Inadiáveis Leituras: As últimas coisas
Neste outono que tarda em vir, trago-vos um livro que li no início dos anos noventa. Reli-o agora por estes dias, enquanto desejo o ar limpo depois da chuva e o verdadeiro sol de outono, que não queima como este.
A escrita de Paul Auster irrompeu nas minhas leituras como um sinal de alerta, num tempo em que se democratizava o acesso ao ensino superior, em que o país gozava de paz, em que se começava a ouvir falar de Ecologia.
Vivia-se assim mas, ainda assim, a minha geração já queria negociar o financiamento da Educação, organizava vigílias por Timor, e alguns de nós andavam aflitos, sem os ecopontos que se encontram hoje em todas esquinas, à procura de quem recolhesse jornais e cartão. Pois bem, foi nesse tempo e nesse contexto que li os livros dele, os que estavam até aí traduzidos, todos de uma vez.
O livro “No País das Últimas Coisas”, de Paul Auster, apresenta cenários de abundância de lixo pelas ruas da cidade, de escassez de alimentos, pilhagens, edifícios demolidos e pessoas magras, perdidas, sobreviventes no impossível da vida.
Impressionou-me muito o seu olhar sobre a sociedade, a visão de um futuro que entretanto se tornou presente em tantos pontos da nossa Terra. Que longe estava eu então. Marcou-me o modo como as suas personagens se moviam num panorama absolutamente devastado. Esse cenário revelava aquilo que a cidade representa e aquilo que a vida interior de cada um também representa. Há ali um paralelismo entre o que se vê e o que se sente, entre o que se tem e o que se é.
Esta dinâmica é muito interessante porque quando, por exemplo, ele afirma que “há pessoas tão magras, que são levadas com o vento”, pressente-se a estrutura efetivamente muito magra, de um estado tal, a que as pessoas chegam, devido à condição precária do seu país, da guerra, dos movimentos migratórios, e também a falta de densidade a que muitos somos sujeitos porque esvaziados de tantos sentidos. Esvaziados da bondade, da compaixão, esvaziados da alegria, da sabedoria… incapazes do enraizamento (cf. Simone Weil).
Paul Auster faz-nos avançar entre os destroços das cidades e entre os nossos destroços, numa busca incessante que não mais nos deixe tão pouco densos, porque vazios de sentido. É possível reconstruir.
Ele atreve-se a orientar-nos só para nos demonstrar que apesar desta destruição permanece sólido e inamovível o amor. O amor que envia Anne à procura do seu irmão que não dá notícias.
O amor que atravessa os becos escuros. O amor que tudo salva. O amor que vem como a chuva depois da imensa seca. O amor que torna o ar respirável. O amor aos outros, às causas, que faz com que cuidemos uns dos outros e do rio e da floresta e da Casa que existia antes de nascermos.
Enquanto aguardamos pelo lançamento do seu próximo livro, que é já no início deste mês, deixo-vos o “No País das últimas coisas”, uma Inadiável Leitura.
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