Francisco Teixeira: “A sociedade não valoriza devidamente os seus professores”

Uma entrevista que pode ver, na íntegra, no canal do Youtube do Mais Guimarães.

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No programa de entrevistas do Mais Guimarães emitido no passado sábado, dia 11, Francisco Teixeira, professor de Filosofia, conhecido pela sua participação cívica e associativa, debruçou-se sobre a educação e a política, local e nacional. Uma entrevista que pode ver, na íntegra, no canal do Youtube do Mais Guimarães.

© Mais Guimarães

Como terminaram agora as Festas Nicolinas, envolvidas em alguma polémica, como as viveu o Francisco Teixeira?

As Festas Nicolinas foram de novo atípicas. Mas há uma coisa que é relevante. O Pinheiro em particular, mas as festas no seu conjunto, deixaram há muitos anos de ser uma diversão, uma circunstância festiva da vida cultural vimaranense. As Nicolinas são essenciais para a identidade da cidade e do concelho. Para a própria identidade juvenil, para o bairrismo vimaranense, para a afirmação da identidade vimaranense, como instrumento de vinculação profunda.

E como viu a não autorização do Cortejo do Pinheiro?

A não autorização do Pinheiro era uma derrota anunciada de quem o proibiu. É impossível lutar contra a nossa dimensão juvenil, contra aquele momento quase originário, em que a nossa identidade pessoal se começa a consolidar, que é a adolescência, a adolescência-juventude e inicio da adultês.

O Pinheiro é provavelmente a festa mais democrática que eu conheço em Guimarães e no país. Uma festa onde estão os novos e os velhos, onde estão os ricos e onde estão os pobres, os licenciados e os não licenciados, as pessoas que fizeram o segundo e o terceiro ciclo e nem sequer chegaram ao secundário, e que são das escolas periféricas do centro de Guimarães. Estão hoje também mais as mulheres que os homens, estão até crianças trazidas pelos próprios pais.

E as mulheres nas Festas…

Hoje as mulheres são um elemento absolutamente decisivo da natureza democrática igualitária do Pinheiro. E vejo isso como algo magnífico, é um sinal de evolução de aprendizagem, de progresso. Sinal de que a ideia antiga, tradicionalista, de que existem sítios fixos e rígidos para o masculino e o feminino, hoje já não fazem sentido. As mulheres não têm sítio onde estar, podem estar onde quiserem.

A pandemia da Covid-19 trouxe mudanças significativas às escolas. Como estão as coisas agora?

Eu acho que as coisas ainda não estão como no período pré-pandemia, mas começam a entrar nos eixos. Espero que não se volte à pré-pandemia, que não se volte à lógica do “falso ensino à distância”, porque na verdade não houve ensino à distância, o que houve foi uma relação de emergência entre os professores, os alunos e as famílias. Havia jovens e crianças que não tinham sequer condições materiais para poderem ter uma relação digital com os professores. Já os professores, o que fizeram na altura, de uma maneira importante, foi socialmente positiva.

O tratamento igualitário dado nas escolas desapareceu com o ensino à distância, é isso?

Foi completamente desigualitário. Já na escola, o ensino nem sempre é igualitário, mas na relação pedagógica à distância, a desigualdade era absoluta. Só quem foi professor e esteve neste processo percebeu que uns tinham computador e outros não, uns telemóvel e outros não, uns tinham dados e outros não, uns tinham um quarto e outros não. Uns tinham sala e outros não, alguns alunos estavam encostados a uma parede porque não tinham casa que quisessem mostrar, ou que se sentissem à vontade para mostrar. Não houve verdadeiramente ensino e aprendizagem, no sentido intencional da palavra. O que houve foi uma conexão entre a escola e a família que permitiu transmitir a mensagem de que o Estado e a Escola, como instância do Estado, não abandonava as crianças, os jovens e as famílias, estando completamente presente e atento.

Deu-se uma transformação da ideia de ensino?

A educação é sobretudo a capacidade de configurar as relações emocionais e as relações interpessoais, porque os conteúdos cognitivos são a coisa mais simples, porque até estão disponíveis em todo o lado. Na internet está tudo o que eu sei vezes mil, portanto, os meus alunos têm acesso a isso com facilidade.

© Mais Guimarães

E as pessoas perceberam a importância dos professores?

Houve um momento em que as pessoas se aperceberam da importância social dos professores, mas provavelmente pelas piores razões, porque deram por ela que os professores são essenciais para guardarem os filhos deles, mas os professores não têm como função essencial guardarem as crianças, mas criarem contextos de ensino-aprendizagem para as crianças, e isso nem sempre foi compreendido. Se isso, estruturalmente, mudou o estatuto dos professores perante a sociedade, tenho muita dúvida, até porque, isto não se muda de uma vez só.

As pessoas não percebem a exigência física, intelectual, emocional, e a exigência ética de ser professor. Diria que 90% dos pais dos meus alunos, não aguentaria estar metade do tempo que eu estou com os meus alunos metidos numa sala de aula. E isto dia após dia, semana após semana, ano após ano.

E para ser professor é preciso ter tempo, por exemplo, para ler. A principal tarefa de um professor é conhecer, depois ser capaz de abrir o leque de conhecimento que seja mais expansivo que a sua especialidade, e para fazer isso ele precisa de tempo.

“Eu acho que havia condições para não haver eleições antecipadas”

Francisco Teixeira

Falemos agora da situação política nacional. Como vê a queda do Governo com o chumbo do Orçamento de Estado e a marcação de eleições legislativas?

Eu vi mal. Eu acho que havia condições para não haver eleições antecipadas. O PCP e o Bloco de Esquerda tinham de ser capazes de dar mais um passo para o PS, e o PS mais um passo em direção ao Bloco de Esquerda e PCP. Teria que haver vontade política, que falhou de todas as partes. Acho que o PCP e o BE não perceberam que este orçamento tinha uma marca social de esquerda muito forte, de aumento de rendimentos para as pessoas mais vulneráveis. Nem uns nem outros quiseram dar o braço a torcer.

Na política local surge como apoiante de Ricardo Costa…

Eu fui e sou apoiante do Ricardo Costa. Acho que pode ser, de facto, uma vitalidade nova para o partido socialista em Guimarães. O Ricardo tem uma perceção de que as portas do partido não podem estar fechadas. E isto nem sequer é metafórico, porque uma das coisas que a mim mais me constrange é ver as portas da sede do Partido Socialista literalmente fechadas. Não há espaço de intervenção no partido socialista para quem queira, legitimamente, intervir. O programa amplo que eu sei que ele tem é uma mudança muito significativa relativamente àquilo que foi o partido socialista em Guimarães nos últimos anos.

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