CONTRA O MEDO, PELA LIBERDADE

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Por José João Torrinha,
Advogado e Presidente da Assembleia Municipal de Guimarães
Num extraordinário documentário sobre a vida da genial Nina Simone, alguém lhe perguntava o que para ela era a liberdade. A cantora e pianista foi discorrendo sobre o sentimento de ser livre e como é difícil descrevê-lo.
E de repente, como num momento de revelação, disse: “eu digo-lhe o que é para mim a liberdade: não ter medo. Mesmo. Não ter medo.” Seguindo o ensinamento de Simone, concluo eu que vivemos tempos pouco livres. Não nos enganemos, todavia. O medo sempre esteve presente na vida dos seres humanos e em boa parte ele explica muitos dos dramas que a humanidade viveu ao longo da história. Isso encontra-se bem expresso, por exemplo, no documentário de Michael Moore “Fahreneit 9/11”, onde o autor mostra como o medo causou tanta tragédia nos EUA e como pode ser usado para manipular a opinião pública.
Há um desenho muito interessante que circula na net, mostrando um equipamento de laboratório onde se vê uma lamparina acesa por baixo de um frasco (tem um nome técnico que desconheço) que depois vai deitando gota a gota uma substância num tubo de ensaio. A lamparina é o medo, dentro do frasco está a ignorância e no tubo de ensaio aloja-se o ódio. O medo alimenta a ignorância que redunda em ódio.
Os inimigos da democracia conhecem bem este cenário. Conhecem-no. Exploram-no. Alimentam-no. É um caminho fácil. As redes sociais, por outro lado, são pasto fértil para espalhar o medo, cavalgar a ignorância e ir alimentando o ódio que se sente estar na ponta dos dedos de muitos que escrevem nas caixas de comentários dos jornais, no Facebook e noutras redes sociais. Este ambiente generalizado leva a que, hoje em dia, esteja a tornar-se difícil ter uma discussão séria e serena com quem quer que seja. Se há coisa que sempre gostei, foi de ter um bom debate com quem discorda de mim. Ouvindo, respeitando quem pensa diferente, tentando convencê-lo (ainda que sem nenhum sucesso) das nossas razões.
Mas basta dar uma vista de olhos pelas discussões que se vão tendo nos facebooks desta vida, para percebermos que do debate ao insulto vai um pequeno passo. Que a tendência, quando aparece alguém que diz algo com que não se concorda, é de imediato tentar desqualificar o oponente. Mesmo que nem sequer se conheça o visado, de imediato ele passa a estar comprado, ou a ter alguma agenda escondida. Já debater a questão de fundo, pouco interessa. Interessa é agredir o outro. É como que um estado de ódio permanente. E se partirmos para campos como o futebol, então é melhor nem falar…
Recentemente, tivemos um bom exemplo de como as coisas podem ser discutidas com elevação, sem medos. Ao contrário de proposições absurdas sobre “matar velhinhos”, no Parlamento português todos expuseram os seus pontos de vista sobre a eutanásia e no final votou-se em consciência.
A minha opinião acompanha o resultado final, mas isso não me impede de reconhecer que este é um debate difícil, em que há bons argumentos dos dois lados. E mesmo tendo vivido uma situação familiar muito próxima que
definitivamente fixou a minha opinião sobre o tema, admito que há muita gente que de mim discorda e que tem o direito de se expressar livremente, sem o risco de ser insultada. É assim, do livre debate de ideias, que se constrói uma sociedade mais justa e mais humanizada. Sem ódios, sem medos, mais livre.
Artigo de opinião publicado na quarta-feira, 11 de março, no jornal Mais Guimarães.
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