Impedidos pela câmara de rezar nas traseiras de uma loja, muçulmanos procuram nova mesquita

No final do Ramadão juntaram-se para celebrar no Campo de São Mamede, agora procuram local, em Guimarães, para instalar a mesquita.

© Rui Dias / Mais Guimarães

A reboque da emigração, a comunidade islâmica em Guimarães está a crescer. O aumento do número de muçulmanos no concelho está muito relacionado com a chegada de trabalhadores para uma empresa de produção daquilo a que chamam pequenos frutos – kiwi, mirtilo, framboesa, amora e groselha -, na zona de Moreira de Cónegos. A maioria são homens sozinhos, jovens, e muitos entraram em Portugal pelas explorações agrícolas do Alentejo. Encontravam no minimercado Al Madina, não só um local para comprarem os produtos típicos dos lugares de onde veem, mas também um refúgio religioso e espiritual.

Quando Hafiz Ahmed Jamil, de 33 anos, abriu a mercearia, na Avenida Alberto Sampaio, em frente ao que resta da muralha medieval, optou por um espaço maior do que aquele que precisava, para instalar um local de culto nas traseiras da loja. “Alugar um espaço só para ter a mesquita é muito caro. Em Guimarães, as rendas são muito altas”, explica o comerciante que também é o Imã da comunidade islâmica local. “Pensamos que a loja poderia pagar a renda e, no espaço que sobra, fazíamos as nossas orações”, esclarece.

Meteram mãos à obra, criando uma zona para abluções (ritual de lavagem purificadora, típico da religião islâmica, mas também presente noutros cultos), colocando tapetes, prateleiras para guardar livros do Corão e um pequeno palanque para Hafiz falar aos fiéis. Durante algum tempo, foi ali que se reuniam, primeiro dez, depois entre 20 e 30 e, a certa altura, mais de 50 homens para orar, à sexta-feira. Hafiz garante que não fez nada à revelia da Câmara Municipal e que obteve autorização para instalar a mesquita na mesma fração da loja. Contudo, desde há alguns meses, a Polícia Municipal comunicou-lhe que não poderia continuar a praticar o culto religioso naquelas condições.

© Rui Dias / Mais Guimarães

A história de vida de Hafiz confunde-se com a da maioria dos homens que passam pelo seu minimercado para fazer compras. Natural do Bandladesh, entrou na Europa através do Reino Unido, para estudar Tecnologia Informática, mas esbarrou nos problemas de legalização e acabou por vir para Portugal, em 2015. Começou nas explorações agrícolas do Alentejo. “Ganhava 500 euros, trabalhava muito e ainda tinha que pagar alojamento e alimentação”, recorda. Foi nessa altura, quando cozinhava para imigrantes de várias nacionalidades que percebeu a falta que esta gente sentia dos sabores familiares e assim nasceu a ideia de montar o negócio. Acabaria por vir parar a Guimarães, como muitos outros para trabalhar nas estufas e nos pomares, mas com o dinheiro que foi amealhando “e com a ajuda dos amigos” montou a Al Madina.

Hafiz que cumprir a lei

Hafiz gosta de estar em Portugal, já tem cá a mulher e foi pai recentemente. Assegura que quer cumprir a lei e por isso, “desde que nos disseram que não podíamos rezar aqui, nunca mais o fizemos”. Mas confessa que se sente angustiado não só por si mas por toda a comunidade que se vira para ele como Imã à procura de respostas. “Já é muita gente. No final do Ramadão juntamos mais de 200 pessoas”, aponta. Hafiz acredita que a comunidade vai continuar a crescer, até porque alguns destes homens acabarão por trazer as mulheres. “Só do Bangladesh há em Guimarães mais de 40 famílias”, refere o Imã, desafiando os números oficiais que não contabilizam as pessoas sem documentos.

Hafiz destaca as boas relações que mantém com o Município que no Eid al Fitr (celebração no final do Ramadão) deu autorização para que fizessem as orações típicas desta altura no Campo de São Mamede, com o Castelo de Guimarães em pano de fundo. O outro grande feriado islâmico é o Eid al Adha, que este ano se celebra da tarde de domingo 16 de junho até à tarde de quinta feira 20 de junho, assinalando a disponibilidade de Ibrahim (Abraão) para sacrificar o seu filho, de acordo com a vontade de Deus. A boa nova que Hafiz gostaria de dar aos fiéis até lá, era ter encontrado um espaço para instalar a mesquita.

