HABITAR A CIDADE

ANA AMÉLIA GUIMARÃES Professora

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por ANA AMÉLIA GUIMARÃES
Professora

1. Uma das questões recorrentes que se coloca às cidades com centro histórico classificado, como é o caso de Guimarães, é o de manter o difícil equilíbrio entre a necessidade e direito ao descanso e à qualidade de vida das pessoas que aí habitam e os constrangimentos a essa necessidade, impostos pelas movimentações de turistas e pelo comércio.
Como já aqui escrevemos, durante décadas, a autarquia descurou (embora continuamente apregoe esses desejo, essa meta), descurou, dizíamos, a promoção de novas centralidades de convívio e lazer que libertassem o centro histórico da pressão ruidosa e desgastante que nos últimos anos se tem verificado. Associado a este “mau viver” existe outro problema, que se lamenta, que é o contínuo esvaziamento de residentes (a desertificação) no centro histórico. Todos somados, estes constrangimentos acabam por vergar o centro histórico àquilo que desde sempre alertamos para o que não devia ser: um sítio postal-turístico, centrado exclusivamente nos visitantes, com a proliferação de comércios vários. Por seu turno a autarquia faz do centro histórico palco para programações culturais escusadas e que acrescentam mais pressão a um lugar histórico classificado que devia primar pela distensão e não pela compressão.
Veja-se a programação para o próximo fim-de-semana: mais um pacote cultural comprado por atacado e que se reproduz, com o mesmo figurino, noutras cidades, falo da designada “Noite Branca”. Esta iniciativa, que surgiu em Paris (2002), propunha (nessa cidade) a abertura gratuita de museus, instituições culturais e outros espaços públicos e privados utilizados também para apresentar instalações, performances artísticas, concertos, etc.. Obviamente que a dimensão da cidade luz permite uma circulação e distribuição de públicos que Guimarães obviamente não tem… concentrando-se o “pessoal” sobretudo nas praças do centro histórico para consumirem um prato cultural que se centra, quase exclusivamente, na reprodução de música gravada.

Não nos opomos à noite branca ou cinzenta ou azul, o que nos surpreende é a insistência em agendar “piquenicões” sonoros para uma zona da cidade que pede uma programação mais cuidada (pequenos teatros de rua, feiras de alfarrabistas e antiguidades, concertos de música concebidos para o local…) e que coloca este concelho em linha com a “mesmidade” doutros concelhos.
Se podemos compreender e aceitar a realização da feira medieval (outra iniciativa comprada por atacado e que se replica, com mais ou menos fardos de palha, um pouco por todo o país…) no miolo da cidade por via do “cenário” único que esta oferece, torna-se, porém, difícil de compreender a apetência autárquica para reproduzir mais do mesmo, todos os anos, num espaço físico, o centro histórico, que devia estar protegido desse tipo de contrafação cultural.
2. Há coisa de 20 anos atrás, o munícipe Fernando Sérgio Bastos fez, na Assembleia Municipal de Guimarães, no período destinado ao público, uma intervenção em que sustentava a ideia de devolver à cidade o Largo de Donães, sendo, pois, urgente a remoção do mamarracho lá colocado. Os argumentos técnicos, patrimoniais e económicos então apresentados eram claros e mereceram a atenção e reconhecimento de todos. De todos? Não, de todos não… a maioria de então continuava a pensar em uníssono com o seu líder que, desde logo, excluiu a proposta. Porquê… não havia dinheiro? Existiam outros trabalhos mais urgentes? Se assim fosse então porque é que o largo não foi recuperado para, e com, a capital da cultura? Nessa altura havia a possibilidade (e fazia todo o sentido) de o fazer? Não se fez. Foram precisos 20 anos para realizar o óbvio. Duas décadas em que a possibilidade de um espaço público de qualidade no coração da cidade foi negada aos vimaranenses e a quem nos visita. Não deixa de ser irónico a pompa da inauguração e a virtuosa defesa da excelência do novo espaço pelos mesmos que então o consideravam não prioritário, dispensável, que estava muito bem como estava e quem dizia o contrário era porque não gostava do senhor edil…

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