Viver a academia entre os ensaios e a folia

Artigo publicado na edição de maio da revista Mais Guimarães.

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Por esta altura, o fim de mais um ano letivo aproxima-se. Para trás, os estudantes da Academia Minhota deixam noites de estudo, alguns amigos, os professores mais chatos – e os menos chatos também -. Alguns há que deixam “bebedeiras, serenatas e folia”, e outros há que deixam “serões, ensaios e confusões”.

Em mês de Enterro da Gata, Margarida Silva, Magister da Tun’Obebes, e Igor Fernandes, Magister da Tuna Afonsina, estiveram à conversa com a Mais Guimarães. É no Bar Académico que, no piso superior, as duas tunas vimaranenses ensaiam. Lado a lado.

Fundada a 11 de dezembro de 1992, a Tuna Feminina de Engenharia da Universidade do Minho, nasceu no Círculo de Arte e Recreio, apadrinhada pela Opum Dei. O primeiro ensaio realizou-se em janeiro de 1993 e a estreia aconteceu no clássico teatro Jordão, em maio, nas comemorações do Enterro da Gata.

Dois anos mais tarde, em março de 1994, no emblemático Café Óscar, um grupo de jovens estudantes da Universidade do Minho decidiu dar início à Tuna de Engenharia da Universidade do Minho.

© Claúdia Crespo / Mais Guimarães

O que é que faz um magister numa Tuna?

Margarida Silva (MS): Acho que se pode dizer que passa tudo por nós. Tudo o que acontece aqui, nós sabemos basicamente tudo.

Igor Fernandes (IF): Uma tuna é uma máquina em movimento. Se parar uma roda, a roda do topo, aquilo deixa de funcionar, e os magisters são isso, quem mantém a máquina a trabalhar. Como a Margarida disse, passa tudo por nós, mesmo ao nível de gestão. Pensar em tudo, falar com as entidades, falar com estes, falar com aqueles, gerir as pessoas da tuna – isso é a parte mais difícil -, e tentarmos, nesse processo todo, ter ideias e juntar pessoas para concretizar essas ideias e conseguirmos fazer as nossas atividades não iguais àquilo que se costuma fazer, mas sempre fazer alguma coisa diferente e evoluir um bocado.

Qual é a história da Tun’Obebes e da Afonsina?

MS: Nós nascemos primeiro que eles, por isso posso começar. Acho que era o que faltava aqui. Nascemos primeiro, em 92. Eles vieram logo a seguir. A Tun’Obebes, primeira tuna feminina e primeira tuna de engenharia da Universidade do Minho, nasceu da vontade de viver a vida académica ao máximo, em 1992, com o apoio do CAR – Círculo de Arte e Recreio, onde teve a sua primeira sala de ensaios. Fazer parte da tuna é fazer parte de uma família. Nós estamos aqui, convivemos, tocamos música, mas, acima de tudo, fazemos todos parte de uma família. Acho que foi isso que levou a que a Tun’Obebes fosse criada.

IF: A Afonsina foi fundada no Café Óscar, como muita gente sabe, em 94, dois anos depois da Tun’Obebes. Naquela altura, o que primou foi, acima de tudo, a amizade que aquelas pessoas tinham. Eram pessoas que tocavam instrumentos ou queriam aprender a tocar instrumentos e olhavam para a Universitária do Minho como uma tuna que fazia as suas coisas em Braga… Faltava aqui em Guimarães uma tuna masculina. A Tun’Obebes tinha dado o primeiro passo e aquele grupo de pessoas decidiu dar o passo de criar uma tuna masculina e criaram a Tuna de Engenharia. Contaram com apoio do senhor Castro e da dona Joaquina no café Óscar e, a partir daí, a tuna foi evoluindo, passando os seus momentos de altos e baixos… Mas ainda cá estamos hoje.

Sentem que Guimarães está aberto a este tipo de grupos?

MS: Acho que já vimos de tudo um pouco. Acho que agora, se calhar com a vinda do covid… Nós temos aqui os nossos alunos da Universidade do Minho e temos bastante vida académica também. Tentamos sempre fazer eventos que vão puxar não só malta dos grupos culturais quer daqui quer de Braga, mas puxar a vida académica um pouco até nós também e mostrar que as tunas não são só fazer música, são muito mais do que isso.

