O movimento do corpo que é o LAR
A relação com o corpo, o conhecimento dos seus limites e a possibilidade de se aperceberem que os limites estão para lá do imaginável.

A relação com o corpo, o conhecimento dos seus limites e a possibilidade de se aperceberem que os limites estão para lá do imaginável. Foram estas algumas das grandes bases de “Lar”, projeto realizado pela bailarina e criadora Sara Xavier em parceria com os utentes da Venerável Ordem Terceira de São Domingos.

O projeto apareceu na sequência do seu último projeto, “Habita(r)te”, desenvolvido no verão de 2021 com habitantes de Guimarães com idades a partir dos 16 anos. “Houve uma grande vontade em continuar a trabalhar a linguagem de movimento Gaga mas com o objetivo de chegar a outro público”, explicou à Mais Guimarães.
Durante o seu período de formação, em Israel, em 2019, Sara teve a oportunidade de contactar com os participantes das aulas regulares de Gaga – abertas a toda a comunidade -. Numa delas, deparou-se com uma situação inesperada. Uma das participantes, ao acabar a aula e pegar nas suas coisas, tinha consigo uma bengala. Algo que despertou a atenção da vimaranense. Estes motivos fizeram Sara e Mariana Silva, que esteve por trás da produção do projeto, “acreditar que estas sessões têm, ou podem ter, impacto na vida das pessoas e que seria um bom projeto piloto para desenvolver”.
Além disso, Ohad Naharin, criador desta linguagem, já tinha desenvolvido este trabalho no lar da mãe, em Israel, e tinha apresentado bons resultados a nível da mobilidade e da capacidade neurológica dos participantes.

“Movermo-nos como se tivéssemos todo o tempo do mundo”
Durante um mês, Sara Xavier foi à Venerável Ordem Terceira de São Domingos três vezes por semana trabalhar com os utentes neste que é um projeto piloto em Portugal. Confessa que, no início não sentiu recetividade por parte dos participantes.
“A primeira sessão foi feita na sala comum com todos os utentes do lar, entre 40 a 50 pessoas. Desses, só 14 é que aderiram ao projeto”, lembra. Mas, “mesmo daqueles que aderiram não foi imediata a recetividade”. Foi o caso, por exemplo, do senhor Freitas, que se juntou ao grupo na segunda semana de trabalho. Disse, durante a primeira sessão dele: “isto não presta para nada”. Ainda assim, apareceu às restantes sessões. Na última, teve uma consulta e “ficou muito triste por não conseguir ir à sessão”, contam Sara e Mariana à Mais Guimarães.
A recetividade, acreditam, “veio com o tempo, com a consciência de que havia alguma coisa no seu corpo que estava a mudar e com a perceção de que não havia certo ou errado”. Foi quando um clique se deu e se aperceberam de uma grande diferença na participação dos utentes.

Na primeira sessão estavam ainda a descobrir o que eram as sessões e o que estavam a fazer. Na última, perguntavam o que podiam fazer para que as sessões com a Sara continuassem. Afinal, o balanço é de que o projeto “foi maravilhoso” e “uma grande oportunidade para perceber completamente aquilo que o movimento Gaga pode ser”.
Este é um movimento baseado em sensações e na disponibilidade do corpo de cada um. Em contraponto com aquilo a que estamos habituados, Gaga não procura a coreografia nem a uniformização de todos os corpos, mas antes a possibilidade de o movimento chegar antes do pensamento. Permite, assim, “que os limites possam ser ultrapassados a cada momento dentro do alcance do corpo de cada um”. Por todos estes motivos, explica Sara Xavier, “é um movimento que se enquadra em qualquer tipo de corpo e que
desperta os estímulos necessários à mobilidade que, muitas vezes, só não existe porque estes estímulos também não estão lá”.

Uma das indicações que mais se usa é “movermo-nos como se tivéssemos todo o tempo do mundo” e, na verdade, os utentes da Venerável Ordem Terceira de São Domingos têm-no. Apesar de não terem ninguém na equipa a trabalhar os benefícios que estas sessões podem trazer para o dia a dia, adiantam que o retorno que tiveram dos participantes e da equipa do lar “foi muito positivo” – “desde a melhoria no movimento de cada um à diminuição da dor durante as sessões de fisioterapia”. Recordam o momento em que um utente lhes disse: “isto é muito bom para o corpo mas ainda melhor para a cabeça”.
A apresentação do projeto foi feita em dois momentos, tendo estado a divulgação e a imagem ao cargo do estúdio independente Cisma. O primeiro, o objeto artístico – um video-dança de Bruno Carreira – e, o segundo, um vídeo com a recolha das opiniões dos participantes. Sentiram, dizem, uma “grande incredulidade por parte das pessoas que viram a possibilidade de movimento dos participantes”. À Sara fizeram, aliás, muitas vezes, a pergunta “o que é que fizeste para eles se mexerem assim?”.
Depois de apresentado o vídeo na própria Venerável Ordem Terceira de S. Domingos, destacam a “felicidade dos utentes por estarem a ser reconhecidos e por lhes ser dada a oportunidade de fruição e criação cultural. E a vontade de continuar”.

Apesar de o objeto artístico final ser um vídeo-dança, lembram que “não é visível a evolução do movimento dos participantes desde a primeira até à última sessão”. Porém, para Sara Xavier, que esteve lá em todos os momentos, a sensação é que “o movimento mudou completamente”.
Sara Xavier nasceu em Guimarães, em 1995. Com quatro anos iniciou o seu percurso na dança com aulas de ballet e, aos 12, começou a frequentar aulas de contemporâneo. Em 2013, ingressou na Escola Superior de Dança, em Lisboa. Durante a licenciatura, teve a oportunidade de trabalhar com Barbara Griggi, Rui Lopes Graça, Siri Dybwik, entre outros, e participou no Programa Erasmus, estudando no Konzervator Duncan Centre, em Praga.
Em agosto de 2019 foi aceite no Curso Intensivo da Batsheva Dance Company, onde aprendeu e desenvolveu a linguagem de movimento Gaga. Atualmente, leciona ballet e dança contemporânea
em várias escolas nos concelhos de Guimarães e Chaves.


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