A SALA DE HEMODINÂMICA DO HSOG ESTÁ PRONTA HÁ UM ANO, MAS NÃO ABRE
A unidade de cardiologia de intervenção e diagnóstico do Hospital da Senhora da Oliveira continua sem funcionar — falta a autorização do Ministério da Saúde. Doentes da área de influência direta do hospital são reencaminhados para Braga, num transporte que os expõe a outros riscos.
A unidade de cardiologia de intervenção e diagnóstico do Hospital da Senhora da Oliveira continua sem funcionar — falta a autorização do Ministério da Saúde. Doentes da área de influência direta do hospital são reencaminhados para Braga, num transporte que os expõe a outros riscos.
Pronta desde outubro do ano passado, a unidade de cardiologia de intervenção e diagnóstico do Hospital da Senhora da Oliveira de Guimarães (HSGO) continua sem funcionar — e representa um custo de 2,5 milhões de euros de investimento por mecenas.
Um ano depois, falta “o ultimar dos pareceres que duas entidades, a ARS Norte e a ACSS [Administração Central do Sistema de Saúde], têm de emitir” para que a unidade, onde doentes que sofreram enfartes poderão ser tratados, comece a funcionar, dizia Marta Temido em março último, numa audição parlamentar na Comissão de Saúde, respondendo ao deputado do PS Luís Soares. Na altura, a ministra da Saúde acrescentou que a unidade “não corresponde exatamente ao desenho inicial da rede de referenciação para esta área”, mas que tal não era motivo para não se resolver “o problema”.
Ao PÚBLICO, Luís Soares referiu que na área de influência direta do hospital estão concelhos como Fafe, Vizela ou Mondim de Basto, mas também “utentes de outros concelhos como Vila Nova de Famalicão, Trofa, Santo Tirso, Felgueiras, Celorico de Basto” e ainda de “Felgueiras e Celorico de Basto”. A lista é referenciada num documento assinado por António Lourenço, diretor do serviço de cardiologia do hospital, que foi enviado pelo conselho de administração do HSOG para o Ministério da Saúde e as entidades sob a sua alçada em 2017, tendo sido reenviado a 12 de junho de 2018.
Contudo, dias depois, a 18 de junho, o concelho de administração do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia/ Espinho foi notificado – num documento a que o Mais Guimarães teve acesso – para que os doentes de cardiologia do Hospital de Guimarães passassem a ser encaminhados para a unidade de saúde bracarense.
Evitar a deslocações para encurtar custos
No mesmo documento pode ler-se que, “no cumprimento da rede de referenciação hospitalar daquela especialidade, bem como no cumprimento do Contrato de Gestão da Parceria Público Privada do Hospital de Braga”, foram transmitidas orientações internas para que as referenciações de doentes “de valência de cardiologia” provenientes do Hospital de Guimarães fossem “sempre feitas através do Hospital de Braga”. O Hospital de Gaia recebia os doentes de Guimarães “desde 1993”, apontou uma fonte do HSOG que preferiu não ser identificada.
Havendo uma sala de hemodinâmica por estrear em Guimarães, é necessário proceder-se ao deslocamento do doente para Braga; evitando-se a viagem, encurtam-se custos. “Temos cerca de 1.000 a 1.200 cateterismos por ano desde agosto de 2018 todos encaminhados para o Hospital de Braga — que queríamos fazer na nossa ‘casa’ e encurtando custos para nós. A [rede de] referenciação logo se via”, disse o diretor do serviço de cardiologia ao jornal Público.
Apesar disso, segundo a mesma fonte não identificada, esses mesmos doentes estarão a ser rejeitados pelo hospital bracarense. “O Hospital de Guimarães pediu uma série de consultas e exames ao Hospital de Braga, de especialidade e a resposta de Braga foi: ‘Fora da área, ou sem inscrição ativa no registo nacional de doentes.’ Ou seja, é como se o doente não estivesse inscrito no Serviço Nacional de Saúde”, esclarece.
