MARCO: DE FORMANDO A TRABALHADOR DO CRFP DA CERCIGUI

O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência assinalou-se na terça-feira passada. Para eles, encontrar emprego não é fácil, mas a nova legislação pode mudar o panorama negativo. Marco empregou-se na CERCIGUI, que conhece há 20 anos.

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O Dia Internacional das Pessoas com Deficiência assinalou-se na terça-feira passada. Para eles, encontrar emprego não é fácil, mas a nova legislação pode mudar o panorama negativo. Marco empregou-se na CERCIGUI, que conhece há 20 anos.

Marco tem, entre outras, a função de assegurar o funcionamento da portaria do centro.
© Nuno Rafael Gomes/ Mais Guimarães

“Eu sei a data: 14 de outubro. E até sei a hora. Foi às 14h30.” Marco Ferreira, 35 anos, assinou um contrato com a CERCIGUI há quase dois meses. Entrega o correio, mas também vai aos bancos. Faz “pequenas compras”, dá uma ajuda na portaria, tira fotocópias. É ainda auxiliar da carrinha da instituição que leva “os jovens com pouca autonomia dos Centros de Atividades Ocupacionais [CAO]”, completa Ana Paula Moreira, diretora técnica do Centro de Reabilitação e Formação Profissional (CRFP) da CERCIGUI, quem em 2020 completa 30 anos. Conhecem-se há quase duas décadas: Marco entrou pelas portas da instituição vimaranense há 20 anos; Ana trabalha no CRFP há 19. Hoje, são “colegas”. A diretora técnica daquele centro não lhe poupa os elogios: “O Marco cresceu, evoluiu. E está aqui um homem.” Agora, volvido esse tempo, integra a equipa de trabalhadores da CERCIGUI, algo que, para a diretora técnica “é merecido”. “Ficou sempre connosco”, diz, ao passo que Marco reforça: “Sempre. É a minha segunda casa.” “É um final feliz. Fará sempre parte da história desta casa.”

Em Portugal, apenas 0,5% dos trabalhadores das empresas do setor público são pessoas com deficiências. Na esfera pública, o número chega aos 2,5%. Os dados, referentes a 2016, são do Observatório da Deficiência e Direitos Humanos. Já em 2017, de acordo com o último estudo do observatório, havia mais de 12 mil pessoas com deficiência inscritas nos centros de emprego, valor que tem vindo a subir desde 2011, contrastando com a queda, na população geral, do desemprego. E tudo isto pode mudar com a legislação, publicada em Diário da República a 10 de janeiro e que entrou em vigor no dia 01 de fevereiro, que põe em prática um novo sistema de quotas para pessoas com deficiência (com um grau de incapacidade igual ou superior a 60%), estando as empresas com mais de 75 empregados obrigadas a cumprir as quotas de cada vez que quiserem contratar um novo trabalhador.

Ainda assim, Ana Paula Moreira reconhece que, nas áreas de atuação do centro que dirige, tem havido uma “maior abertura pelo tecido empresarial, que fica mais desperto para estas questões”. As empresas que contratarem “uma pessoa com incapacidades” — a diretora do CRFP prefere o termo a “deficiência” — “têm direito a apoios” e faz notar que as medidas ativas postas em prática pelo IEFP ajudam a que a situação se vá contornando.

Formações à medida de cada um

E quem por ali passa tem à sua disposição uma série de cursos, como o de Carpinteiro de Limpos, Serralheiro Civil, Cozinheiro, Assistente Administrativo, Operador de Informática ou Operador de Serigrafia/ Estamparia. Quem nos recebe da sala do último curso referido é Inês Cardoso, formadora na CERCIGUI há 17 anos. Este ano, o trabalho repete-se: há postais de Natal para fazer e outros produtos, como blocos e agendas. “Conseguimos cada vez mais chegar a outras empresas”, diz.

Inês Cardoso é formadora no CRFP da Cercigui há 17 anos.
© Nuno Rafael Gomes/ Mais Guimarães

A Câmara Municipal de Guimarães é um dos clientes habituais. A diretora técnica do centro sublinha: “Temos sentido mais abertura por entidades públicas como a câmara e as juntas de freguesia”, para além de instituições culturais como “o Museu Alberto Sampaio ou o Paço dos Duques”. Para a última fizeram uma linha de produtos, que integra “sacos e t-shirts com três imagens criadas pelos formandos”, indica a formadora de serigrafia e estamparia. “É bom que o trabalho deles seja reconhecido, E é gratificante, para eles, perceber que o seu trabalho é valorizado”, frisa.

