A INTOLERÂNCIA TOLERADA
MARCELA MAIA Técnica de relações internacionais na Universidade do Minho
por MARCELA MAIA
Técnica de relações internacionais na Universidade do Minho
Há relativamente pouco tempo participei numa formação profissional onde testamos e debatemos o conceito de tolerância. Falamos alegoricamente da bolha de tolerância que cada um de nós tem e dos gatilhos que podem levar ao rebentamento dessa mesma bolha. Em bom português a palavra tolerância surge quase sempre associada a um contexto de passividade e algum sacrifício – “eu aguento”; “eu permito”. Na dita formação aprendi que, na Carta dos Princípios da Tolerância declarada em Paris pela UNESCO em 1995, tolerância é antes sinonimo de respeito e apreço pela diversidade cultural. Saída da formação em comunhão com a minha tolerância interior – a Portuguesa e a da UNESCO – tive de me deslocar a uma repartição de finanças e foi aí que o verdadeiro teste á minha tolerância teve lugar. Cheguei ao local carregando comigo documentos que deveriam ser facilitadores e orientadores da minha visita àquele serviço público, logo, não me restavam muitas dúvidas de que o assunto que lá me levava seria fácil de resolver.
Contrariamente ao que acontece geralmente só estavam quatro pessoas para serem atendidas antes de mim o que me deixou obviamente agradada, assim, sentei-me e aguardei que o monitor me indicasse quando e onde me deveria dirigir. – “Senha B52” – chamou o funcionário, pelo que me levantei e fui de encontro ao seu balcão de atendimento. Cumprimentei-o e sem ouvir resposta ao meu cumprimento sentei-me e desde logo comecei a explicar o motivo da minha visita, coloquei questões e entreguei-lhe a documentação que levava comigo. Uns incómodos e silenciosos segundos mais tarde – após leitura diagonal dos documentos que lhe entreguei – o funcionário, sem proferir qualquer palavra, abriu um livro – que me pareceu ser o código civil – e começou a citar a alínea X do artigo Y, para justificar que a questão que eu lhe havia colocado não fazia sentido. Surpreendida, questionei-o acerca da validade da documentação que lhe tinha apresentado, ao que ele me responde: “Essa tá fixe…” – expressão que desde logo mostrou desconsideração pelo assunto a tratar tendo por base a minha idade. Franzi o sobrolho e de modo educado ofereci-lhe um sarcástico – “Muito bem. Muito obrigada pela sua ajuda e amabilidade”.
Levantei-me e abandonei aquele local com a bolha que envolvia a minha tolerância interior a ser atrozmente atacada pelas palavras e atitudes que havia presenciado. Uma vez perdida a harmonia pós-formação, a minha solução pessoal para este caso foi caminhar pelo ar frio que se faz sentir de modo a arrefecer as ideias e os ânimos. Se ao menos eu tivesse sido despropositada ou lhe tivesse colocado alguma pergunta idiota até poderia tentar entender a sua reação, mas neste caso em específico nada disso se verificou. Resta-me dizer que não subscrevo generalizações que afirmam que todos os nossos serviços públicos e todos os nossos funcionários públicos prestam um mau serviço à comunidade – não tivesse eu exemplos de excelência nessa área – mas certo é que, em situações como estas todos os nossos limites de tolerância são postos à prova e por mais passivos, permissivos e apreciadores da diversidade cultural que possamos ser, vemos esses mesmos limites serem levados ao extremo, cedendo lugar a uma “intolerância tolerada”.
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