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Em Torno: “Construir e a recriar o espaço da cidade”

Artigo publicado na edição de maio da revista Mais Guimarães.

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Não é novidade: uma das melhores formas de conhecer um lugar é saber escutar histórias e memórias de outras pessoas. Paramos na rua do Retiro quando reparamos na placa que dizia “audio walk. EM TORNO começa AQUI”. Uma descrição e um QR Code que pode ser lido através do telemóvel. Através de um processo de criação “muito estimulante, novo e verdadeiramente desconhecido” para a diretora artística, Manuela Ferreira, com quem estivemos à conversa, é possível conhecer espaços escondidos Guimarães.

Em Torno é uma experiência performativa, em formato de percurso sonoro, que convida os espectadores-ouvintes a “construir e a recriar o espaço da cidade”, partindo da “recolha de testemunhos junto dos habitantes, colecionando memórias, experiências e descrições de lugares, itinerários, rotinas, pessoas, impressões visuais e sonoras, e outros múltiplos estímulos que recebemos da cidade”.

© Direitos Reservados

Como é que surge a ideia para Em Torno?

É muito difícil identificar as origens das ideias para avançar em determinados projetos. Às vezes são mais as oportunidades que surgem. Sempre me interessou muito a ideia do formato de uma audio walk, poder fazer um percurso guiado, de forma mais imersiva na relação com a escuta. Entretanto, o Município lançou uma call aos artistas da cidade para apresentarem propostas artísticas, precisamente para este período em que o contacto e a presença estavam um bocadinho comprometidos. Um dos critérios para a seleção dos projetos era precisamente o envolvimento, o caráter integrador, inclusivo da participação da comunidade. É uma área que me é próxima e na qual tenho desenvolvido muito trabalho neste cruzamento com a comunidade. Fiz esse casamento entre pensar outro formato e que permitisse, de facto, a participação na criação da comunidade.

O que é isto de “construir e recriar” o espaço da cidade?

Eu não sou de Guimarães, mas já estou a viver em Guimarães há bastantes anos, tempo suficiente para ir conhecendo melhor a cidade. É evidente que todos nós, habitantes de uma mesma cidade, traçamos mapas diferentes, quer através das nossas rotinas, muito pessoais e íntimas, quer através da memória de outros tempos. Muitas vezes até na interseção e na sobreposição de mapas de outras cidades. Sempre que chegamos e habitamos uma nova cidade, temos tendência, e é natural que assim aconteça, que o mapa que trazemos da cidade onde vivemos se intersete e crie dinâmicas com a cidade que nos acolhe.

São essas várias camadas, que contam uma cidade, que contam o habitar de uma cidade, que me interessava explorar, uma dimensão mais afetiva e sensorial. Normalmente somos mais atentos às cidades que não conhecemos e, por vezes, automatizamos os nossos sentidos no nosso quotidiano e este tipo de experiência chama-nos a atenção para olhar para determinados detalhes ou escutar determinadas memórias.

Começar na rua do Retiro permite uma diversidade enorme de caminhos. Como é que foi feita esta seleção de percurso?

Não estava, de todo, definido. Nem sequer sabia que iria começar por ali. Sabia, claramente, que o desenho do projeto acontecia a partir da coleção de testemunhos de pessoas da cidade, mas não sabia que me iria incluir. Por acaso, aconteceu. A dada altura, fazia sentido que assim fosse. Por isso mesmo é que começa ali, foi a primeira casa onde eu vivi em Guimarães. Foi também a partir dali que eu conheci a cidade.

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A construção do percurso foi muito orgânica, quase que como quem sai de casa para passear e de repente vai cartografando o que será o percurso a ser fixado.

Lancei uma call à comunidade, um formulário com 15 perguntas de diferentes naturezas, algumas mais vocacionadas para a memória, outras para rotinas… Perguntas que permitissem aceder a materiais diversos. Fiz uma seleção daqueles conteúdos que achava que poderiam ter mais interesse partilhar e explorar. A partir dessa seleção, sem pensar em nenhum desenho de trajeto, comecei a perceber.

Uma das melhores formas de conhecer locais é precisamente o saber escutar histórias e memórias de outros. Qual é, para si, a importância destes testemunhos?

Estes testemunhos eram a matéria, a dramaturgia para criar, foram o ponto de partida para a criação desta audio walk. É importante este tipo de experiências. O espectador ouvinte é conduzido de forma contínua, sem paragens, mas há esta ideia de transitamos de uma memória ou de uma história para outra sem pré-aviso, sem relação direta. Aproxima-se da ideia de vaguear, de deriva, de podermos descobrir, perder-nos. Aquilo que propõe a audio walk são histórias inesperadas que se cruzam e que criam outras leituras aos lugares e espaços por onde passamos.

É diferente fazer esta viagem no silêncio de um confinamento ou na agitação de Guimarães?

Tenho a minha própria experiência. Na fase final do processo, naquele período em que estamos a fazer as últimas afinações, depois de já ter decidido o percurso, quando estamos a fazer já trabalho de pós-produção e edição, fiz várias vezes o percurso. Fiz de manhã, à noite, em diferentes alturas do dia. Só mudando a hora do dia altera totalmente a experiência, fazer o percurso com muitas pessoas, e muitas a cruzarem-se pelo caminho, torna as leituras outras.

© Direitos Reservados

Enquanto encenadora e dramaturga, quais são as principais preocupações que tem durante o processo de criação?




O meu grande interesse prende-se mesmo com o processo criativo. Aquilo que mais me estimula enquanto artista é pensar, experimentar e desenhar novos processos criativos. Muito dificilmente repito um modelo de processo criativo. À semelhança de uma audio walk, sou muito errante na forma de criar e agrada-me essa instabilidade, não saber, pensar novas formas de criar e desenhar um processo criativo. Aquilo que mais me interessa, de facto, é encontrar novas formas de o fazer, de arriscar, novos formatos, novas formas de cocriar, também. Interessa-me muito a cocriação e daí a tendência em chamar para o meu trabalho a participação de profissionais e não profissionais e da comunidade em particular. É o meu maior interesse.

A criação artística é, por excelência, um lugar imprevisível. Gosto de aprofundar essa caraterística e cada nova criação segue caminhos inusitados.

E em relação ao público?

A questão do público, para mim, é fundamental. Muitos dos trabalhos que tenho desenvolvido, para além dos processos criativos que são muito diversos, os formatos também são. O público tem um lugar importante e privilegiado. Interessa-me investigar novas formas de incluir e de relacionamento com o público. Quando desenho um novo objeto artístico, antes de mais, a primeira questão que eu coloco é “que tipo de relação é que eu quero estabelecer com o público?”. Isso é fundamental no meu trabalho. Aquilo que acho importante é testar limites, perceber como é que gostaria que o público participasse.

Não é a primeira vez que tenta dar a conhecer um espaço de Guimarães, como fez, por exemplo, na peça Do Avesso. Porquê?

Não é específico de Guimarães. É uma linha de trabalho que me é muito próxima, esta do site specific e interessa-me o lugar, ou explorar o poder performativo do lugar. Os lugares e os espaços já são narrativas pré existentes, são elas próprias textos e histórias. Interessa-me muito criar a partir da memória do lugar, das pessoas que habitam esse lugar, a partir da arquitetura. Há muitas dimensões do lugar.

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