ANTÓNIO XAVIER EM ENTREVISTA: UMA VIAGEM NO TEMPO

António Xavier nasceu a 10 de agosto de 1932, na rua Paio Galvão, nº.40, bem no coração da Cidade Berço. Cresceu por entre ruas e vielas de uma cidade que ajudou a construir e que agora olha com orgulho.

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António Xavier nasceu a 10 de agosto de 1932, na rua Paio Galvão, nº.40, bem no coração da Cidade Berço. Cresceu por entre ruas e vielas de uma cidade que ajudou a construir e que agora olha com orgulho.

O caminho de António Xavier começou a escrever-se em Guimarães ainda antes deste ter nascido. O pai, António da Silva Xavier, e o seu irmão vieram de Leiria para Guimarães e por cá se estabeleceram, com o próprio negócio. Nasceu no centro da cidade e tem 13 irmãos, fruto dos dois matrimónios do pai, todos eles envolvidos na área social.

“A primeira memória da minha infância foi ter perdido a minha mãe aos sete anos”. Fruto da educação e das crenças que a mãe lhe transmitiu, lembra-se de tudo que está ligado à religião, pois ia à missa todos os dias. A primeira comunhão e a comunhão solene foram dois eventos marcantes na sua vida. “A igreja tinha uma força muito grande e os conselhos do padre no ato de confissão eram muito importantes”.

As brincadeiras eram uma constante, mesmo no centro da cidade. Onde hoje se passeia, com boas vestimentas, António Xavier jogava os mais variados jogos. “Brincava no Toural. Ao lado (rua Paio Galvão) havia um grande campo de futebol”. A bola era improvisada, mas o gosto por ela não. Brincava até anoitecer e só era preciso ter cuidado com os carros, que naquela altura não eram muitos: “só passava o carro do padre e de algumas ricas. Era fácil jogar futebol”.

Para além da bola, que começava ganhar um grande peso no país, António Xavier jogava ao botão, com botões roubados em casa, ao reino, uma espécie de golfe improvisado, e ao famoso peão.

Estudou na Primária de Santa Luzia e no Liceu Martins Sarmento, que na altura se localizava onde agora fica o edifício da Câmara Municipal. Sempre foi bom aluno, mas tinha um “calcanhar de aquiles”: o francês. “Atravessar a cidade para ir para o Liceu não era fácil. Havia muita competição e era difícil escapar a confusões”. Por ter chumbado a francês, aos 11 anos, foi trabalhar para a empresa do pai, a apanhar alfinetes de aço. “Andava de gatas o dia todo”, conta. Ao mesmo tempo estudava um curso de Comercial, à noite, na Escola Industrial. O objetivo do curso era simples: formar contabilistas, mas António Xavier aproveitou o conhecimento para outros caminhos.

Trabalhou lá até aos 14 anos, altura em que foi para a Xavier Lda., uma fábrica de pentes para o cabelo, algo que estava na moda na altura. Pela cidade de Guimarães desenvolvia-se o mercado retalhista (compra e venda de roupa), a mercearia, lojas de fazendas (só mais tarde, com Pimenta Machado, se começou a entrar no mercado grossista) e linhos. Nos arredores da cidade reinava a agricultura e a curtição das peles, que deixava um cheiro insuportável. O têxtil só prosperou anos mais tarde.

Juventude marcada pelo hóquei em patins

A história de António Xavier não pode ser contada sem o seu grande envolvimento no desporto. Ainda muito jovem, fundou o hóquei em patins do Vitória, que surge depois da seleção portuguesa ter sido campeã do mundo da modalidade, na década de 50.

Dois irmãos da zona das Taipas começaram a despertar o interesse pelo hóquei em Guimarães, numa das Tertúlias habitualmente realizadas no Café Toural. O pavilhão da Escola Francisco de Holanda foi a primeira “casa da equipa”. No entanto, os jovens jogadores decidiram aproximar-se da direção do Vitória e começaram a usar o emblema do clube, assim como a própria sede. Os primeiros jogos foram disputados nas Taipas e na estreia nem sequer conseguiram marcar um golo.

Com a chegada do treinador Cunha Gonçalves, a equipa começou a melhorar e foi mesmo campeã regional. Com a venda de rifas, foi possível construir um ringue novo, no Campo da Amorosa.