IF: A cidade vai-nos começando a conhecer. Aos poucos, mas vai. Nota-se uma evolução no crescimento que as tunas têm tido em Guimarães e as pessoas a falarem sobre nós e a virem aos nossos eventos e principalmente aos nossos festivais. Se não fossem os dois anos de covid, estariam ainda mais pessoas do que aquilo que estiveram nos últimos, e nota-se que as pessoas quando nos veem vão sempre atrás de nós. Sempre que andamos aí pela rua, no meio da cidade, as pessoas veem pessoal trajado com instrumentos às costas e vêm tentar ver um bocado daquilo que nós fazemos. Depois é aquela questão da universidade em termos académicos, porque se fecha um bocado aqui à zona de Azurém, mas já se vai tentando, aos poucos, expandir mais para o para a zona central. Começa a haver um reconhecimento geral daquilo que todos nós fazemos.

Toda a gente conhece a rivalidade Guimarães Braga. Sentem isso nos grupos culturais?

IF: A rivalidade Guimarães Braga na universidade não é a rivalidade vivida nas duas cidades. É diferente. Braga tem mais pessoas. O polo de Gualtar tem bastante mais alunos que o polo de Azurém, o que faz bastante diferença logo à partida. Mas, por outro lado, eles têm muitos mais grupos culturais. Nós só somos dois. Apesar da diferença do número de pessoas, penso que tanto a Afonsina como a Tun’Obebes conseguem beneficiar do facto de serem tunas isoladas. O mais difícil talvez seja a vida académica. Braga tem uma vida académica bem maior do que Guimarães.

Com estes dois anos de pandemia, foi fácil trazer novos estudantes para as tunas? Como é que lidaram com dois anos parados?

MS: Fácil não diria, mas como esteve parado para nós dois anos, também esteve para as pessoas. Tivemos bastantes novas estudantes a entrar, o que foi bastante bom e que não entraram mais cedo por causa do covid. Se foi fácil sair da era do covid? Não. Foi muito difícil voltar às atividades ou outras coisas que nós tínhamos planeado e ter o público que nós queríamos. É uma coisa que ainda estamos a batalhar bastante.

IF: Para nós foi um bocado diferente. Há uma parte que foi bastante igual à Tun’Obebes, a parte dos novos elementos. Havia muita gente que queria entrar para as tunas e não o fez por causa dos anos de paragem. Nós tivemos a sorte de sermos a única tuna que conseguiu realizar o festival na altura, ainda em 2020. Tivemos muita sorte, porque bastava ter sido uma semana depois e ia tudo pelo charco. Já aquele festival foi, na altura, um festival com bastante gente e sentia-se, cada vez mais, a evolução do público. A Afonsina este ano teve dificuldades em regressar às atividades, como é óbvio. Havia muitos entraves a todas as atividades, a própria organização do Cidade Berço implicou muitas dificuldades a nível de restrições. Tivemos que colocar um recinto improvisado com cadeiras, coisa que nunca tinha acontecido. Foram questões que foram dificultando, mesmo os próprios alojamentos para trazer as tunas cá. Mas tivemos um retorno incrível. Em 16 festivais, foi o com mais casa, com maior número de bilhetes vendidos. Tivemos duas noites repletas e para a Afonsina foi um regressar em grande, mesmo. Vamos no nosso quarto festival, este ano, sem contar com o Cidade Berço e está a ser um regresso em cheio.

MS: Para nós, podermos voltar a realizar o Serenatas ao Berço foi muito bom. A última edição do Serenatas ao Berço foi em 2019. Foi bastante bom conseguimos voltar, mas é como o Igor diz, um festival não se prepara com dois meses de antecedência. Fomos, a Afonsina mais do que nós, fazendo as coisas e pensar sempre no plano B. Nós tivemos a sorte de as restrições terem sido levantadas antes do festival, mas tínhamos que ter sempre um plano B para alguma das coisas que pudesse voltar um passo atrás e ter esse cuidado.

Como é o ambiente que se vive nesses festivais? Não só os vossos, mas naqueles onde vão também.

