QUANDO SE ESQUECE O CÉREBRO E SE VERTE A INTELIGÊNCIA PELOS INTESTINOS!

por Carlos Guimarães

Médico

No sábado passado esteve um fantástico dia de praia. Imagine que desfrutou dele com amigos e o mar lhe ofereceu uns belos mergulhos na fresca água do nosso atlântico. Entretanto, surge um entardecer daqueles que jamais se esquece, e chega a hora de preparar o churrasco. Não há nortada e a noite promete ser longa e quente. A churrasqueira é generosa, a grelha está pronta, as barrigas de porco entremeadas estão bem temperadas e prontas para soltarem a gordura nas brasas. De repente apercebe-se de que não há carvão! Não existe devido a uma sábia e patética lei que proíbe o seu uso (da maneira que nos limitam o que podemos comer e beber, qualquer dia acontece). Vai ter de arranjar uma alternativa… Mas não é a mesma coisa!

 

Num passado bem recente ouvi sábios ministros besuntados numa euforia de origem duvidosa a proclamarem que estava na hora de trazer de volta a Portugal os cérebros que fugiram devido ao período negro da austeridade. Empardeci o sorriso e não acreditei. O tempo, escasso, veio dar-me razão.

A ultra sabedoria dos fazedores de leis que gravitam e crescem no centro do universo luso, determinaram há uns meses atrás que a aquisição de bens e serviços por parte dos laboratórios e institutos de investigação científica, habitualmente ligados a universidades, só podem ser concretizados após procedimento de concurso público. Uma coisa chata como o raio, complicada como o diabo e extremamente demorada neste país. No fundo, pretende-se emparelhar, algo que é diferente, com a restante administração pública que, como todos sabemos, vai bem e recomenda-se!

Mariano Gago criou um regime de exceção para estas entidades. As suas capacidades e inteligência evidenciavam que só dessa forma a investigação científica poderia avançar e funcionar. Não sendo eu investigador facilmente vislumbro que não é possível atingir resultados se o projeto de investigação tiver de ser interrompido enquanto se aguarda  os resultados dos concursos públicos de adjudicação. Em investigação científica não é possível prever com rigor resultados e consumos para o ano seguinte, uma vez que isso é atentar contra o princípio básico da própria investigação. Em última analise, estes procedimentos concursais podem paralisar projetos de investigação em curso e  em fase final.

Qualquer pessoa com dois neurónios ativos e sinapse funcionante entende que ao fazer leis desta natureza é o mesmo que  defecar na ciência. Acredito que os sábios de Lisboa, por vezes, ignoram as células nervosas para pensar, provavelmente nesses momentos usam as tripas, e o resultado só pode ser aquele que nos vem ao pensamento.

Acresce ao facto que, muitas destas entidades de investigação, ganharam prémios e concursos  internacionais, com dotações financeiras ligadas a projetos específicos, ou seja, têm dinheiro que receberam por mérito próprio, mas devido à dita lei só o podem gastar após a finalização dos concursos de adjudicação. Têm a massa, mas não a podem sacar do mealheiro. Em situação extrema, podem ser obrigados a devolver a verba que não puderam utilizar.

Mergulhados nesta trapalhada, acredito que haja centros de investigação que já andam a rapar o fundo do tacho, com carência de bens essenciais como pipetas ou placas de petri.

Usando apenas dois neurónios do meu cérebro, sou levado a concluir que os cérebros que fugiram não voltam, e os que puderem, vão fugir. Afinal o período negro da austeridade parece que está a ficar mais escuro.

Não são apenas os médicos, os enfermeiros e os professores que estão em burnout. Estamos todos a ficar nesse estado de coisa.

Dá vontade de lançar uma petição a favor da utilização do cérebro em detrimento das ansas intestinais quando a matéria for PENSAR.

Eu subscrevo.

 

Nota Final: Que me desculpem os franceses e a França, mas os novos campeões do mundo são os Javalis e todos os que os conseguiram resgatar daquela gruta na Tailândia. Afinal ainda há alguma esperança na Humanidade.

 

 

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