Inadiáveis Leituras: “Dar a volta ao mundo”

Por Sílvia Lemos

© Sílvia Lemos

Por Sílvia Lemos
Primeiros dias de julho, o calor a arrastar os dias pela noite dentro, a aurora a lembrar-se de acordar o mundo antes do tempo, e eu com ela a aproveitar a horas frescas para acabar de ler o livro, O Bastardo, de Carlos Salgado Guimarães. É daqueles que queremos ler só mais uma página e quando damos conta estamos no fim. Li de rajada, já sabia, em duas fases. Este é um livro brutal que conta realidades do século XIX, à luz deste presente em que a indiferença e a injustiça se sentam à nossa mesa. Gostei da escrita, das palavras antigas, quase perdidas, do ritmo, do contexto e da intensidade da história. Sou tocada pelas graves diferenças sociais que fazem com que uns tenham tudo e outros nada. Sou sensível ao horror da impotência perante os autoritários. Que matriz é esta que parece tecer a fibra de tantos seres humanos ao longo da História? Uns fazem-se máquinas do mal, incapazes da comoção, rodopiando nas avenidas, em contraste com outros, sempre subjugados, mesmo sendo capazes das mais belas coisas, presos em becos sem saída. De que somos feitos nós? O que deixamos que os outros sejam?

Ainda estou a digerir o vento frio, as correntes dos rios, a porta fechada, o desamor. E o olhar de Martinho, aquele olhar. E deixo-me inundar de lágrimas. Que vontade de o abraçar.

A ele, como a nós, bastará sempre o amor.

E é o amor, sempre o amor, que me faz descobrir que “Por dentro de mim dou a volta ao mundo”.

É este o título do livro de A.M. Couto Viana, o último da riquíssima coleção Poesis, da Opera Omnia. De vez em quando, volto à poesia. Diria que não é bem de vez em quando – é quase diariamente -, porque há frases de poetas que ficam a habitar por muito tempo o que vou sendo, o que vou pensando. E António Couto Viana revela-se surpreendente ao dedicar poesia a David Mourão Ferreira ou a Luís Amaro. É a poesia do questionamento da existência. A poesia do desejo dos jardins. Que seria de nós sem os jardins? É assim que a poesia se vai entranhando nos meus dias.

E se volto ao poema, parece-me outro. Vou de jardim em jardim, dentro de mim. Lembro-me de Pessoa e das circunstâncias.

Este senhor da poesia, António Couto Viana, é o mesmo que escreveu Quem gosta de animais cresce mais. Temos pela frente um livro de poemas lindíssimos para a infância, sobre os animais e sobre quem os ama, com desenhos de Vitor Pi. Belíssimos, os desenhos! São obras de arte a cada página, a acompanhar a beleza dos vocábulos que nos fazem criar laços com “o grilo que quer liberdade” (Dá-lhe liberdade no campo florido do Verão) ou com “a galinha engripada” ah…e com “o caracol que não quer sol”… Quase oiço música ao ler, folha a folha.

Não percam estes livros, Inadiáveis Leituras, na luz do Verão!

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