Três anos sem Seth: o cão mais acarinhado de Guimarães e o homem que o acompanhava

Seth, o cão mais acarinhado de Guimarães, faleceu há três anos. Alfredo, o dono, ainda hoje sofre com o desaparecimento do seu companheiro. Na Mais Guimarães, damos-lhe a conhecer a história de Alfredo, o lisboeta que escolheu Guimarães para viver.

© Helena Lopes/Mais Guimarães

No dia 26 de maio de 2022, Guimarães perdeu uma das suas figuras mais acarinhadas: Seth, o Golden Retriever branco que durante anos fez parte do quotidiano do centro histórico da cidade. Tinha 14 anos e meio quando sofreu um AVC e acabou por falecer, deixando um vazio profundo no coração de Alfredo Magalhães, seu fiel companheiro. Houve quem defendesse a criação de algo no centro da cidade que perpetuasse a sua memória.

Três anos depois, a memória de Seth continua viva nas ruas da cidade-berço e nas histórias de quem com ele se cruzou. Mas por detrás desse cão tão amado, está também a história de Alfredo Magalhães um homem com um percurso de vida dedicado ao serviço público, à Cruz Vermelha e, nos últimos anos, a uma amizade incondicional com o seu cão.

De Lisboa para Faro, do Algarve para Guimarães

Nascido em Lisboa, em 1946, na freguesia então chamada Monte Pedral (hoje Santa Engrácia), Alfredo é filho do Coronel Médico Alfredo Alexandre Ribeiro de Magalhães e de Maria Manuela Sousa. Da infância, pouco guarda, por opção: ““Fui um filho desejado, de um segundo casamento do meu pai, só que na adolescência sofria, levava tareias que ainda hoje não entendo porquê (…) perante a minha mãe que nada fazia… o meu pai era militar”. Motivos que, anos mais tarde, se refletem no afastamento da família, no isolamento que dura até hoje. “Uma solidão por vontade própria”. Conseguiu perdoá-lo? Questionámos. “No hospital, mentalmente, ele estava com Alzheimer”. Nunca conversaram e cada um seguiu o seu caminho.

A partir da década de 60 foi a época da farra e da aventura, no Algarve, talvez uma forma de colmatar um vazio de outrora, que precisava ser preenchido e vivido. “Estava dependente da minha mãe, que, entretanto, se separou do meu pai. Andava eu de boleia de um lado para o outro”, relembra. A escola foi fazendo, “estudava umas coisitas”.

Estudou na capital, casou-se em 1967 – ninguém da família achou boa ideia – e teve dois filhos. Dois dias depois da boda ingressou no serviço militar, onde permaneceu até 1970. Um ano depois, partiu para Timor, onde esteve durante dois anos e meio ao serviço. Olhando para trás, percorreu dois terços do mundo, como militar.

Ao regressar a Portugal, iniciou funções na Direção dos Serviços da Administração do Magistério do Exército. Em paralelo, entrou na Cruz Vermelha Portuguesa, inicialmente em regime de part-time, sendo mais tarde contratado como Chefe da Secretaria Geral da instituição. Alfredo acumulou ao longo da carreira várias condecorações, tanto no Exército como na Cruz Vermelha, entre medalhas de dedicação, mérito e comportamento exemplar, que hoje guarda com orgulho. Em 1987, transferiu-se com a família para Faro, no Algarve, onde viveu até 2018. Após se reformar em 2000 e se divorciar anos mais tarde, escolheu Guimarães como novo lar, em 2019.

Mas porquê Guimarães? “Por um motivo simples, que anda hoje está atual, as rendas das casas”, respondeu. Já cá tinha estado com os pais na década de 50. Regressou em 2006 como turista, e como a vida não andava como devia, em 2018 voltou de vez, depois de Albertina Freitas do Amaral lhe ter arranjado cá casa. Além da renda mais barata, Alfredo tem raízes por Guimarães, até porque a sua trisavó nasceu pela zona do Toural.

A vida de Alfredo deu voltas, mas hoje diz que não se arrepende de nada e que se sente muito bem em Guimarães. Foi nesse reencontro com o Norte, que Seth se tornou figura constante nas ruas da cidade. Seth nasceu a 20 de novembro de 2007 no Algarve, com o nome oficial Seth da Quinta da Praia Grande. Alfredo adotou-o com apenas três meses e os dois tornaram-se inseparáveis. O Seth era a sua sombra. Ia consigo para todo o lado. Até nos hotéis ele entrava.

A presença de Seth era marcante. Fotografado por turistas e acarinhado pelos moradores, era considerado por muitos “o cão mais conhecido do centro histórico”. Em julho de 2021, Seth foi diagnosticado com um cancro nos pulmões, pouco tempo depois Alfredo descobria que padecia de cancro da próstata. O cão resistiu durante meses, até que em maio do ano seguinte, um AVC pôs fim à sua vida. Tinha 14 anos. Acompanhado pela agente Sandra Oliveira da Polícia Municipal, Alfredo levou-o ao veterinário, onde foi confirmada a gravidade do quadro. Seth faleceu poucas horas depois, através de abate que Alfredo não quis assistir. “Ainda hoje sinto muito a falta dele, ele sentia quando eu estava mais em baixo, vinha para junto de mim”.

© Mais Guimarães

 Tentou adotar outro cão, mas foi impedido por ser demasiado idoso

Desde então, Alfredo, de 78 anos, não voltou a ter outro animal. Tentou adotar, mas foi-lhe recusado devido à idade. “Recebi uma resposta de Vila Nova de Gaia, o animal tinha oito meses e eu até gostava dele. Um mês depois ligaram-me a dizer que eu já era demasiado velho para um cão de oito meses”, lamenta. A dor da perda foi agravada pelo afastamento de pessoas próximas. “Seth era a minha única companhia. Quando mais precisei, senti-me sozinho. Os amigos de duas pernas afastaram-se.”

A ligação entre Alfredo e Seth marcou não apenas os dois, mas também uma cidade inteira. Por isso, o ex-funcionário da Cruz Vermelha renova o apelo à Câmara Municipal de Guimarães para uma homenagem pública ao cão que, com a sua ternura, se tornou parte da identidade afetiva da cidade. “A sua partida foi uma perda para mim e para Guimarães. Uma homenagem seria um reconhecimento mais do que merecido.”

Seth continua a viver nas memórias, nas fotografias espalhadas pelo mundo, e nas palavras de um homem que lhe dedicou amor e uma vida cheia de histórias — muitas delas, agora, cruzadas com o carinho da cidade que adotaram como casa. Vai ser criado um Fundo com o nome de Alfredo – Fundo Português de Fotografia do Porto Alfredo Alberto de Sousa Ribeiro Magalhães – no Centro Português de Fotografia do Porto. A cerimónia a o protocolo está prevista acontecer para finais deste ano, inícios de 2026.

Tenho doado muitas fotografias no tempo do meu avô que tirou em Angola, tinha uma caixa cheia de vídeos que chegaram às minhas mãos. Mais recentemente uma série de negativos e de fotografias que não me adianta guardar porque já sei que, de hoje para amanhã vai tudo para o caixote do lixo.

É um investigador nato, gosta de investigar árvores genealógicas e assim vai passando o tempo. O desaparecimento do Seth coincidiu com o fim de uma relação. A solidão é companheira, porque quer, no meio das suas pesquisas genealógicas e isso absorve-me. De vez em quando vai a Lisboa visitar a Cruz Vermelha e ainda havia gente que me conhecia 20 anos depois.

 

 

PUBLICIDADE
Arcol

NOTÍCIAS RELACIONADAS