Preciso do seu olhar, e sorrisos

Por Carlos Guimarães.

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por Carlos Guimarães
Médico urologistaTudo o que é óbvio pode despertar em nós espanto ou admiração dependendo da onda emocional que nos atinge. Do nada as palavras entram em nós crivadas de verdade e misturam-se com o nosso pensamento numa sintonia quase perfeita.

Preciso que me olhe doutor, ignore a tela do computador e mostre-me o filme que passa no seu olhar. Quero que me fixe com os seus olhos pequenos encolhidos pelas lentes grossas dos seus óculos. Um médico que não olha é como uma receita ilegível numa folha amarrotada que morre no fundo do caixote de lixo sem nunca ser lida. Preciso que me olhe para encurtar a distância que nos separa. Há uma extensa planície entre nós que se espraia ao longo do tampo da secretária. Não me importo que abane a cabeça para sentenciar um prognóstico mau, mas preciso que me olhe doutor. Acredito nos remédios que podem melhorar o meu corpo onde se abrigam casulos que recusam a metamorfose de borboletas cujas asas deformadas se negam em voar, mas preciso que me olhe, preciso no seu olhar, e das mãos que me toquem e que fujam das teclas pregadas na sua frente.

Sei que sepultou as gravatas empoleiradas no pescoço, uma lente divergente que nos afastava mais. Ainda bem. A túnica verde que traja fica-lhe bem melhor doutor, um verde que veste mais esperança do que aquela que se despe de mim, mas peço-lhe doutor, que todas as palavras sejam ditas sem que se cale o seu olhar. Olhe para mim doutor, preciso do seu olhar e de sorrisos doutor, preciso de sorrisos. Sei que a máscara rouba metade das expressões, mas os olhos também sorriem. Médico que não sorri é como medicamento fora do prazo que ainda pode fazer efeito, mas é melhor não tomar. Eu sei que só há uma forma de dar más notícias, com verdade, mas com jeitinho (de preferência). Nem sempre a má notícia é um carrasco da esperança e em nenhum momento a deve decapitar. A má notícia pode transportar consigo um abraço, ou as mãos de um enlaçadas no outro como fio condutor das boas energias, e sempre, sempre um sorriso, seja ele tímido ou assustado, funciona como a boa luz que nos desperta da escuridão, da sombra que se aproxima. A má notícia deve trazer disponibilidade, uma porta que se abre quando tudo parece fechar. Não me deixe só doutor e sorria, sorria daquela forma que imita um ombro para me apoiar. Há mentiras que sabem bem, as mentiras convenientes que assumimos como verdade. Costuma-se dizer “Deus no céu e os doutores na terra”, mas já não é assim. Isso vem do antigamente em que os doutores eram incomodados a qualquer hora e a qualquer hora recebiam e a qualquer hora partiam para acudir os aflitos. Era “Deus no céu e os doutores na terra”! Hoje os doutores têm horário como as outras pessoas e as chagas do corpo e da mente fora do horário de serviço, acorrem às “urgências”, tão diferente, talvez melhor, quem sabe, talvez “Deus no céu”, no sítio dele e na terra, na terra estamos nós, os pecadores e o diabo. O diabo, doutor, anda sempre por aí, sem medo, mas espantado sempre que um sorriso se acende nos olhos que a máscara não consegue esconder.

Sorrisos doutor.

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