“Um livreiro é um leitor”

Os grandes retalhistas trabalham nas brechas da lei.

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As livrarias estão de portas fechadas, como grande parte de pequeno comércio que não é abrangido pelas exceções à lei. Ao longo dos últimos anos, muitas livrarias foram fechando portas e a Rede de Livreiros Independentes (ReLI) sublinha que a responsabilidade foi da especulação imobiliária que fez os preços das rendas disparar, no centro das cidades onde estes estabelecimentos normalmente se situam. Se o setor já não vivia dias risonhos, com a chegada da pandemia e das medidas que obrigam as livrarias a estar de porta fechada, o panorama ficou ainda pior.

Foto: Rimas e Tabuadas

A Rimas e Tabuadas, uma livraria com porta aberta (agora fechada) no largo Condessa do Juncal, tem como atividade complementar um serviço de cafetaria. Foi uma opção pragmática, reconhece Sílvia Lemos, uma das sócias deste pequeno negócio. “Abrimos numa altura em que muitas livrarias estão a fechar, é o sonho que alimenta isto. Mas temos que ter os pés bem assentes na terra e foi por isso que, desde o início decidimos associar um serviço de cafetaria que complementasse a receita”. A empresa também tem CAE de papelaria e com um pouco de imaginação seria possível manter-se aberta, “mas não seria justo para outros colegas que têm que ter a porta fechada”.

A Rimas e Tabuadas tem apostado muito na divulgação para a sua mailing list e nas redes sociais. A livraria faz parte do grupo de fundadores da ReLI e a Sílvia Lemos reconhece que essa também foi uma forma de chegar a mais pessoas, por todo o país. “A página da ReLI tem uma parte em que alguém pode colocar um pedido de livros. A partir desse pedido, a informação é disparada para todos os livreiros que fazem parte da rede. “Isso também foi algo de bom”, reconhece.

Uma das exigências da ReLI, na carta aberta que é possível consultar na página de internet da associação, é o cumprimento da Lei do Preço Fixo. Mesmo em tempo de emergência, acusam os livreiros, as grandes cadeias de livrarias e as próprias editoras, através das suas páginas online, de praticar “descontos acima do que é permitido pela lei”.

“Os editores nos seus sites, em venda direta, fazem descontos que não fazem ao livreiro”, queixa-se Sílvia Lemos. A Lei do Preço Fixo determina que não é permitido fazer descontos superiores a 10% sob o preço fixado pelo editor ou importador nos livros editados há menos de 18 meses.

“As grandes redes fazem promoções, muitas vezes instantâneas, em que superam largamente os 10% de desconto permitidos pela lei em livros novos”, aponta Sílvia Lemos. Independentemente da capacidade negocial destas empresas e das margens comerciais que elas obtenham, nos primeiros 18 meses após a chegada de um livro ao mercado, todas as livrarias, grandes e pequenas, deviam estar em igualdade de circunstâncias relativamente ao preço de venda ao público, é esse o espírito da lei. Contudo, não é assim que acontece na prática.

Grandes retalhista e editores trabalham nas brechas da lei

A lei comtempla exceções:  para Feiras do Livro, Festas do Livro ou Mercados do Livro. Estas iniciativas têm que decorrer em períodos de tempo previamente determinados e a duração acumulada de todas as iniciativas realizadas em cada ano por uma mesma entidade, em cada um dos seus estabelecimentos ou sucursais, não pode ultrapassar 25 dias, salvo quando se trate de Feiras do Livro organizadas por organismos representativos dos editores e livreiros. É na brecha criada por estas exceções que os grandes retalhistas e os sites das editoras operam. “Ainda que estejam dentro da legalidade, estas promoções não respeitam o espírito da lei”, pondera Sílvia Lemos.

Sílvia afirma que em outros países, e dá o exemplo de França, o poder destes grandes grupos não é tão grande. “São países que têm uma cultura de livros, que querem preservar a livraria de rua, onde o livreiro cultiva uma proximidade com o leitor”.

Uma livraria de pequenas dimensões não tem capacidade para montar uma loja online, cumprindo todos os requisitos comerciais e legais. No caso da Rimas e Tabuadas, além das redes sociais e dos pedidos que chegam através da ReLI, inscreveram-se na plataforma criada pela Câmara Municipal, a Proximcity, mas sem grande sucesso. “Inscrevemo-nos e colocamos alguns artigos para experimentar. Mas houve muito poucas vendas, menos de dez e só com os vouchers de oferta”, lamenta Sílvia Lemos.

“Um livreiro é um leitor”, isto faz toda a diferença para Sílvia. O livreiro sabe o que vai sair e a quem pode interessar aquela obra, avisa, recomenda, manda um email. Só o livreiro consegue identificar que um leitor pode gostar, ou estar interessado num determinado autor porque leu outro, ou porque se interessa por um certo tema. Nas redes e nas grandes superfícies não há livreiros.

Sílvia reconhece que a leitura “requer tanta coisa que é contrária à nossa sociedade atual que não é simples criar novos leitores. Mas eu continuo a acreditar que as pessoas se podem deixar surpreender por um livro.” A livreira realça a relação humana que temos com os livros, com quem nos podemos continuar a relacionar passadas centenas de anos. “As disquetes ficaram obsoletas, o VHS, os CD’s, hoje, muitos de nós nem temos aparelhos para ler estes suportes, mas posso ler um livro com centenas de anos”.

Sílvia Lemos acredita que há futuro para os livros. “Até porque, as crianças quando aprendem a ler, gostam de livros, querem juntar letras”. Sílvia lembra que, mesmo em casas onde há poucos livros, se houver crianças normalmente há livros infantis. Há uma fase em que, “talvez por imposição de leituras”, os miúdos se perdem. “É preciso haver espaços com livros, locais onde se possam criar laços com livros”, lembra.

A proibição de venda ao postigo que foi imposta às livrarias, supostamente para as colocar em igualdade de circunstâncias com hiper e supermercados, tabacarias e estações de correios, foi um rude golpe que dividiu o setor do livro. Por um lado, a Associação Portuguesa de Editores e Livreiros (APEL), que defende que seja permitido vender livros em todos os espaços que se mantêm abertos, rejeitando o argumento de que se trata de concorrência desleal com as livrarias independentes. A APEL acusa as livrarias independentes de preferirem fechar por acharem que não vão ter clientes. Por outro lado, a ReLI que acha que “em primeiro lugar está o combate à pandemia”, por isso não contestou o encerramento das livrarias, nem a proibição de venda ao postigo. Os livreiros independentes defendem, no entanto, que os apoios não deverão ser extintos quando as livrarias puderem reabrir.

No meio de tudo isto, uma nota de esperança, embora ainda com resultados preliminares, Sílvia Lemos afirma que apesar de a faturação da Rimas e Tabuadas ter reduzido, devido ao encerramento, no que toca à venda de livros isso não aconteceu. “Embora tenhamos perdas grandes, porque perdemos a cafetaria, a livraria não baixou, houve momentos em que até aumentou”.  

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