Desde setembro, quando o Hospital de Braga voltou à esfera pública, passando a integrar o Serviço Nacional de Saúde, os doentes têm sido “recusados porque são todos de fora da área”, alega.
E isto acontece aos doentes de concelhos como “Felgueiras ou Mondim, ou seja, áreas de residência do Hospital de Guimarães”, em várias especialidades. Ao Público, o atual presidente do Conselho de Administração do Hospital de Guimarães, Henrique Capelas, apontou que “o assunto está em análise por parte do Ministério da Saúde, porque existem questões com a rede de referenciação e operacionais a resolver para ativar o serviço”.
O mesmo jornal apurou, junto da ARS Norte, sobre a conclusão dos pareceres para a unidade funcionar, que “um dos pareceres já está concluído e encontra-se em análise”. A reorganização da rede de referenciação também se encontra “em análise”.
A Liga de Amigos do Serviço de Cardiologia do HSOG e o Rotary Clube de Guimarães firmaram um protocolo para, junto da sociedade civil, dotar e renovar os equipamentos do serviço de cardiologia, campanha iniciada em 2015. Os fundos necessários foram alcançados para se proceder à instalação da Unidade de Diagnóstico e Intervenção Cardiovascular (UDIC), com a disponibilização de equipamentos renovados “para a atividade do Laboratório de Arritmologia, Pacing e Electrofisiologia (LAPE), bem como para a actividade de Hemodinâmica”, lê-se no documento. E isto não acarretou “qualquer custo de instalação ou manutenção”, pelo menos por cinco anos.
Faltam salas de hemodinâmica no Norte
Para além disso, o documento aponta ainda outras “vantagens” do Laboratório de Hemodinâmica do HSOG: pode ser usado por outras especialidades, como a cirurgia vascular, a neurorradiologia ou a radiologia de intervenção. Liberta ainda “uma sala do bloco operatório central”, já que as áreas da “aritmologia, pacing e eletrofisiologia” passariam para a UDIC.
A existência de uma outra sala permite “combater a lista de espera cirúrgica e evita custos com o encaminhamento do doente para um hospital privado convencionado”. “Em contexto de intervenção convencional com internamento, e considerando uma faturação de 1.000€ por intervenção, a faturação ascenderia a 800.000€ anuais”, indica o relatório.
Segundo os dados da Sociedade Europeia de Cardiologia, patentes no documento referido neste artigo, há “em ‘déficit’ de cardiologistas de Portugal” em relação aos países do continente europeu. A nível nacional, o mesmo documento mostra que “há falta de salas de hemodinâmica no Norte”, com uma população superior à região de Lisboa, que tem mais salas.
Em Portugal existem 19 hospitais com hemodinâmica: seis desses estão na região Norte e, especificamente no Minho, apenas um — o de Braga. Quanto às salas de hemodinâmica, a única existente (entre oito no Norte) na região minhota situa-se, mais uma vez, em Braga. Por cada milhão de habitante no Minho (com mais de 3,5 milhões de habitantes, segundo os Censos 2011), o número médio de salas de hemodinâmica é de 1,18 — ao passo que em Lisboa (2,8 milhões de habitantes) existem 3,19 salas por milhão.
Estes números motivaram o relatório, assinado por António Lourenço, a reforçar “a necessidade de passar a existir mais um laboratório de hemodinâmica no Minho”. Quanto mais tempo passar no enfarte sem revascularização coronária, e caso o doente não morra, a função do músculo cardíaco pode ficar afetada irreversivelmente. Não obstante, o transporte inter-hospitalar “expõe o doente” a outros riscos, alerta o relatório. Por isso, justifica o diretor do serviço de cardiologia do HSOG, a existência desta unidade no hospital “possibilitaria igualmente reduzir o tempo de espera para realização de cateterismos”.
Com Mafalda Oliveira
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