LIBERDADE

por Tiago Laranjeiro

Economista

Nasci em 1988. Um ano antes de António Magalhães ter conquistado, para o PS, a Câmara Municipal. Cavaco Silva era Primeiro-Ministro, e governava há um ano com maioria absoluta. Portugal tinha aderido há pouco à CEE. A democracia já estava consolidada. Para mim, como para os da minha geração, a revolução de Abril é algo do qual temos a distância de quem não viveu aqueles tempos nem, principalmente, os tempos que a antecederam.

Pensar Abril para quem não viveu a revolução é evocar memórias de outros e a História. Mas é, ao mesmo tempo, pensar sobre o regime em que vivemos, a sociedade em que vivemos, e os valores que queremos para a sociedade.

As generalizações são perigosas, mas vou arriscar uma: sou de uma geração relativista. Mas que, no meio do seu relativismo, conta entre os seus valores mais aceites o da liberdade individual, de cada um ser, pensar e ambicionar o que quiser, sem amarras ou convenções. Neste sentido, temos uma dívida direta à revolução e a quem a fez, pela grande conquista que alcançou: a liberdade.

E esta conquista não me parece discutível, nem património de A ou de B. É de todos. Fez-se para o povo, pelo povo. Por todos nós, portanto. Foi a liberdade que nos permitiu construirmos a democracia. E a palavra livre. Sempre a palavra, presente na revolução.

A cada 25 de Abril sucedem-se os discursos, em auditórios, plenários e sessões solenes, em coletividades, em família e entre amigos. A palavra tem um lugar central nesta data. Primeiro porque conquistamos a palavra livre, depois de meio século em que tentaram “cortar a asa ao pensamento”. Depois, porque a palavra é central na celebração da democracia e da liberdade. Na poesia, na ficção, nos discursos e nas canções.

O 25 de Abril é, de algum modo, a celebração da palavra. Não de Deus, mas dos homens. Em que cada um tem direito à sua, e em que esse direito é inalienável. Depois, porque a palavra é um elemento fundamental da democracia, pois a democracia só se constrói em diálogo e debate, na contraposição de opiniões diversas, de onde emergem soluções, que se pretendem amplas.

Hoje, a democracia enfrenta muitos e sérios desafios. Da abstenção eleitoral à emergência dos populismos. Quantos desses problemas não emergem, precisamente, da falta de capacidade de escutar a palavra dos outros? De, escudados em maiorias conjunturais, ou no “modus operandi” de sempre, deixarmos de ouvir, com sinceridade, respeito e abertura, as opiniões diversas da nossa?

A democracia precisa de quem a salve e preserve. E essa é uma responsabilidade de todos. Mas, naturalmente, quem tem responsabilidades políticas tem aqui responsabilidades acrescidas. Precisamos que a democracia dê tempo e espaço à palavra de mais. Porque a democracia não pode ser apenas a eleição regular dos representantes do povo. Nem se pode fechar nos mecanismos legais. Há um “ethos” por trás desses mecanismos, e sem ele, a democracia será incompleta. Porque a palavra traduz pensamento. E da palavra, ou resulta ação, ou é inconsequente. Seja para a resolução, seja para a revolução.

 

 

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