Nem todas as grandes histórias terminam da melhor maneira e o hóquei do Vitória é exemplo disso mesmo. Numa eliminatória do campeonato, onde a primeira mão foi disputada em S. João da Madeira, a equipa de arbitragem não apareceu para apitar e a arbitragem ficou à responsabilidade de uma equipa de hóquei que estava na bancada para assistir ao jogo. Decorria a segunda parte e o Vitória jogava apenas com dois jogadores, António Xavier e o guarda-redes, que tentavam desesperadamente tapar a baliza. “Num raro momento consegui ficar com a bola, corri o campo todo e marquei um golo”. A derrota por 4-1 não abalou a equipa, mas sim o que aconteceu no final, quando os jogadores vitorianos foram agredidos pelos adeptos da casa.”O hóquei andava na boca das pessoas”

Na segunda mão, em Guimarães, o povo uniu-se para “vingar” os incidentes ocorridos. “O ringue estava totalmente cheio. O hóquei andava na boca das pessoas porque o futebol estava na 2.ª divisão e viam naquela equipa uma representação da cidade ao mais alto nível”. Quando a comitiva dos visitantes chegou junto do ringue, foi brutalmente agredida e o jogo nem se chegou a realizar. O relatório da polícia e do árbitro fez com que o Vitória fosse suspenso. Desta forma terminou o hóquei em patins para o principal clube da Cidade Berço.

Mãos à obra, a um “ritmo louco”

Aos 18 anos, António Xavier começou a ter uma “verdadeira formação”, com estágios na Alemanha para acompanhar um grande desenvolvimento na indústria: o plástico. “Passava tanto tempo tempo na Alemanha que até decidi aprender alemão”, disse.

Chegou a ter 800 empregados na XAVI, uma empresa diferente para os padrões da época. Tinha escola, com instrução primária e profissional, uma equipa de voleibol, feminino que ganhou três títulos nacionais consecutivos, e uma equipa de andebol masculino. “A nível social era uma das melhores do país”, refere António Xavier.

Depois de funcionar no centro de Guimarães, a XAVI mudou-se para S. Torcato, indo de encontro aos seus trabalhadores. “A maioria dos funcionários eram dos arredores de Guimarães, como S. Torcato, Gonça e Ponte”. Foram criadas carreiras para transportar os funcionários, quatro vezes por dia. Uma das fábricas da empresa foi inaugurada no dia em que os presidentes de Portugal (Francisco Craveira Lopes) e do Brasil (João Café Filho) estavam de visita oficial a Guimarães. “O comércio fechava todo, as pessoas tinham um grande orgulho em receber bem”. Porém, António Xavier não parava de trabalhar e inaugurava as máquinas. Anos mais tarde, a empresa viria a fechar por, segundo António Xavier, “influência dos sindicatos”.

Contudo, olha para o passado com um sentimento de fraternidade. “Os meus empregados eram a minha família. Ganhavam o pão deles e ajudavam-me a ganhar o meu”, sublinha.

Impulsionador do movimento associativo vimaranense

A família fundou uma tuna, dando a António Xavier acesso ao mundo musical. Conseguiu cumprir o sonho de entrar no “Ritmo Louco”, antecessor do Círculo de Arte e Recreio (CAR). Aprendeu a tocar gaita de beiços para conseguir entrar no grupo e, consequentemente, animá-lo. “Fui o trampolim para uma nova geração”, salienta. Chegou também a ser ator na secção de teatro.

Na década de 1960 foi fundador da Assembleia de Guimarães e membro de direções da Casa dos Pobres de Guimarães, hoje Lar de S. António. Esteve na linha da frente do movimento que criou a Unidade Vimaranense e a Unidade – Sociedade de Empreendimentos. Já depois do 25 de abril de 1974 presidiu à primeira.

Ao longo da sua vida colecionou atividades associativas. Foi, entre outras membro da Comissão das Festas Gualterianas, fundador da Assembleia de Guimarães, onde titulou vários cargos diretivos, foi presidente do Lions Clube de Guimarães e foi cooperante fundador d’A Oficina, onde exerceu (e exerce) cargos diretivos. Presidiu à direção da Muralha – Associação de Guimarães para a Defesa do Território e da Sociedade Martins Sarmento, durante dois mandatos.