MS: O convívio intertunas é bastante bom, não só para os copos, como toda a gente diz, mas para conhecer como é a realidade noutros a nível nacional. Não é tudo igual. Mesmo aqui, o festival da Afonsina não é igual ao da Tun’Obebes. Não é igual a Braga. O conceito é o mesmo praticamente em todo o lado, mas há coisas que são vividas de outras formas e feitas de outras formas e é sempre bom conhecer essa realidade e estar noutros festivais que não os nossos.

IF: Uma pessoa vai por aí abaixo, faz contactos com outras tunas, conhece outras realidades… Acabamos sempre por ter aquela expectativa de que nós viemos a este festival, vamos apresentar-nos a novos públicos, vamos receber novos seguidores e eventualmente esse reconhecimento. A verdade é que vivemos de reconhecimento e se nós não tivermos esse reconhecimento por parte do público, dificilmente seremos convidados para outros festivais. Irmos a essas cidades, atuarmos e chegarmos cá fora e o pessoal curtir de nós, as outras tunas virem à nossa beira, falarem connosco… Cria-se ali uma rede de conhecimento que ajuda e, às vezes, basta fazer um telefonema e conseguimos fazer uma tuna vir a Guimarães ou vice-versa. Basta fazer um telefonema que nós vamos a uma cidade se for preciso, de norte a sul do país, vamos a qualquer lado. Às ilhas é mais difícil um bocado, mas já fomos. Já fomos os dois.

O que é que vocês acreditam que vos distingue do panorama nacional?

IF: [risos] Vocês fazem sempre essa pergunta. Posso ir buscar cábulas?

MS: [risos] É mais difícil. Acho que é um pouco a diversificação, o ambiente. É um pouco de tudo, acho eu. Não se consegue ter numa tuna o que se tem noutra. As tunas são compostas por pessoas, todas com valências diferentes e que trazem valências novas para acrescentar ao grupo.

IF: Não há duas tunas iguais. Cada tuna tem a sua forma de viver, porque as pessoas têm as suas formas de fazer as coisas. A Afonsina não se rege pelo tradicional. Claro que fazemos algumas coisas tradicionais, se não não seríamos uma tuna. Mas o nosso espetáculo não é um espetáculo montado na base daquilo que se vê nas tunas do Porto, de Coimbra, e por aí fora. Nós vamos muito por aí e procuramos sempre arrojar um bocado naquilo que fazemos. Quando alguém me pergunta o que é que nos diferencia, digo para irem ver o nosso instrumental. Tentámos sempre não ser iguais, porque até o público, ao ver dois registos muito parecidos, a primeira tuna muito provavelmente vai ser a que terá um melhor registo. A segunda vai ser em comparação. Nós não sermos iguais a toda a gente, ou não sermos muito parecidos aos outros, talvez ajude um bocadinho as pessoas a pensar “estas pessoas estão a fazer coisas diferentes”.

E qual é o percurso de um estudante nas vossas tunas?

MS: Quando entram, são pré caloiras, vestidas de preto. Depois passam a caloiras, de vestido com as cores da tuna. Quando chegam a tunantes, substituímos o vestido com algumas alterações.

IF: Nós temos um nome mais técnico. O nosso pré caloiro de pijama e capa é o pionés. Depois temos os peões, com a batina com a primeira cruz da Fundação. Quando passamos a tunos, Afonsinos, trocamos a batina pelo casaco e pelo tricórnio.

Quando a universidade acaba, pode continuar-se na tuna?

IF: Até os professores dizem isto, não é mentira e muita gente diz isto: uma vez na tuna, na tuna para sempre. Eu diria que a maioria dos membros ativos das tunas neste momento, tendo em conta que viemos da pandemia, são pessoas que já não são estudantes.

Vocês têm maioritariamente alunos de Guimarães, mas não só, nem só de engenharia…

IF: Qualquer estudante que queira participar na tuna está à vontade, é só aparecer. No caso da Afonsina, às terças e quintas.

MS: Nós é às segundas e quartas.

Já fizeram coisas em conjunto ou pensam fazer?

MS: Temos planos para o futuro. Nós tínhamos planeado fazer um evento que depois que com o covid tivemos que cancelar.

