ano positivo para o comércio vimaranense, um ano que até hoje não foi igualado devido a várias condicionantes, como a falta de estacionamento. “Com as obras que se fizeram em 2012, reduziram-se cerca de 400 lugares de estacionamento e sempre falaram em fazer um parque, mas o parque foi inaugurado muito recentemente. Além disso, as pessoas têm alguma relutância em gastar 20, ou 50 cêntimos em estacionamento. Naturalmente, quando o poder de compra é mais baixo, mesmo sendo uma questão psicológica, também é uma questão de disponibilidade”, admite.

Manuel Martins acredita que o número de turistas que Guimarães recebe é “enganador” pois estes “não fazem compras no comércio tradicional”. “Podem comprar as lembranças de turismo, ir as pastelarias ou restaurantes, mas não compram roupa nem sapatos, por exemplo, e, portanto, a vitalidade do centro histórico tem principalmente a ver com turismo e o turismo não engloba o comércio tradicional”, frisa.

Alteração legislativa prejudica associações

Por outro lado, do ponto de vista legislativo, as autarquias passaram a ter uma maior intervenção na gestão dos fundos comunitários. “As Câmaras começaram a fazer candidaturas que eram áreas de atuação das associações empresariais. As candidaturas aprovadas eram indiretamente uma forma de financiamento da ACIG. Tendo reduzido os projetos aprovados, aquela parte dos salários, que no fundo eram pagas pelos projetos aprovados, diminuiu”, refere. Para esta alteração, Manuel Martins defende que eram necessários reajustamentos. “Nos concelhos onde a concertação entre as Câmaras e as associações empresariais não foi tao eficiente houve mais dificuldades”, aponta. Acrescente-se que a associação realizou obras no seu edifício sede, há cerca de 10 anos, que custaram aproximadamente 2 milhões de euros e os subsídios recebidos “não pagaram tudo”, confessa. “Tivemos que contrair cerca de 700 mil euros de empréstimos, que fomos pagando todos os anos”, admite. Recentemente formaram-se a Associação de Jovens Empresários, a Associação Vimaranense de Hotelaria e a Associação de Jovens Empresários de Guimarães, fator “que também não favoreceu” a ACIG, lamenta.

Empresários à procura de solução

Apesar da insolvência, Manuel Martins admite que “há empresários que estão em contactos para procurar uma solução”. O responsável esclarece que “a insolvência é um caminho reversível, porque o valor do edifício paga quase totalidade das dívidas”. Por sua vez, a autarquia estará legalmente impedida de atribuir subsídios a quem tenha dívidas à Segurança Social ou às Finanças. “Digamos que a autarquia, querendo-se comprometer, facilitaria tudo e seria mais de meio caminho andado. Do total das dívidas, devem ser apenas cerca de 5% à Segurança Social”, esclarece.

Da criação à insolvência, 154 anos de ACIG

Em março de 1865, vários comerciantes vimaranenses reuniram-se na residência do comerciante António Espírito Santo com o fim de criar uma estrutura associativa. Os primeiros estatutos foram aprovados a 3 de outubro do mesmo ano, por Alvará Régio, iniciando-se assim, legalmente, a vida da Associação Comercial de Guimarães. 17 anos depois, em junho de 1882, a associação, com aprovação de novos estatutos, passa a abranger também o âmbito industrial. A denominação de Associação Comercial Industrial de Guimarães oficializa-se em julho de 1992. Uma das principais propostas foi a de criação de uma escola profissional em Guimarães, que veio a resultar, a 13 de fevereiro de 1884, na Escola Industrial Francisco de Holanda. A primeira exposição de total responsabilidade da associação, a Exposição Industrial e Agrícola, ocorreu em 1923. Entre 1933 e 1977, algumas alterações de estatutos alertaram designação e a atuação da ACIG, porém, esta manteve a sua génese e preservou a representativa da atividade económica do concelho. Na primeira metade dos anos noventa, uma profunda reestruturação interna levou à criação de Gabinetes Técnicos Especializados, conferindo um papel mais interventivo à ACIG. Em 1991, a ACIG criou a CISAVE – Escola Profissional. Em 2009, ficaram concluídas as obras de recuperação e ampliação da sede social da ACIG, situada na Rua da Rainha.

Filipe Vilas Boas

Mas a história da ACIG fica precisamente marcada pelo dia 30 de outubro, em que o Tribunal de Comércio de Guimarães declarou a insolvência da Associação Comercial e Industrial de Guimarães. Ainda antes, em maio deste ano, a ACIG formalizou um Processo Especial de Revitalização (PER), na sequência de dívidas na ordem dos três milhões de euros Em agosto, o edifício sede da ACIG esteve duas vezes à venda, mas apenas surgiu uma proposta, na ordem do milhão e meio de euros. Na altura presidente da direção da ACIG, Filipe Vilas Boas afirmou que a proposta não foi “ao encontro das expetativas”, não sendo suficiente para saldar “dívidas do edifício, pagar a funcionários, autoridades tributárias e banca”.