“Cada pessoa tem o local certo”

O reconhecimento do trabalho de Marco também o deixou com “mais vontade para trabalhar”. Quando tinha 15 anos, a adaptação ao CRFP não foi a mais fácil: “Vinha para aqui e não gostava. Saía de casa como se viesse para a escola. Ia para o café, por exemplo”, conta. Depois, passou para o CAO. Algo que, na opinião de Ana Paula Moreira, também não foi a escolha acertada para Marco.

Isto porque, como apontou, “cada pessoa tem o local certo”. Tal como Sandra, 25 anos, encontrou o seu. Conta, num dos vídeos publicados pela CERCIGUI na sua página do Facebook, que trabalha na Câmara Municipal de Vizela, no pelouro da Ação Social. “Fiz uma formação no CRFP na área de Operadora de Informática.” Um acidente, em 2003, tirou-lhe 65% da capacidade. Para conseguir um emprego, procurou a CERCIGUI para a ajudar. Ou como José Carlos, 21 anos, que trabalha na Junta de Freguesia de Silvares. Tirou o curso de assistente administrativo: “No futuro, espero conseguir ir morar sozinho e ter a minha própria vida sem depender de ninguém.”

Marco Ferreira chegou à CERCIGUI há 20 anos.
© Nuno Rafael Gomes/ Mais Guimarães

Um grupo homogéneo

Ana Paula Moreira explica que os “formandos chegam de diferentes formas”, desde a Segurança Social às escolas, passando pelos centros de emprego ou, então, por vontade própria. O grupo “não é homogéneo”: “Temos formandos dos 16 aos 50 anos e há incapacidades de vários tipos.” O centro permite, se o formando não tiver ainda certeza do percurso a realizar, um período experimental até 4 meses em vários cursos. “Traça-se um perfil, também. Mas a pessoa pode não ter formação, indo diretamente para estágio”, refere. É que após a formação — a maior parte conferem dupla certificação (escolar e profissional Nível 2) —, tem-se direito a estágio. E se esse estágio não resultar em emprego concreto, há outro estágio. “Não acaba o apoio quando acaba o curso”, garante a diretora técnica. Para além da informação, avaliação e orientação prestadas, também se avalia a capacidade de trabalho dos formandos, incluindo-se em tudo isto o apoio à colocação — através de profissionais que calcorreiam as ruas dos concelhos de onde são provenientes os formandos (já que o CRFP não atua só com pessoas de Guimarães, mas também dos concelhos limítrofes) — e o apoio na pós-colocação. Os apoios contemplam bolsa de formação, subsídios de transporte alimentação, seguro de acidentes pessoais e apoios terapêutico e de reabilitação, para além da participação em atividades sociais e desportivas. “A pessoa não tem qualquer custo”, assegura Ana.

Ana Paula Moreira, diretora técnica do CRFP, conhece Marco há quase duas décadas.
© Nuno Rafael Gomes/ Mais Guimarães

O CRFP também foi, em 2001, acreditado como Centro de Recursos Local. Quer isto dizer que, em parceria com o centro de emprego local, ajuda pessoas com incapacidades a encontrar a sua vocação no mundo profissional.

E, claro, é sempre preciso que as empresas “tenham essa visão”: compreender os limites do trabalhador que recebem, adaptando-se, como ele se adapta. A diretora recorda o caso de um homem de 40 anos, trabalhador civil, que ficou tetraplégico. “Não tinha conhecimentos de informática”, conta. Depois de procurar ajuda na CERCIGUI, tirou a formação e passou a ter mais uma valência. “Hoje, trabalha numa empresa de design”, diz. Como ele, espera-se que haja mais. A taxa de sucesso na empregabilidade está nos 70%, mas quer-se sempre mais.

Tal como Marco quis. Decidiu parar de ser o “miúdo rebelde” que entrou pelo centro adentro há 20 anos. Hoje, tem responsabilidades. O seu telefone toca: é hora de vestir a camisola de auxiliar de transporte

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