Dádiva de sangue: “É preciso manter esta chama viva”

Alberto Mota é o presidente da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Guimarães há 27 anos e, para o seu mandato, pretende “dar continuidade ao trabalho feito”, bem como “manter viva a chama da tradição da dádiva de sangue.”

© Leonardo Pereira/ Mais Guimarães

O vimaranense está também à frente da Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue e quer garantir ao dador, a nível nacional o direito ao dia da dádiva de sangue e criar mais associações.

Alberto Mota expressa que “os vimaranenses e as pessoas do Vale do Ave e do Vale do Sousa são muito altruístas e dedicados à causa.” Todavia, alerta que são necessárias mil a 1.100 unidades de sangue todos os dias. Numa causa tão importante, considera fundamental a criação de incentivos para atrair mais dadores de sangue.

Voltou a assumir a presidência da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Guimarães até 2026. Qual é a razão para continuar à frente da estrutura?

A minha recandidatura foi feita no sentido de continuar o trabalho feito aqui em Guimarães e também de ir ao encontro de alguns apelos que senti por parte de algumas associações, que quiseram que apresentasse a candidatura à Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue. E só me é permitido ser candidato à presidência da Federação se estiver inserido numa associação de dadores de sangue.

Qual é o sentimento de estar há quase três décadas à frente da associação?

É um sentimento de que esta obra nunca está acabada, porque todos os dias temos uma necessidade de cerca de mil a 1.100 unidades sangue no país todo. Em 2023, terminámos o ano com 10.783 unidades de sangue no núcleo de Guimarães e Felgueiras, que é o nosso espaço. Tirando o hospital de St. António e de S. João, somos a terceira entidade do país a colher mais sangue.

O que falta fazer do ponto de vista local e nacional?

Em Guimarães é preciso continuar com esta chama viva e manter a tradição da dádiva de sangue com os nossos parceiros, a Câmara Municipal de Guimarães, as escolas e Juntas de Freguesia, que mantêm a cedência dos espaços e nos ajudam na divulgação das
recolhas.

O segundo objetivo é criar melhores condições para termos um posto melhor em Guimarães. A nossa Casa do Dador, neste momento, reúne todas as condições para fazer recolha de sangue. Mas precisamos de um posto maior. Basta a porta desta Casa do Dador estar aberta e entram pessoas a voluntariar-se para doar sangue. Quanto mais tempo tivermos esta porta aberta, acredito que podemos ter muitos mais dadores aqui em Guimarães.

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Temos dadores de Fafe, Vizela, Famalicão, Cabeceiras de Basto, Celorico de Basto, Felgueiras e Póvoa de Lanhoso que vem cá semanalmente. Esta casa tem muitas escadas, é um pouco estreita e temos de criar melhores condições para termos mais dadores porque é bom para a associação, para a autarquia e para a cidade.

Quantos dadores de sangue a Casa do Dador recebe por semana?

No ano passado, às terças-feiras, registámos uma média de 60 pessoas que entraram nesta casa para dar sangue. Nas freguesias foi sempre muito maior. Em locais como Moreira de Cónegos, Taipas e Lordelo vamos buscar 150 a 200 unidades de sangue num fim de semana.

Também referiu que outro dos seus objetivos é trabalhar com as diferentes associações para haver um trabalho melhor a nível nacional…

Sim é importante. A minha recandidatura à Federação é feita no âmbito de criar melhores condições a todas as associações do país. Temos concelhos que têm muitas associações, como Santarém que tem 18. Queremos que trabalhem todas por igual para rapidamente chegarmos à autossuficiência, ou pelo menos não termos de fazer dois ou três apelos por ano por falta de sangue.

“Somos a terceira entidade do país a colher mais sangue”

Porque é tão urgente esta causa?

É o único modo e tratamento que é conhecido para salvar vidas. A medicina tem evoluído muito felizmente, mas ainda há situações que são resolvidas apenas através da dádiva. E no caso de Portugal é benévola, não é remunerada, não sabemos para quem doamos, é eficaz e temos bons profissionais de saúde. E é segura porque não é remunerada. Nos países que é remunerada, podemos quase garantir que não é tão segura, porque as pessoas vão dar sangue consoante as condições financeiras que têm ou as suas necessidades.

