O FILHO DO SR. AUGUSTO
Por José Rocha e Costa.
Por José Rocha e CostaQue a parentalidade tem muito que se lhe diga, não é novidade para ninguém. Que o digam os inúmeros especialistas que escrevem em revistas e vão à televisão discutir o tema. E o mínimo que se pode dizer é que este é um tema sensível e não muito consensual. Todos temos uma ideia mais ou menos concebida na nossa cabeça de como é que se deve educar uma criança mas, ao mesmo tempo, todos temos também algum receio de expressar as nossas opiniões, sob pena de nos poder acontecer o mesmo que acontece aos outros pais. Como diz o ditado popular: “Quem cospe para o ar, na cara lhe cai”.
Mas ainda assim, como ainda não sou pai, e até isso acontecer pode demorar alguns anos, vou-me arriscar a partilhar convosco aquilo que tenho vindo a constatar.
A verdade é que todas as crianças, quando são pequenas, são espetaculares. Os pais e os familiares mais chegados conseguem projectar grandes feitos futuros só de as ver realizar empreitadas tão difíceis como coçar o rabo, babarem-se, ou mesmo atirar objectos à cara das pessoas. Os pais consideram que se o filho tem a mania de se atirar abaixo das cadeiras, é porque quando for grande vai ser paraquedista. Não sabe falar direito? É porque tem uma inteligência intuitiva. Atira comida ao tecto? Sim senhor. Digno de um futuro artista plástico.
De vez em quando era bom ouvir alguém mais realista para variar. Ouvir uma coisa do género: Ó pá o miúdo é meio burro coitado, mas se nós fizermos um esforço e conseguirmos fazer com que ele não se atire tantas vezes abaixo das cadeiras, pode ser que ele não venha a ser completamente retardado. Isto sim, era uma opinião que poderia vir a ser útil para o desenvolvimento da criança.
Por isso é que eu sempre gostei do Sr. Augusto. O Sr. Augusto era o porteiro do prédio ao lado do meu. Um daqueles prédios do antigamente, com direito a todas as mordomias que se possa imaginar. Ao contrário da maioria dos pais, o Sr. Augusto sempre teve a noção, e sempre fez questão de não esconder, que o filho dele tinha algumas limitações. Claro que todas as crianças são limitadas em certa medida, mas o filho do Sr. Augusto conseguia parecer estúpido até quando brincava com crianças bastante mais novas do que ele. Não pensem que por causa disso o Augusto o tratava mal. Não tratava. Até porque devia sentir que parte da estupidez do filho tinha qualquer coisa que ver com os genes que ele lhe transmitiu. Se o Augusto também era estúpido? Tinha os seus momentos. Lembro-me duma característica nele que me irritava profundamente, que era o facto de ele nunca conseguir reconhecer quando uma pessoa estava a ser irónica. Mas mesmo nunca, nem nas situações mais evidentes. Podia estar a chover a potes e eu dizia:
– Então Sr. Augusto, este tempo está mesmo impecável…
E o estúpido do Augusto (estou a referir-me ao pai, convém fazer a distinção porque o filho também se chamava Augusto). E o estúpido do Augusto:
– Acha mesmo? Eu não gosto muito, mas isso cada um tem os seus gostos.
É este o tipo de pessoa que o Sr. Augusto era. Era e ainda deve ser, eu é que nunca mais o vi. Sorte a minha. Pensando bem… acho que não gosto assim tanto do Sr. Augusto.
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