Valter Hugo Mãe: “As pessoas sabem o que está em causa”
A entrevista está disponível na íntegra no Facebook e no canal do YouTube do Mais Guimarães.

O escritor Valter Hugo Mãe, em entrevista ao “Em casa, à conversa com…”. A entrevista está disponível na íntegra no Facebook e no canal do YouTube do Mais Guimarães.

Mais Guimarães (MG): Até que ponto é que esta pandemia está a mudar a sua vida?
Valter Hugo Mãe (VHM): Desde logo, para além da contingência de não poder sair de casa, traz uma espécie de convite a uma certa meditação. Até tenho insistido um pouco nesta ideia: estamos todos convidados a confrontarmo-nos com quem somos. Eu espero que as pessoas não estejam simplesmente a gastar tempo como se este não fosse um tempo interessante, mas que o estejam a potenciar para que ele possa trazer respostas de outro tipo. Nomeadamente as respostas que não conseguimos encontrar porque dizemos que temos mais que fazer, o quotidiano é muito à pressa para nos permitir algum tipo de reflexão, algum tipo de lucidez. Acho que são umas semanas, eventualmente meses, em que é muito importante não virarmos uma plateia de comedores de pipocas, mas que façamos outras coisas, este encontro, estas conversas. Encontremos as pessoas desta forma e debatamos as nossas relações, as nossas vidas. Na verdade, o meu trabalho é uma quarentena contínua. Um escritor trabalha em casa. Sempre trabalhei sem patrão, não tenho muito quem esteja à minha espera ou a controlar o meu quotidiano. A grande diferença é que todas as noites saía para o café e isso fazia parte da minha higiene mental e agora não saio. Agora, estou intensamente acompanhado por mim mesmo e acompanhar a minha mãe.
MG: Está de alguma forma preocupado com as relações interpessoais?
VHM: Sim. Esta disciplina é um tremendo desafio e vai fazer vítimas. Não é só o vírus. Vai vitimizar quem estiver mais cansado, vai agredir quem puder ter propensões para a depressão ou uma certa vulnerabilidade. Quem não souber estar consigo mesmo, quem não for bastante para si mesmo, como isto é um exercício de certa solidão, creio que vai sofrer. A intensidade desta situação e a intensidade das relações que temos com quem estivermos confinados em casa, vai criar discussões, fadiga, uma saturação que pode levar a um desafio para os nossos especialistas das terapias, psicologias, psiquiatrias. Como trabalho em casa há muito e estou muito habituado ao confronto com o silêncio, o tamanho da casa. O facto de viver num apartamento, estou habituado a mover-me num espaço relativamente pequeno. Das primeiras coisas que me salta à vista é isso: quem estiver habituado à saída e a essa coisa refrescante que é encontrar os outros, vai sentir este confinamento de outra forma. Assusta-me. O medo que tenho tem mais que ver com isso.
MG: Em termos comunitários, os mais novos estão a proteger os mais velhos. É algo positivo?
VHM: É uma lição que precisamos de aprender e ensinar. Não me parece que possa haver outra solução que não seja organizarmo-nos, como um todo, para a proteção dos mais vulneráveis. No Brasil, o presidente grotesco apela a que as pessoas regressem ao trabalho, a que os alunos voltem à escola, porque vai haver mais sofrimento com a queda da economia do que com a morte das pessoas. Eu acho absolutamente desumano que se possa partir deste pressuposto. Daria vontade de perguntar quem é que na família dele se disponibiliza para a morte? Acho que a única solução que nós temos e via humana é organizarmo-nos todos para que todos estejam em segurança. De início, devo dizer que havia uma malta jovem que passava pelas varandas e que iam resistindo. O café aqui ao lado da casa da minha mãe foi das últimas coisas a fechar. E por mais que se dissesse e apelasse a um distanciamento, o café estava cheio da mesma forma, com os mesmos jogadores de cartas. Mas, subitamente, e declarado o estado de emergência, houve um silêncio maior. E creio que, finalmente, a informação foi passando. As pessoas sabem o que está em causa e os mais novos sabem que dificilmente hão de morrer ou sofrer demasiado, mas entenderam que a sua conduta pode oferecer a morte aos seus mais velhos e vulneráveis.
MG: O que mais teme do que poderá vir com esta pandemia, como efeito? Uma crise económica pode ser um grande problema.
VHM: A crise económica vai ser horrível e quem passar necessidade vai achar que é a hecatombe absoluta. O maior risco que se corre é o oportunismo das ideias extremas da política. Estas situações são perfeitas para que se gerem arrogâncias políticas que nos levem a regimes muito mais próximos da ditadura. Felizmente, as coisas parecem estar a disciplinar um certo fascismo que estava a crescer em Portugal. Os jovens fascistas de serviço que apareceram, alguns até de simpatia nazi, algo que é atroz e inacreditável, estão absolutamente calados e não têm nada a dizer. São uns nojentos atacantes do que é o papel e a função dos estados e acreditam que tudo devia estar na mão de alguém que lucre, num capitalismo sem limites. Estamos todos a entender que o patronato, as empresas privadas, não têm quase papel nenhum na defesa das pessoas numa situação destas. Contamos todos, sim, com o Sistema Nacional de Saúde.
MG: Têm surgido opiniões que definem esta pandemia como sendo a natureza a tentar remediar o que o homem foi destruindo ao longo do tempo. Partilha dessa opinião?
VHM: Não. Isso é o eterno pensamento de que Deus existe e que vai culpar-nos do mal que fazemos. Isso não faz sentido nenhum.
MG: Mas haverá uma mudança na forma como as pessoas olham para a natureza?
VHM: Eu espero que sim, mas não acredito. Quando o Governo disser às pessoas que é seguro sair à rua, verás os shoppings cheios, as praias cheias, os carros poluindo tudo outra vez. Verás as pessoas a comprar todos aqueles produtos que estão cansadas de saber que são feitos por crianças. A grande multidão vai sempre agir de uma forma egoísta. O que eu espero que possa acontecer no fim desta quarentena é que surjam novas elites. Elites intelectuais, políticas, culturais. Novos discursos e figuras inspiradoras. As multidões raramente mudam a história, raramente uma multidão toma conta das suas vidas. Normalmente, o que acontece é que nós, enquanto multidão, seguimos figuras inspiradoras que apontam determinados caminhos e que nos seduzem para uma verdade que parece melhor. E a minha esperança é que redobrem essas figuras inspiradoras. Mas que saiam daqui figuras de uma nova geração para termos mais atenção a questões climáticas, da proteção de todos, do Serviço Nacional de Saúde, da escola pública para que todos possamos ter acesso às mesmas oportunidades. E que saiamos daqui convictos que apenas a moderação nos poderá servir. Nem a extrema-direita nem a extrema-esquerda nos podem servir. Do pé para a mão a sociedade estar mudada no fim disto? Não. Vai estar comovida durante uns dias. E a dada altura, ninguém vai mais querer falar disto porque vai ser uma ser uma saturação. As pessoas vão querer fazer o que faziam antes e ser tão incautas como sempre foram.
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