© Rui Dias / Mais Guimarães

“Houve um local que esteve perto de se concretizar, no Bairro da Conceição. Eram 20 mil euros, muito dinheiro para gente pobre como a maioria dos muçulmanos de Guimarães, mas talvez conseguíssemos”, afirma. Porém, o negócio acabou por não se concretizar porque afinal o espaço já estava apalavrado com a União das Juntas de Freguesia do Centro da Cidade que ali vai instalar um serviço de cariz social.

Há pessoas de cem nacionalidades diferentes em Guimarães

Rui Porfírio, o presidente da Junta, reconhece que esta comunidade tem aumentado muito e sabe que é uma preocupação destas pessoas encontrarem um espaço de oração. O autarca conta 56 nacionalidades diferentes a viverem no perímetro do centro da cidade e reconhece que isto traz novas necessidades. A Câmara Municipal de Guimarães, embora não tenha respondido às perguntas enviadas pelo Mais Guimarães, já afirmou, pela voz da vereadora Paula Oliveira, que no concelho vivem pessoas de mais de cem nacionalidades.

© Rui Dias / Mais Guimarães

Em dez anos a comunidade estrangeira em Guimarães mais do que duplicou. Considerando apenas os que estão legalizados, em 2012, havia 1 423 estrangeiros no concelho, em 2022, eram 3 307 e o número terá continuado a aumentar no último ano. Os brasileiros destacam-se, já eram em maior número em 2012 (518), mesmo assim esta comunidade cresceu para o triplo e agora são 1 580, embora não sejam as pessoas vindas do Brasil que fazem aumentar os números de muçulmanos. Do Industão (a zona do subcontinente indiano) tem chegado muitos imigrantes, como é o caso de Haziz. Em 2012, não havia nenhum nepalês em Guimarães, hoje há 102, os indianos subiram de 8 para 51 e de outros países asiáticos (sem contar com a China) a subida, na mesma década, foi de 84 para 341 pessoas.

Na mesquita de Haziz, enquanto esteve a funcionar, não apareciam só pessoas da Índia e periferia. “Chegavam também os árabes e pessoas do Norte de África, da Algéria e do Egito, por exemplo, guineenses e outros africanos. A maioria são trabalhadores humildes, mas também há pessoas com muito dinheiro”, refere o Imã. Na loja de Haziz vende-se carne halal (quer dizer autorizada) e os muçulmanos de Guimarães veem ali comprá-la. Sem dizer nomes, Haziz confessa que já teve na sua lista de clientes jogadores do Vitória.

© Rui Dias / Mais Guimarães

De acordo com a Pordata, o número de Moçambicanos (onde existe uma grande implantação da religião islâmica, no Norte), em Guimarães, disparou de cinco, em 2012, para 23, em 2022, os guineenses (na Guiné Bissau o islão é o culto predominante) aumentaram, no mesmo período, de 38 para 51. Considerando todos os outros países africanos (sem contar com Angola), na década 2012-2022, a população residente no concelho subiu de 30 para 124.

Haziz diz que a sua mesquita atraia pessoas de Fafe, Felgueiras e até da zona de Basto. “Sem mesquita em Guimarães, a solução para rezar é ir a Braga ou ao Porto. Como a maioria não tem carro, acabam por optar pelo Porto, porque há comboios”, lamenta. Haziz gostaria de encontrar um espaço para os muçulmanos poderem voltar a rezar em Guimarães. “Sei que não é fácil porque tem que ser um local no centro da cidade onde estas pessoas possam chegar a pé, porque a maioria não tem carro”, aponta. “As rendas estão muito caras, mas não perdi a esperança que vamos conseguir”, acrescenta.

Por Rui Dias.

PUBLICIDADE

Arcol

Partilhar

PUBLICIDADE

Ribeiro & Ribeiro
Instagram

JORNAL

Tem alguma ideia ou projeto?

Websites - Lojas Online - Marketing Digital - Gestão de Redes Sociais

MAIS EM GUIMARÃES