António Xavier foi um dos grandes reivindicadores da construção do Parque Industrial de Ponte e da Universidade do Minho, em Guimarães. “Foram organizadas grandes manifestações, com panos negros nas varandas do Toural. Isto antes do 25 de abril era muito perigoso”, frisa.

Conciliar a Câmara e a Assembleia Geral do vitória

Durante 13 anos (1980-1993) foi presidente da Assembleia Geral do Vitória, cargo esse que conciliava com a presidência da Câmara Municipal de Guimarães. Na altura, esbarrava na forte liderança de Pimenta Machado, que exigia muito da Câmara. Para António Xavier, defender os interesses das duas partes era muito complicado. “O público ora aplaudia, ora assobiava”, narra.

O maior problema que encontrou foi a nova iluminação do estádio. Com a demora por parte da Câmara, Pimenta Machado desafiou os adeptos a manifestarem-se. Chegaram mesmo a partir  vidros e a forçar a entrada no edifício. Com a pressão, o “sim” acabou por ser dado e os ânimos acalmaram-se, tendo a Câmara Municipal assumido a despesa da obra no estádio.

Legado deixado na Câmara Municipal é motivo de orgulho

Em 1982 disputou as eleições municipais mas, não tendo suscitado a escolha maioritária dos vimaranenses, renunciou ao lugar de vereador, para regressar com nova candidatura nas eleições de 1985, que voltou a vencer, iniciando então um segundo mandato, entre 1986 e 1989, na presidência da Câmara Municipal.

A sua chegada a candidato à Câmara Municipal foi no mínimo caricata. No 25 de abril era presidente da Unidade Vimaranense e, por isso, tinha várias opiniões contrárias à Câmara Municipal Socialista. O pai aconselhava-o sempre a não se juntar à política: “ou se está a corpo inteiro ou não se está”.

Em setembro, quando fazia férias no Algarve, recebeu uma chamada a pedir-lhe para regressar imediatamente a Guimarães. Como a viagem era longa, acabou por rejeitar e continuar a gozar das férias.

Quando chegou a Guimarães, tirava as malas do carro e as pessoas aproximavam-se para lhe dar os parabéns pela candidatura. “Achei aquilo de loucos”, confessa. Passado umas horas percebeu que teria sido efetivamente o escolhido pela coligação PSD e CDS, numa altura em que nem era filiado de nenhum partido.

Numa primeira instância rejeitou o convite, pela opinião do pai e pela falta de tempo devido à sua empresa e aos cargos que ocupava em várias instituições. Contudo, o seu pai mostrou-se orgulhoso pela confiança que lhe estava a ser dada e acabou por concordar com a candidatura, que teria que se entregue no dia seguinte. Depois de uma boa campanha, foi eleito, mas sem maioria absoluta, ficando dependente das decisões do vereador da APU, Óscar Pires.

Projeto do centro histórico

Apesar de ter estado poucos anos na presidência da Câmara, António Xavier foi fundamental para a classificação de Guimarães como Património da Humanidade pela UNESCO. O seu projeto urbanístico ainda hoje é colocado em prática. “Ter detetado que havia uma jóia adormecida e perceber que podia ser uma grande atração” é um motivo de orgulho para o ex-presidente da Câmara. Em conjunto com o arquiteto Fernando Távora, elaborou um projeto a médio/longo prazo, pois “as casas no centro histórico estavam todas degradadas”. Hoje, congratula-se de ver concretizado tudo que imaginou.

“Primeiro o país, depois a família e a seguir a cidade de Guimarães”.
Foram estes os ensinamentos transmitidos pelo pai e que ainda hoje carrega.

Balanço dos primeiros 85 anos de vida

“Muito positivo. Senti-me sempre realizado”, referencia. Apesar de alguns revés, como a perda de grande parte da família e do encerramento da XAVI, António Xavier tem um grande orgulho no seu trabalho realizado juntos das instituições, como no infantário Nuno Simões e no Lar de Santo António e a sua passagem pela Câmara Municipal. “Deixei obra na Câmara e fiz um grande esforço porque não tinha experiência. Sinto que promovi sempre o diálogo civilizado entre todas as partes envolvidas”, conclui.

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