Qual é a importância da associação a nível local?

Enquanto tínhamos o Hospital da Senhora da Oliveira, o estabelecimento consumia, há alguns anos, cerca de quatro mil dádivas por ano. Nunca percebi a razão de o hospital deixar de fazer colheitas de sangue. Neste momento, temos três centros e 27 hospitais a colher sangue. Sou a favor de que a atual Unidade Local de Saúde do Alto Ave devia criar condições para colher sangue, porque se Guimarães e Felgueiras contribuíram com quase de 11 mil dádivas, o estabelecimento hospitalar deve ter agora um consumo de 4.200 a 4.300 unidades, e nós seríamos autossuficientes.

“Guimarães tem um leque muito grande de dadores que já fizeram mais de 100 dádivas”

A Unidade Local de Saúde do Alto Ave devia abrir um espaço para doar sangue?

Estamos crentes que o Dr. Pedro Cunha, que assumiu a presidência do estabelecimento há pouco, poderá ter essa recetividade. Queremos propor ao hospital algo que os dadores devem ter enquanto pessoas que não são remuneradas. Temos que venerar aqueles que já foram dadores muitos anos e que deram muitas dádivas. Guimarães tem um leque muito grande de dadores que já fizeram mais de 100 dádivas. Temos de tentar criar condições. Na Unidade Local de Saúde do Alto Ave já existiu o estatuto do dador e do associado, para pessoas que deixaram de doar sangue. Terminou com a pandemia da Covid-19 e foi interrompido.

Diariamente, são precisas entre 1000 a 1.100 unidades de sangue por dia. Porque é necessário um número tão grande?

Essa é uma média de consumo que temos através de intervenções cirúrgicas e de um programa de acidentes que estipulamos que possam haver.

Os vimaranenses e as pessoas que vivem nesta região são altruístas nesta causa?

Os vimaranenses e as pessoas do Vale do Ave e do Vale do Sousa são muito altruístas. São muito dedicadas à causa. Quem me dera ter pessoas na Federação tão benévolas como temos nesta zona. Também temos um efeito diferente. Portugal tem particularidades muitos diferentes. No Norte, vivemos uma realidade diferente da zona Sul e Centro. A nossa realidade é que estamos sempre atentos à necessidade do próximo. Nas grandes cidades já não existe isso. Em Lisboa não é possível fazer o mesmo trabalho que fazemos cá em cima. Não têm o mesmo resultado.

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Isso é uma consequência de Guimarães e os concelhos vizinhos serem de média dimensão?

Acho que é mais o sentido de altruísmo das pessoas. Acompanho muitas associações do Centro e Sul e noto que algumas trabalham muito bem dentro das suas possibilidades. Também temos um problema muito grande, que é o envelhecimento da população. Há zonas do nosso país em que a população está a ficar muito envelhecida, como o interior, o Alentejo e mesmo a cidade de Lisboa. As pessoas trabalham em Lisboa, mas não vivem lá. Quando chegam a casa já é final da tarde ou 21h00 e não estão para doar sangue. Nós estamos num meio mais pequeno e as pessoas saem do trabalho às 17h30 e ainda se preocupam, porque têm tempo para doar.

É sempre necessário haver sangue disponível. Qual é a razão da adesão a esta causa não ser maior?

Há muitos mitos na dádiva de sangue. Um dos maiores que as pessoas acreditam são as tatuagens, acham que se tiverem não podem doar sangue. É falso. Ao fim de quatro meses de fazer a tatuagem pode ser dador de sangue. As pessoas dizem também que a agulha é muito grossa, que dói e que o dador pode ficar enfraquecido. Esses são mitos e temos de acabar com eles. É um trabalho que a Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue está a fazer junto da Direção-Geral da Educação, da Associação Nacional de Freguesias e da Associação Nacional de Municípios.