Em setembro, foi altura de a direção da Associação Comercial e Industrial de Guimarães (ACIG) apresentar a sua demissão. Os cinco diretores, encabeçados pelo presidente Filipe Vilas Boas, demitiram-se do cargo. Filipe Vilas Boas, revelou, na altura, que a decisão foi formalizada com atencedência porque era necessário, antes de tudo, “acautelar o processo da CISAVE”, que está agora sob a tutela da Associação Industrial de Fafe. “Foi um assunto que conseguimos resolver e levou ao adiamento da decisão [de pedir a demissão]. Estando resolvida a questão da CISAVE não havia mais nada a fazer como órgão de gestão administrativo da ACIG”, concluiu. O presidente demissionário advertiu que “as pessoas e empresários” vão sentir falta da associação. “As pessoas ainda não estão convictas que a ACIG vai fechar, é só uma crise”, frisou. Filipe Vilas Boas apontou ainda que a direção teve o cuidado de guardar o espólio das instituições públicas de Guimarães”, como o Arquivo Municipal Alfredo Pimenta e o Museu Alberto Sampaio e reiterou que a associação com mais de 150 anos “foi importante no passado e ainda vai ser mais importante no futuro. As pessoas não estão a ver isso”. A CISAVE – Escola Profissional está agora sob tutela da Associação Industrial de Fafe. O edifício da ACIG, localizado na Rua da Rainha, no centro histórico da cidade, está classificado como de interesse público desde 1977.

ACIF e ACB lamentam situação da ACIG

A Associação Comercial e Industrial de Famalicão (ACIF) olha para o momento que a ACIG vive “com preocupação” porque se trata do “reflexo da falta de apoio e de financiamentos de que padecem as Associações”. Fernando Xavier Ferreira explica que foram criadas “estruturas dimensionadas para os projetos e para a formação, financiados, esvaziando-se as Associações daquilo que era a sua função”. “Paralelamente a essa situação, os municípios começam, cada vez mais, a atuar naquelas que são as áreas de intervenção das Associações”, aponta. Fernando Xavier Ferreira acredita que é preciso “agir rapidamente para inverter este estado de coisas”.

Por sua vez, Domingos Macedo Barbosa, presidente da Associação Comercial de Braga (ACB) diz olhar para a situação “com grande preocupação”. “Neste caso, não é uma associação qualquer. É uma das associações empresariais mais antigas da região e que representa um dos concelhos mais industrializados e exportadores do país. Esta situação vem confirmar aquilo que já todos sabemos – é necessário repensar e reestruturar o modelo associativo do país”, defende.

O presidente da ACIF considera mesmo que a região “perde alguma da sua força”, acrescentando que o espaço que é deixado vazio “poderá ser ocupado por outro tipo de organismos que nada têm a ver com aqueles que são os princípios do associativismo”. Já para o presidente da ACB, a insolvência da ACIG teve, desde logo, “um impacto negativo na reputação do associativismo”. “A tendência natural da sociedade é para generalizar. E, na nossa região, estamos ainda a recuperar do impacto da decisão da extinção da Associação Industrial do Minho e somos, agora, confrontados com este problema da ACIG. Neste momento, o país olha com alguma desconfiança para o tecido associativo das regiões do Ave e do Cávado e temos de ser nós, os empresários e as associações, a reverter esta perceção”, acredita.

Relativamente ao futuro da ACIG, Fernando Xavier Ferreira defende que serão “os comerciantes e empresários do concelho de Guimarães a ter uma palavra a dizer, pelas necessidades que possam sentir e por serem a força viva do concelho, em termos económicos”, acrescentando que CEDRAC poderá também ter um papel importante numa eventual solução futura. Já Domingos Macedo Barbosa acredita igualmente que a melhor solução deverá ser protagonizada a nível concelhio, acrescentando que a ACB, há cerca de um ano, alargou a sua jurisdição ao distrito de Braga e também ao setor industrial e, nesse sentido, “terá todo o gosto em acolher as empresas que manifestem essa intenção”. “Nos últimos meses temos registado um número considerável de novos associados do concelho de Guimarães”. O Mais Guimarães tentou obter uma reação por parte também do presidente da Associação Comercial e Industrial de Barcelos, não tendo sido possível obter resposta.

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