BOA CONTINUAÇÃO

CÉSAR MACHADO Advogado

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por CÉSAR MACHADO
Advogado

“Boa Continuação” é das saudações capazes de deixar o destinatário na dúvida, tal a miríade de significados que a expressão pode acolher. Abreviada para  “continuação”, menos diz, sendo maior o desconforto. -Continuação de quê, exactamente? Atenta a intimidade entre saudante e saudado, conhecemos modos de salvar adequados a todas as estações –“Muito boa noite”, “Gostei de o ver”, “Estimei ouvi-lo”, “Até à próxima”…Hoje em dia, com esta infelizmência da “continuação”, é bom estar à tabela, evitar situações delicadas. O hábito pode levar a desejar “continuação” a um enfermo, a um parente do falecido em velório, a um infausto que, por infortúnio forense, se viu a presidiário, estado transitório que experimenta muita gente, boa e má, e por aí afora, tantos são os putativos continuantes infelizes.  Convêm guardar cuidado.

À despedida com o misterioso desejo de “continuação”, pode corresponder um “muito obrigado, igualmente”, caso em que nenhum sabe, de saber certo, o que se está desejando. E isto, contando que os cumprimentantes venham de boa fé.  Não seja o caso de vir bem intencionado quem assim saúda e pode  o momento ser constrangedor. Não se exclui que um malandrim deseje, à má fila, uma boa continuação com propósitos de menor lisura, dirigido a incauto, que, indiferente à falseta, responda, afoito, com dizeres afáveis. Uma injustiça, pois claro. Já quando a peleja é a dois, assumida, aí outro galo canta e bem pode suceder que a “continuação” nada tenha de inocente, de um e de outro lado, que funcione como quem roga uma praga ao conversador. Algo como “o que és, continua sendo, maroto, continua que vais bem…” A “continuação” pode trazer algo de sentencioso que –mais tarde ou mais cedo- vai cair no tradicional “hás-de ter um lindo enterro”. Sendo o interlocutor da mesma têmpera, pode retorquir, modesto:-  “Muito obrigado, igualmente para si”- Mas não se está livre que saia o ainda mais dúbio  “Deus lhe dê em dobro o que para mim deseja  Em qualquer caso, estará criado o dissenso. Um dissenso partilhado, consentido, uma tergiversação desejada, em suma, um jogo.

Com parceiros adestrados na sinuosa arte do macete, bem pode ocorrer peleja  onde  manha e ronha sejam sina e senha comuns. Um dos manholas sairá a garantir que as coisas são o que são, no que colherá  o imediato acordo do outro.A “continuação” ganha um lado lúdico, o veneno da competente fatia de cinismo num  braço de ferro da insídia. A expressão permite, põe os farsantes a jeito. Sendo os figurões do mesmo nível, como é desejável nos cantares ao desafio, à minhota, dando o cantador uma abébia, logo leva, preparando o alçapão onde emboscará o outro na quadra seguinte. Um pérfido xadrez  onde os códigos de ética, a existirem, estarão encobertos por sorrisos que as circunstâncias sempre obrigam a encaixilhar. Parole, parole, parole,  não mais que um jogo, nada de ressentimentos, uma boa continuação, talvez, a menos deselegante das formas de  dizer tudo sem dizer nada, sem se partir um simples pires, muito menos a loiça toda.  Um passaporte válido para todos os destinos, vá-se lá saber o que fica pairando na suspeita do brindado, e o que matreiramente deseja, no íntimo,  o cumprimenteiro.

Coisa complicada, saudar-se desta maneira. De maneira que é assim…(outro achado  maravilhoso da nossa língua pátria que, no entanto, resulta bem em inglês, se traduzido à letra.).

 

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