“O Ministério da Saúde e o Instituto Português do Sangue e da Transplantação têm de olhar para esta causa como uma prioridade.”

É preciso que as pessoas se informem melhor?

Sim, mas acho que aquilo que tem falhado é a própria tutela. O Instituto Português do Sangue e da Transplantação é a tutela que tem a responsabilidade de garantir o sangue em todos os hospitais. Tem falhado um pouco porque as associações são voluntárias e vivem do apoio de algumas autarquias e do Instituto Português do Sangue e da Transplantação. Não chega para metade do orçamento. Falta muito material didático e de literacia de saúde no que diz respeito à dádiva de sangue.

O Ministério da Saúde e o Instituto Português do Sangue e da Transplantação têm de olhar para esta causa como uma prioridade. Nós sabemos que o voluntariado não é o mesmo de há 30 anos. Atualmente é tudo feito através das redes sociais entre os jovens e é esse apelo que gostava de deixar: É preciso trazer jovens não só para serem dadores, mas também para o voluntariado. Temos algumas associações com dirigentes muito envelhecidos.

Deve haver mais sentido de altruísmo para que as pessoas adiram ao associativismo?

Acho que deve haver mais sentido de altruísmo e mais incentivo. Devia haver um programa nas faculdades ou escolas secundárias para incentivar os jovens para o associativismo.

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Na tomada de posse da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Guimarães também apelou para o registo da doação de medula óssea. É outra causa importante em Portugal?

Sim, enquanto que os dadores de sangue do sexo masculino podem doar sangue de três em três meses e as mulheres de quatro em quatro, o registo de dador de medula é só feito uma vez na vida até aos 45 anos. Depois vamos para uma base mundial onde poderá aparecer um doente compatível e nós podemos ser chamados até essa idade.

“Uma das ideias é reconquistar o direito ao dia do dador”

Com que intuito apresentou a sua recandidatura à Federação Portuguesa de Dadores Benévolos de Sangue?

Há uns meses atrás, lançaram-me novamente o desafio e vou-me recandidatar-me a mais um mandato, para tentar concluir as ideias que tenho para as associações e dadores. Uma das ideias é reconquistar o direito ao dia do dador. Esse direito já existiu e foi retirado em 2011. Queremos apresentar, na próxima legislatura, aos governantes para que isso seja restituído. Isso foi retirado a alguns dadores e queremos uma lei igual para todos.

Além disso, queremos a legalização e a atualização do estatuto do dador, que não está a ser cumprida no país como devia ser. Queremos também criar mais associações e mais dádivas para que haja sempre sangue à espera dos doentes nos hospitais.

O direito ao dia por parte dos dadores de sangue é um incentivo à causa?

Acho que sim, nomeadamente para estes postos. Se queremos isso e se temos uma necessidade grande de sangue, precisamos de segunda a sábado para as pessoas doarem. Seria uma forma de reconhecer o dador quando fosse doar sangue, não só por esse direito, mas também pela segurança que podemos transmitir a todos. Depois da dádiva de sangue, podem ir descansar e no dia seguinte estarem em condições para trabalhar.

Qual será o futuro da Associação de Dadores Benévolos de Sangue de Guimarães?

Para o futuro da associação, queremos rapidamente criar um grupo de jovens para tomar conta da estrutura, porque 30 anos à frente da associação chega. Não é por estar cansado, mas chega e o projeto está a começar a esvaziar. Penso que temos de olhar para a juventude para ajudarem a associação, mas este é um projeto que ficará concluído no dia em que tivermos uma casa maior e mais dádivas. É bom que se diga que somos uma referência a nível nacional.

Quais são os principais desafios da dádiva de sangue?

É trazer jovens para a causa e ir ao encontro deles. Tem de haver uma linguagem direta e todas as associações devem-na ter, para que os jovens adiram. A média da faixa etária do dador de sangue em Portugal é muito alta, está na casa dos 50 anos. Estamos quase no limite de idade, que são 65. A minha maior preocupação é trazer gente nova para salvar vidas.

 

 

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