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Os dias difíceis de Marta

Por Carlos Guimarães.

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por Carlos Guimarães
Médico urologistaVivemos tempos difíceis. Na verdade, desde que me conheço, vivemos tempos difíceis (ou talvez não). Lembro-me do discurso inaugural do meu curso de medicina, dizia-se que o futuro dos (então) jovens médicos seria nas pegadas africanas dos nossos colonizadores. Decorria o ano de 1983 e mal nos sentamos nas cadeiras do anfiteatro recebíamos o aviso de que Portugal não tinha espaço para os médicos que iria formar, uma mensagem que continha tanto de preocupação e ameaça como de falta de verdade. Verdade é que esses tempos difíceis nunca se confirmaram porque na verdade o país nunca soube gerir as carências de profissionais de saúde ou professores (um outro drama que se avizinha). Sempre fomos uma nação reativa (reagimos, tantas vezes de forma inadequada, perante o problema), não planeamos, andamos à deriva e gostamos! Houve um momento nos anos noventa em que o estado se apercebeu que não formara enfermeiros para inaugurar hospitais e a solução foi importar centenas de enfermeiros de Espanha (onde sobravam). Solucionou-se o problema no momento e o caminho encontrado foi formar milhares de enfermeiros que rapidamente encontraram o sabor amargo do desemprego e tiveram de partir para países com outro nível de desenvolvimento que esfregaram as mãos de contentes. Hoje assim acontece, com médicos e enfermeiros que nos bancos da escola definem que a opção para o seu futuro é além fronteiras. Por isso, causa-me um certo prurido as orientações políticas de formar mais e mais médicos. O paradigma mudou. A nova geração não se preocupa com o emprego público para a vida, tem horizontes mais largos, domina a língua universal, quer experiências novas e uma valorização profissional mais digna.

Marta lutou com a pandemia como um barco no oceano, meteu muita água mas não naufragou e agora quando “pensava” poder caminhar em terra firme surge a crise das urgências e o encerramento de alguns serviços. Todos sabíamos o que estava a acontecer, mas uma vez mais o estado é reativo e não vai resolver problema algum porque desde sempre se esquece de um princípio básico que é a planificação. Não conheço ninguém que seja contra o SNS, mas todos sabemos que a mais valia do SNS são os seus profissionais, homens e mulheres que o seguram devido aos baixos salários e em condições físicas e psíquicas muito desgastantes. Esta postura autista de ocultar o óbvio e não entender que a velha frase “não há dinheiro” irá contribuir para uma agonia lenta do SNS. Se não podemos colocar no mar um porta aviões, temos de arranjar forma de navegar de forma eficiente e evitar rombos no casco. Yes we can.

Não podemos fugir à realidade, mas viver a realidade sem fantasia é como caminhar descalço num campo de espinhos; só se supera com muita dor. A vida com ficção e loucura tornam suportável a realidade, funciona como aqueles pedacinhos de chão que nos permitem descansar os pés. Nem todas as alucinações devem ser castigadas, mas viver permanente debaixo duma fantasia não é um estado virtuoso e pode transportar muita dor.

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