IF: O facto de sermos duas tunas, só, aqui em Guimarães e termos a nossa sala de ensaios encostada uma a outra, facilita este tipo de parcerias.

O estarem lado a lado influencia a forma aquilo que fazem e a forma como se apresentam?

IF: Acho que não, não tem grande impacto, sinceramente. Apesar de estarmos muito, muito tempo no mesmo espaço e nas mesmas zonas, acho que as duas tunas têm a sua identidade bastante marcada.

© Claúdia Crespo / Mais Guimarães

A Afonsina tem um CD, “O Primeiro”. Há planos para o futuro?

MS: Existe um plano para o futuro. Temos esse plano para lançar o nosso primeiro CD.

IF: Para o segundo álbum já foi dado o primeiro passo. Infelizmente, não pudemos continuar logo. Esperamos num futuro muito próximo conseguir concluir esse desejo de lançar “O Segundo”. Quando estiver pronto, esperemos que as pessoas gostem tanto d’O Segundo quanto gostaram d’O Primeiro.

Quem é que normalmente escreve os vossos originais?

IF: No último original que nós temos, a Caravela, que tem ganho prémios a todos os festivais que vamos, a iniciativa começou por um tuno que foi nosso ensaiador. Começou a escrever a música, os acordes, os arranjos… Foi juntando mais pessoas da tuna e pessoal que percebe mais de música. Apesar de sermos grupos musicais, nem todos percebemos assim tanto. Há pessoal que chega e vai aprendendo aqui. A partir do momento que a música é apresentada à tuna, há sempre alguém que se lembra de alguma coisa e que até ficava bem e faz as alterações.

Vocês, Tun’Obebes, têm uma música sobre Guimarães que acredito que a levem pelo país fora. Como é a reação do público?

MS: Acho que é boa. Sempre que vamos a algum lado a receção do público é boa e acho que isso é bastante importante. É bom termos essa receção a nível nacional, não só em eventos da Universidade do Minho, nem só em eventos académicos, como eventos fora. No ano passado, por exemplo, fizemos uma atividade com lares de idosos. Começou por ser uma atividade online e depois fomos atuar nos lares. Não é por serem pessoas mais velhas, mas acho que é bom ter essa receção não só a nível dos estudantes e de toda a vida académica.

As pessoas, muitas vezes, associam as tunas só, lá está, às bebedeiras, serenatas e folia. Mas a verdade é que muitas vezes vocês também têm essa vertente mais solidária.

MS: O nosso próprio festival teve esse cariz solidário. Uma parte da nossa bilheteira foi doada para uma associação aqui em Guimarães, Vencedores do Cancro Unidos pela Vida. Tanto nós como a Afonsina costumamos ter atividades que não sejam só da vida académica e isso é bastante bom para darmos a conhecer o nosso trabalho e o que é que nós somos, o que é que faz parte de nós, qual é a nossa identidade, a toda a sociedade.

IF: Às vezes é difícil chegar aos projetos. Mas sempre que alguém vem falar connosco, nós tentamos participar. Temos feito a nossa participação junto da Casa da Juventude. Tentamos sempre estar o mais próximos possível da comunidade. Fazemos parte dela.

Qual é que consideram ser a importância das tunas na Academia?

MS: É importante não ser só a vida académica que toda a gente está habituada. É um lado académico diferente. Tal como já referi, acho que fazer parte de uma Tuna, é fazer parte de uma família, é fazer amizades com pessoas que não conhecíamos e conhecer valências e coisas que nós não fazemos ideia que existem.

IF: Quando fazemos parte de uma tuna, acabamos por estar mais tempo ligados ao ambiente académico. Mesmo depois de sair, continuamos a vir aqui e a participar em muitos eventos académicos. E vamos sempre ajudando a fazer com que as tradições se vão mantendo. Há uma forte vertente cultural. O facto de a Universidade do Minho estar inserida no Minho faz com que, quando nós vamos por aí fora, levemos aquilo que é a cultura do Minho e a forma de fazer as coisas no Minho. Se há diferenças nas tunas dentro da própria universidade, as diferenças de universidade para universidade são um bocado maiores e de região para região também. Uma tuna no Minho não é o mesmo que uma tuna em Coimbra.

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