FOI BONITA A FESTA, PÁ…*

por TORCATO RIBEIRO 

Dirigente Político do PCP

Tinha quinze anos e estava numa aula no laboratório de Física e Química na Escola Industrial e Comercial de Guimarães, na manhã de 25 de Abril de 1974, quando pela primeira vez ouvi falar em algo de anormal que estava a acontecer em Portugal. Ouvimos correrias e berros nos corredores, mas só depois da aula acabar, a professora, amedrontada e receosa não nos deixou sair, é que soubemos que os estudantes do Liceu de Guimarães estiveram no exterior da escola a mobilizar alunos para integrar a manifestação de apoio ao golpe militar. Naquela sala de aula, o medo, imagem de marca do regime fascista, agonizava mas ainda mexia.

Inicialmente foi um golpe militar, para acabar com a guerra, mas o povo, até aqui adormecido, despertou, perdeu o medo, libertou-se das amarras e invadiu as ruas, e era tanto, tanto, que facilmente o golpe adquiriu outra dimensão, transbordou das mãos dos seus criadores e transformou-se em revolução! E que revolução!

Nesta escola, como em muitas outras espalhadas pelo país, havia espaços dedicados e  separados para os rapazes e as raparigas  não sendo permitido no seu interior qualquer contacto ou convívio entre os diferentes sexos. O derrube desta barreira simbolizou aquilo que eu pensava ser a liberdade. E era.

Em contraste com o país anterior, remediado e a preto e branco, os cidadãos, individual ou colectivamente, participaram na construção dum país novo, com tal convicção que parecia quererem recuperar o tempo perdido, vivendo intensamente este país agora colorido. Os que o viveram tiveram a felicidade de estar e fazer história como protagonistas num período de grandes conflitos e transformações na vida politica e social portuguesa.

Durou pouco, a festa, apenas dezanove meses, mas pela primeira vez, após quarenta e oito anos de ditadura, respirou-se liberdade, e praticou-se, sem conta nem medida, solidariedade, fraternidade e igualdade no seu mais puro e genuíno significado. Os cidadãos passaram a poder pertencer a um partido político, um sindicato ou associação cultural em pleno, sem censura nem constrangimentos, A guerra colonial, que ceifou mais de oito mil vidas da nossa juventude, e provocou milhares de feridos e estropiados, acabou. A polícia política, PIDE/DGS, instrumento de terror ao serviço do regime deposto, foi extinta. Foram libertados todos os presos políticos e os portugueses exilados no estrangeiro, para fugirem à guerra e à perseguição, regressaram ao país. Com a extinção da Comissão de Censura, passamos a ter liberdade de expressão e de manifestação, bem como o direito à greve. Todos participaram com entusiasmo na construção dum país novo e a jornada de trabalho voluntário num Domingo, a pedido do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves, é prova deste entusiasmo e determinação. Os trabalhadores e as classes mais desfavorecidas passaram a ter o direito à habitação, à saúde e à educação. Passaram igualmente a ter direito às férias e ao subsídio de férias, ao décimo terceiro mês e a um salário mínimo cujo valor, hoje, seria o equivalente a cerca de mil euros, que trouxe maior rendimento para quem trabalha garantindo melhores condições e oportunidades para uma vida mais digna para a esmagadora maioria da população.

Que viva Abril, sempre!

 

*Chico Buarque “Tanto mar” 2ª versão

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